Correio de Carajás

Filme retrata memórias do povo Aikewara desde a Guerrilha do Araguaia

Produtora marabaense mergulha nas histórias de uma das comunidades indígenas mais carentes da região para abordar diversos temas sensíveis

O ponto de partida do filme foi a leitura de Rayda sobre uma defesa de mestrado de um indígena Suruí Foto: Evangelista Rocha

Abordando os impactos na vida da comunidade Suruí desde a Guerrilha do Araguaia até a atualidade, incluindo a influência da BR-153 em seu território, o documentário: “Caminhos e Memórias do Povo Aikewara” será apresentado à sociedade em sua 1ª mostra no dia 15 de dezembro, às 19h, no Sesc Marabá, localizado na Cidade Nova. O evento terá entrada franca.

A responsável pelo filme é a fotógrafa e produtora cultural Rayda Lima, filha de Marabá, que tem desbravado este caminho com o suporte da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Seu envolvimento com a comunicação e produção audiovisual começou de maneira inusitada, quando assumiu um cargo que, à época, nem existia na instituição.

A reportagem deste CORREIO conversou com a produtora e descobriu que o documentário, centrado na vida dos povos indígenas Suruí, emergiu como uma resposta aos incômodos sentidos por ela. Em meio à carência de produções audiovisuais acessíveis sobre essa comunidade, ela percebeu a necessidade de criar uma narrativa visual que alcançasse a juventude conectada às telas.

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O ponto de partida foi a leitura de um artigo científico, uma defesa de mestrado de Winurru Suruí, que detalhava os impactos desde a Guerrilha do Araguaia até a atualidade, incluindo os efeitos da BR-153 em seus territórios: “A falta de registros audiovisuais sobre o tema me motivou a empreender na produção desse filme”, relata.

Mesmo diante da ausência de recursos, a persistência de Rayda a levou a se inscrever em um edital que resultou na conquista do financiamento para o projeto. A pesquisa do indígena Suruí foi essencial na concepção do documentário, contando com sua autorização e orientação para transformar o conhecimento acadêmico em uma narrativa acessível. “Eu não apenas enfrentei a falta de recursos, mas também abordei outra lacuna: a inacessibilidade de um longa-metragem sobre os Suruí, disponível apenas em plataformas pagas. Utilizando esse documentário como referência, eu pude começar minha jornada, aprendendo sobre enquadramentos, imagens complementares e outros aspectos técnicos”, conta.

Rayda Lima: “A falta de registros audiovisuais sobre o tema me motivou a empreender na produção desse filme”

Ao entrevistar membros da comunidade, Rayda confrontou desafios emocionais, especialmente ao abordar a dura realidade da Guerrilha do Araguaia. A câmera serviu como uma ferramenta para resgatar a história, mesmo que isso implicasse relembrar momentos de sofrimento. A presença de crianças e adolescentes durante as gravações visava criar uma ponte entre gerações, incentivando a escuta atenta das histórias mais antigas.

A presença de crianças e adolescentes durante as gravações visava criar uma ponte entre gerações, incentivando a escuta atenta das histórias mais antigas

Além dos impactos da Guerrilha, o documentário destaca a desterritorialização dos Suruí, que agora enfrentam a perda de território e vivem cercados por fazendas. “A BR-153, que corta sua reserva, tornou-se uma ameaça não apenas para a comunidade, mas também para a fauna local, como evidenciado pelas imagens chocantes de animais atropelados”, relata a produtora.

Ao captar essas imagens, Rayda destaca um momento impactante para ela: a realidade dos animais que enfrentam o perigo da travessia pela rodovia. Essas cenas provocativas contribuem para a conscientização sobre os múltiplos desafios enfrentados pelos Suruí, desde questões territoriais até os impactos ambientais de uma rodovia que atravessa suas terras.

O documentário, sendo o primeiro de Rayda, não apenas conta uma história importante, mas também revela o potencial transformador da produção audiovisual na preservação da cultura e na busca por justiça social.

POR TRÁS DAS LENTES
No coração dessa jornada está a missão da produtora como educadora popular, disseminando conhecimento por meio de oficinas e formações. Enquanto desempenha suas funções na área de comunicação, ela se destaca não apenas como uma fotógrafa habilidosa, mas também como uma entusiasta em compartilhar saberes.

“A paixão pela fotografia não foi uma escolha premeditada, mas sim uma resposta a desafios. Morando em Marabá, eu enfrentei a ausência de escolas especializadas e profissionais que me orientassem. O aprendizado acabou sendo uma jornada solitária, através do YouTube, dominando desde o manuseio de uma câmera até a escolha das lentes apropriadas”, desabafa.

A câmera serviu como uma ferramenta para resgatar a história, mesmo que isso implicasse relembrar momentos de sofrimento

Mas, a falta de oportunidades locais não impediu Rayda de sonhar alto. Mesmo sem ter buscado formação fora da cidade, ela nutre o desejo de expandir seus horizontes. Seu plano inclui uma formação em outro local, talvez até mesmo em outro país, visando aprimorar sua técnica e adquirir novas perspectivas.
A produtora almeja não apenas desenvolver suas habilidades, mas também contribuir de maneira significativa para Marabá. (Thays Araujo)