Correio de Carajás

Fenômeno raro causou vendaval que deixou estragos em Marabá

Muitos pontos de Marabá ainda observam os danos causados pela tempestade de quarta-feira, dia 30 de setembro. Especialistas em monitoramento do clima consultados pelo CORREIO estimam que os ventos atingiram velocidade compreendida entre 60 e 80 quilômetros por hora, razão pela qual foram capazes de derrubar árvores de grande porte, placas de publicidade e postes de energia, além de arrebatar telhados e destruir a estrutura de uma igreja evangélica.

Procurado, José Raimundo Abreu de Sousa, coordenador do 2º Distrito do Instituto Nacional de Meteorologia (2º Disme/Inmet), pondera que Marabá recepcionou a corrente de formação de um cumulonimbus em curto período de tempo. As nuvens cumulonimbus são consideradas perigosas pelos especialistas em tempo, visto que estão associadas a eventos meteorológicos dramáticos, como a ocorrência de tempestades com intensa atividade elétrica e chuva volumosa.

“A nuvem atuante formou, em curto período, uma nuvem cumulonimbus, com abrangência horizontal de 50 a 100 quilômetros. Essa nuvem tem correntes de ar ascendentes e descendentes. As correntes descendentes chegam à superfície do solo e podem causar a queda de pedras de gelo junto com as chuvas, mas são chuvas com rajadas de curta duração, com fortes ventos originados sempre de nuvens cumulonimbus”, explica José Raimundo.

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Ainda em conformidade com o especialista, que mostrou conhecer a geografia da cidade, a chuva foi localizada e com distribuição irregular, isto é, do centro da nuvem para a periferia.

“Eu acompanhei a situação de Marabá no Centro de Meteorologia de Belém. A chuva não durou meia hora. Foi um fenômeno atípico. Quero registrar que o município possui duas estações meteorológicas, sendo uma na área do Exército e outra perto do Lions Clube da Cidade Nova, às margens da Rodovia Transamazônica. Esta é a única em funcionamento, desde 1970”, enfatiza o coordenador do Inmet no Pará.

Ao tocar no tema, a Reportagem buscou saber, junto a José Raimundo, a velocidade exata do vento naquela tarde de vendaval, ao que recebeu um prognóstico com base na avaliação dos estragos causados por toda a cidade. Isso porque o anemômetro – equipamento responsável por medir a velocidade do vento – localizado na região do Exército está inoperante.

“Infelizmente, a estação do Exército de Marabá não está coletando os dados da velocidade do vento, mas há outras possibilidades. Uma delas é conferir a medição feita pela Infraero, no aeroporto, e a outra é estimar a velocidade a partir do rastro de destruição deixado pelo município. Eu calculo a velocidade [do vento] entre 60 e 80 km/h”, penhora ele.

Para José Raimundo, o vendaval do último dia de setembro foi só o começo. A conjunção de vários fatores atmosféricos, que favorecem nebulosidade local, é a previsão para os próximos dias em Marabá. “Essas pancadas de chuva com formação de cumulonimbus ainda podem ocorrer. A população deve ficar ciente disso”, alerta o meteorologista.

Onde antes havia o maior templo da Igreja Madureira, restaram escombros

FALTA DE CUIDADO

Também ouvido pelo veículo de comunicação, o professor Abraão Levi dos Santos Mascarenhas, docente da Faculdade de Geografia da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), classificou a intempérie como um evento distinto. Para ele, a falta de cuidado da vegetação por parte das pessoas foi fator decisivo no desfecho de destruição testemunhado pelo município.

“Foi uma situação diferente. A falta de análise da saúde da vegetação foi preponderante nas ocorrências. Acredito que houve a formação de nuvens carregadas de unidades do tipo cumulonimbus, que em contato com a superfície quente costuma desencadear fortes ventos”, analisa Abraão Levi.

Indagado pelo Jornal a respeito do fim da estiagem nesta região, o professor foi categórico em dizer que ainda não aconteceu. Segundo Levi, as chuvas assistidas nos últimos dias estão atreladas de forma direta ao verão no hemisfério sul.

“O período chuvoso tem início em dezembro e pode se estender até abril. Não obstante, a temporalidade das chuvas é um problema em face das grandes áreas desmatadas, que alteram significativamente a quantidade de chuva”, elucida o docente.

Levi pontua que o longo período seco está associado à baixa intervenção da zona de convergência intertropical e a outros fatores meteorológicos. As chuvas na estiagem, nas palavras do mestre, ocorrem pelos sistemas perturbadores chamados linhas de instabilidade, protagonistas na região.

Além disso, as queimadas registradas em julho, agosto e setembro também contribuíram para o contexto climático arranjado em Marabá. O vendaval, claro, foi causado por questões meteorológicas, mas a eliminação de gases que retêm a radiação ultravioleta foi responsável por aumentar o efeito estufa. Por isso a carga d’água foi concentrada.

AMEAÇA SILENCIOSA

O CORREIO também interpelou o chefe do Centro de Análise e Previsão do Tempo do Instituto Nacional de Meteorologia (Capre/Inmet), Francisco de Assis Diniz, que foi solícito ao atender chamada do órgão de imprensa. Ele ratificou a ameaça representada pelas nuvens cumulonimbus, acrescentando que são as mais temidas pelos especialistas.

“Estas nuvens podem se formar isoladamente, em conjunto ou associadas a frentes-frias. Um cumulonimbus, ao atingir o seu desenvolvimento máximo, pode formar uma supercélula que será responsável por eventos ainda mais extremos, como fortes chuvas de granizo, muitos raios e até mesmo condição para tornados”, avisa Francisco.

O desenvolvimento do tipo de nuvem em pauta, para desvendar, ocorre a partir de uma nuvem do tipo cumulus congestus, que se forma a partir de ventos ascendentes ricos em vapor de água. A base da nuvem está relacionada com a quantidade de vapor disponível, ou seja, em regiões tropicais as nuvens são mais baixas se comparadas com regiões áridas.

“Pode não ser necessário um tempo muito longo para a formação da nuvem, o que aconteceu em Marabá. Contudo, assim que ocorre a transição para cumulonimbus e começa a precipitação, ocorre um aumento na velocidade de expansão da nuvem”, esclarece ele.

Os cumulonimbus, ameaçadores, são a fonte primária da ocorrência de raios na atmosfera, isso porque o atrito das gotículas de água com o gelo dentro da nuvem facilita a intensificação da formação das descargas atmosféricas.

REPAROS PELA CIDADE

Por telefone no fechamento desta edição, o secretário municipal de Viação e Obras Públicas, Fábio Cardoso Moreira, informou que até esta sexta-feira (2) a prefeitura seguia desobstruindo ruas e providenciando a instalação de tapumes em muros de prédios públicos abalados pelo forte vento, como o Núcleo de Educação Infantil Augusto Morbach, situado na Folha 20, Núcleo Nova Marabá.

“Ainda temos equipes trabalhando nos estragos do temporal. Nós resolvemos conforme a população informa. As principais ocorrências foram de árvores caídas. No caso dos muros das escolas, colocaremos tapumes provisórios. Isso servirá para garantir a integridade do patrimônio público”, finaliza o secretário.

A Reportagem percebeu, também, o vaivém dos carros da Equatorial Energia, empregados no reparo das fiações elétricas da cidade. Aliadas à concessionária de energia, estavam empresas de internet via fibra óptica para restabelecer a rede para os consumidores. (Da Redação)