Correio de Carajás

Filho baiano reencontra a mãe em Marabá após 50 anos

O ano de 2020 vai ser concluído por Valdeci Maria dos Santos, de 70 anos, com um recomeço em sua vida. É que a idosa reencontrou, após 50 anos, a sua família, que deixou há muito tempo na Bahia. Na verdade, quem a encontrou foi seu neto, após ler uma reportagem publicada no site da Prefeitura de Marabá e republicada pelo Correio de Carajás, sobre três idosos que sonhavam em reencontrar seus familiares. Entre eles, estava Valdeci.

O neto, ao perceber que a idosa se tratava de sua avó, apressou-se em contar ao seu pai, o vaqueiro Jarsson Ernesto de Souza, que a reconheceu imediatamente. Primeiro pelo nome, e depois pelos traços, já que as lembranças foram perdidas ao longo do tempo. “Quando eu vi aquele nariz, eu reconheci logo, é igual ao meu, eu sabia que era minha mãe”, conta Jarsson, emocionado.

Para se ter uma ideia da dimensão de tempo, o filho de Valdeci nem ao menos se recorda da mãe, pois ela deixou o município de Itabuna, onde viviam, aos 17 anos, para viver um romance com um namorado que estava vindo para Marabá, trabalhar derrubando matas para criação de pasto para fazendas de gado. Vale destacar que esse namorado não era o pai de Jarsson.

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Na época, Valdeci estava grávida de seu único filho, Jarsson e, após dar à luz, o deixou aos cuidados de sua mãe. “Eu lembro que pegamos um ‘pau de arara’ [transporte irregular adaptado em caminhões] e viemos parar aqui [Marabá]. Ele me prometia o céu com as estrelas, dizia que depois de três meses eu poderia voltar para buscar meu filho, mas isso nunca aconteceu”, lamenta.

Jarsson imagina que seu pai esteja vivo, pois, aos 18 anos, seu primo que vende artesanatos, esteve em Campinas (SP) e deu notícias dele. Porém, o vaqueiro, sem interesse em conhecer o pai, solicitou apenas que ele conseguisse sua certidão de nascimento, e foi o que seu primo fez. Ao retornar da viagem à cidade das andorinhas, ele trouxe o documento que trazia a identidade de quem era o pai de Jarsson.

Depois de algum tempo, Valdeci se separou do tal namorado, porém, sem condições para retornar para a Bahia, permaneceu na região sudeste do Pará, onde trabalhou como cozinheira. “Eu preparava comidas comuns e a minha especialidade era o ‘cozidão’. Esse, todos adoravam”, conta a idosa, dispensando modéstia.

Os anos se passaram e ela se casou novamente e construiu uma casa no Núcleo São Félix, mas todo esse tempo sem contato com sua mãe e seu filho. Porém, Valdeci veio a passar por uma grande tribulação, ao ser diagnosticada com câncer do colo do útero. “Desde então, meu esposo não me quis mais, exatamente porque eu estava doente”, recorda a idosa.

A coordenadora do Centro Integrado da Pessoa Idosa “Antônio Rodrigues” (Cipiar), Maria Onete, explica que Valdeci procurava muito a Assistência Social do município para ter ajuda, com o tratamento do câncer e com benefícios, já que havia sido abandonada pelo esposo.

“Eu pedi à assistente social do Hospital Ophir Loyola, onde ela realizou o tratamento do câncer, que mandasse o laudo médico, para dar entrada nos benefícios dela. Valdeci se curou da enfermidade e depois disso não tive mais notícias suas, até que chegou uma informação de que ela estaria na casa de uma família, com problemas psicológicos e sua vontade era voltar para o São Félix”, explica Maria Onete.

Como alternativa, Valdeci foi enviada para a casa de parentes em Parauapebas, mas não se adaptou também, regressando para Marabá. Em 2018, ela finalmente chegou ao Cipiar, após surgir na Secretaria de Assistência Social muito debilitada. “Ela estava magrinha e com a pele muito ressecada, então a trouxemos para cá”, descreve Onete.

Valdeci se diz grata pelo apoio de toda a equipe do Cipiar e da Assistência Social do município de Marabá / Foto: Evangelista Rocha

Foi nesse momento que ela passou a lembrar mais de sua família, comentando sempre do seu sonho de rever o filho que ficara para trás, na Bahia. “Ela sempre foi muito lúcida e detalhava bem os lugares onde morou, os seus familiares, então pedimos que fosse feita uma reportagem sobre ela e os outros dois idosos que sonhavam e rever suas famílias”, acrescenta Onete.

Jarsson, que mora em Ibicaraí-BA, lendo a reportagem, pediu ajuda ao seu patrão, o fazendeiro e vice-prefeito de Santa Cruz da Vitória, um município vizinho, a 35 km de onde ele mora, que prontamente entrou em contato com Joselma Oliveira Silva Teixeira, a diretora do Centro de Convivência deste segundo município baiano, para que ela viesse a Marabá buscar Valdeci, junto com seu filho.

O reencontro foi emocionante. A idosa precisou fazer uso de medicamentos para controlar a pressão, que poderia se alterar quando visse o filho. “A saudade era grande, foi inevitável não se emocionar. Agora, vou levar minha mãezinha para casa”, disse Jarsson.

O filho de Valdeci reside atualmente em Ibicaraí, município distante 35,3 quilômetros de Santa Cruz da Vitória. Lá, a idosa conhecerá seus seis netos e seis bisnetos, além de muitos irmãos e sobrinhos. “Infelizmente, minha avó não terá essa oportunidade, pois ela se foi há um bom tempo”, lamenta Jarsson.

Maria Onete e a secretária de Assistência, Nadjalúcia Oliveira, avaliam que a missão do Cipiar foi cumprida, restando como pendências apenas a casa no Bairro São Félix, o restante dos recursos de seus benefícios e uma cirurgia de cistocele, que ficou de ser feita por Valdeci por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, foi desmarcada devido à pandemia do coronavírus.

Só nos últimos três anos, outros seis idosos do Cipiar reencontraram seus familiares. “Sou muito agradecida a todos pelo apoio que recebi aqui [Cipiar] e sentirei falta dos meus colegas. Não tenho queixa de ninguém e se tivesse eu falaria”, finalizou Valdeci, mostrando que apesar de estar longe do seu estado natal, ela sabe rodar a baiana quando preciso. (Zeus Bandeira)