Um mineiro e uma paraense. Os dois são amigos, trocam figurinhas, gostam de Gabriel García Márquez (em particular de Cem anos de Solidão), mas a temática poética de cada um é particular. E Airton Souza e Eliane Soares estiveram juntos, mais uma vez, numa homenagem promovida pela coordenação da 1ª Festa Literária de Marabá na noite deste domingo, dia 22, no auditório do Centro de Convenções Carajás.
A votação foi pela Internet e os dois acabaram sendo eleitos para serem os homenageados no evento. Ela foi professora dele na graduação e no mestrado, na Unifesspa. E a plateia presente ao bate papo intermediado por José Rosa era composta, essencialmente, por pessoas do meio acadêmico, que absorveram os desabafos de Airton e a doçura do testemunho de Eliane, mais de sua relação pessoal com a literatura do que de sua atuação como professora da Unifesspa.
Os dois falaram sobre política, educação, suas referências literárias e buscaram incentivar os presentes a se dedicarem mais ainda ao momento prazeroso da leitura. “Eu leio sim, coisas descartáveis, como Marvel, mas têm livros que são para a vida toda”, destacou Eliane.
Leia mais:Airton disse que não escreve preocupado com o público, mas consigo mesmo. Para isso, durante o processo criativo, relê uma poesia cerca de 50 vezes, “porque quero que ela cause impacto primeiro na minha vida”.
Por outro lado, Eliane revelou que a poesia lhe cai repentinamente e ela escreve e não mexe mais em nada. “É pá, bufo”, sintetizou ela, metaforicamente.
Airton Souza agradeceu pela chance de viver esse momento, que ele classificou como histórico para a cidade, ao ser homenageado numa Festa Literária marcante. “Bate um sentimento de gratidão. Primeiro pela confiança de terem colocado meu nome à disposição, das pessoas terem abraçado a ideia e reconhecido um trabalho que vem sendo feito há bastante tempo. É uma felicidade tão grande que eu não dou conta nem de descrever. Ser reconhecido na primeira Festa [Literária] e entrar pra história desse jeito não tem preço”, reconheceu.
O escritor já publicou 37 livros, muitos dos quais premiados em diversos concursos nacionais, e conta que já tem outros 10 que devem ser lançados em breve. “A grande maioria é de livros infanto-juvenis e que também já foram premiados, mas são inéditos. E na minha cabeça há outras coisas ainda. Então, é esperar que eu tenha a oportunidade de continuar produzindo, lendo, que é muito importante”, finalizou.
Eliane Soares, que além de escritora é professora doutora em Linguística na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), também agradeceu pela homenagem. “É de uma felicidade verdadeiramente muito grande porque fazer parte de um momento histórico em que se coloca a cultura, a arte, a literatura como foco, deixa a gente muito feliz de estar sendo citada nesse contexto. Então, pra mim, é uma honra muito grande e me sinto como representante de uma longa tradição da história de Marabá, de produtores culturais, de artistas e escritores. Eu me coloco como representante e a continuidade desses nossos antecessores”, ponderou.
Questionada pela Reportagem do Portal CORREIO de CARAJÁS se o fato de estar na docência em uma universidade de referência como a Unifesspa não aumenta ainda mais responsabilidade sua responsabilidade como poeta, ela disse que sim e disse esperar contribuir para que outros talentos apareçam, que outras pessoas e sonhem, escrevam e publiquem, para trazer à luz os seus trabalhos. “Então, realmente se torna uma responsabilidade que vai muito além da sala de aula”.
Eliane disse que, apesar de escrever muitas coisas, sua produção ainda continua em grande parte no anonimato literário. “Olha, publicadas eu tenho quatro obras. Agora não publicadas muitas e na minha cabeça milhares”, finalizou, sorrindo, como faz a vida toda.
Ao final, os dois receberam um certificado de representantes das secretarias de Cultura de Marabá e do Estado.
Abaixo, leia um poema de Airton Souza e outro de Eliane Soares. (Ulisses Pompeu e Fabiane Barbosa)
CIVITAS
Lá do alto, a cidade
parece não sentir medo
parece não ter maldade:
De noite, vê-se carro e muita luz,
de dia casa, nuvem e garoa
rio, mata e às vezes ponte
mas não se vê gente, pessoa.
Tudo parece certo, lá do alto a cidade,
Não fosse chegando perto
cimento, asfalto e a humanidade.
Eliane Soares
AS MULHERES DO RIO
na rua dois meninos
com línguas de atravessar dilúvios
sulcam alguma calamidade do chão
[ como quem limpam ossos
sem pensar nas dores dos donos ]
na tentativa de desanoitecer a infância
mesmo que esses dois meninos
conduzissem um índico inteiro nos olhos
ainda seriam pequenos para compreenderem
os órfãos que sonham todas as noites
com um inventário dos pais
& os epílogos de chãos sem túmulos
só os órfãos sabem
que não basta internalizar razões ou rostos
lavrar a carne depois da igreja vazia
é preciso redesenhar as tragédias
do mar sem porto ou margens.
Airton Souza