Um fígado humano preservado por três dias fora do corpo de seu doador foi transplantado com sucesso para um homem de 62 anos que, mesmo um ano após a realização do procedimento, permanece saudável e com uma qualidade de vida normal.
Isso é o que revela um novo estudo publicado na revista científica Nature Biotechnology nesta terça-feira (31).
O procedimento é considerado promissor pois pode expandir o número de fígados disponíveis para transplante e, ao mesmo tempo, permitir que cirurgias sejam agendadas com dias de antecedência.
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O órgão, transplantado de uma doadora de 29 anos para o paciente que sofria de várias doenças hepáticas graves, incluindo cirrose avançada e uma hipertensão portal grave, ficou conservado antes da cirurgia por meio da técnica conhecida como máquina de perfusão hepática normotérmica ex situ (MPN).
A prática clínica de nome complicado simula o organismo humano ao fornecer oxigenação e nutrientes para o órgão na temperatura normal do nosso corpo, ou seja 37ºC.
Diferentemente da preservação no gelo, prática mais comum e que limita o armazenamento de órgãos geralmente em até 12 horas antes do transplante, a MPN permite a conservação das estruturas doadoras por mais tempo, em até cerca de 10 dias, como já haviam mostrado alguns estudos anteriores sobre o tema.
Contudo, nenhuma dessas pesquisas realizadas até então haviam descrito transplantes em humanos.
“Este sucesso clínico inaugural abre novos horizontes na pesquisa clínica e promete uma janela de tempo estendida de até 10 dias para avaliação da viabilidade de órgãos doadores, além de converter uma cirurgia urgente e altamente exigente em um procedimento eletivo”, disseram os autores da pesquisa.
O cirurgião de transplante hepático Yuri Longatto, do Hospital Israelita Albert Einstein, que não teve relação com o artigo da Nature, explica que esse é o primeiro relato da realização de um transplante do tipo após um período de manutenção tão prolongado (3 dias).
O médico, que trabalhou com uma técnica parecida no Reino Unido e agora vem atuando para implementar a tecnologia no Brasil, ressalta que, embora precisemos mais pesquisas para confirmar a eficácia do procedimento, a prática pode beneficiar pacientes que estão na fila de espera por um órgão no país pois facilitará a realização do transplante no tempo cabível.
“Esse achado abre o potencial para a realização de tratamentos de órgãos no equipamento e sua preservação até o momento mais oportuno para a realização do transplante”, diz.
O especialista destaca que o uso da máquina, independentemente da técnica aplicada, oferece preservação superior para órgãos de doadores e a possibilidade de seu recondicionamento antes do transplante. Ele diz ainda que a MPN permite a realização de tratamentos para a melhoria do órgão e sua preservação antes mesmo de ele ser transplantado.
“Dessa forma, a tecnologia deve ampliar a utilização de órgãos de doadores, consequentemente aumentar o número de transplantes”, detalha Longatto.
“Embora mais estudos sejam necessários para confirmar os achados descritos na publicação desse caso, esses resultados são promissores pois sugerem a segurança e viabilidade da preservação de órgãos de doadores na máquina de perfusão hepática normotérmica extracorpórea por dias”, acrescenta.
Segundo um levantamento da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (Abto), mais de 2 mil transplantes de fígado foram realizados no país somente em 2021.
Apesar da inovação, as autores da pesquisa também alertaram que mais estudos precisam ser performados, com mais pacientes e períodos de observação mais longos.
“Essas observações devem, é claro, ser mais estudadas […], mas este caso inaugural demonstra o potencial de preservação de fígados ex situ por vários dias. Pensamos que este primeiro sucesso de transplante com um órgão preservado por perfusão normotérmica ex situ pode abrir novos horizontes no tratamento de muitas doenças hepáticas”, concluíram.
(Fonte:G1)