📅 Publicado em 17/10/2025 08h13✏️ Atualizado em 17/10/2025 08h41
Em cada miçanga costurada no manto de Nossa Senhora de Nazaré, há rastros da fé de uma mulher que saiu da Bahia e adotou Marabá como lar. Maria do Rosário Oliveira de Carvalho, ou Rosarinha, como gosta de ser chamada, tem 74 anos e carrega uma devoção amadurecida ao longo de 24 anos.
Nascida em Antônio Cardoso, no interior da Bahia, Rosarinha chegou a Marabá em 1977. Foi na terra de Francisco Coelho que ela escolheu construir sua casa, na Folha 17, criar a família e praticar a fé. “Sempre fui católica, sempre, mas antes eu não era aquela católica praticante, sabe? Ia à missa no aniversário, no Dia dos Pais, no Natal, no Ano Novo, no Dia das Mães, desse jeito”, confessa sem pudor.
Mas foi apenas ao sentir a dor da morte do amor de sua vida, seu esposo, há 24 anos, que ela encontrou Deus de forma mais íntima. Com emoção, ela diz que foi chamada a ser católica praticante quando vivenciava o pior momento de sua vida. Agora beata, ela só falta a missa quando viaja e ainda assim tenta dar um jeitinho de participar onde estiver.
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Apesar de morar no núcleo Nova Marabá, foi chamada por Deus para servir na Catedral Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na Marabá Pioneira, comunidade que se tornou sua segunda casa. Lá, entre missas, novenas e terços, Rosarinha encontrou não apenas consolo, mas também propósito. “Quando perdi meu esposo, comecei a frequentar a Catedral. Deus me chamou para lá, e foi lá que firmei minha caminhada”, relembra.
Foi nesse tempo de reencontro que a baiana conheceu e se apaixonou pela devoção a Nossa Senhora de Nazaré. Por muitos anos ela acompanhou a importante caminhada do Círio, mas está incerta sobre a romaria deste ano. “Quero ir este, mas deixo nas mãos de Nossa Senhora, ela é nossa mãe e protetora. Eu sempre choro quando vou à missa de abertura do Círio, aquele momento que ela sai. É bênção, é graça”, divide a devota.
O que acontece é que com a idade avançando, o corpo já não acompanha a fé como antes, apesar do coração continuar disposto: “A vida é de Deus. Assim vamos levando, até o dia que Ele quiser”, reflete com a sabedoria de seus 74 anos.
Questionada sobre promessas feitas à Virgem Maria, ela garante que só participa das procissões para agradecer. “Nunca paguei promessa, não. Sempre acompanhei o Círio só para agradecer a Deus e a ela”. Neste ano, no entanto, o agradecimento ganhou forma concreta e simbólica: sua família foi escolhida para doar o manto de Nossa Senhora de Nazaré.
Uma longa fila de espera
“Antes, quando eu queria doar, já tinha outra pessoa na vez. Mas este ano ela me chamou, e consegui”, conta Rosarinha, com o sorriso de quem vive o maior dos milagres. A doação foi feita com recursos da própria família, economizados ao longo dos anos de espera na fila. A reportagem apurou que o custo do manto é de cerca de R$ 10 mil, ou um pouco mais.
Para arrecadar a quantia, a família não fez campanha: “Era um dinheiro que a gente não precisou juntar, ficamos apenas esperando a hora certa. Quando chegou, estávamos preparados”.
O filho mais velho, Regivaldo Oliveira de Carvalho, confirma que a conquista é coletiva. “Quando descobrimos que iríamos doar, foi algo muito importante para todos nós, para toda a nossa família. Era uma situação que, como minha mãe dizia, a gente pleiteava há vários anos. E, para honra e glória de Deus, e nossa também, como filhos de Maria, tivemos essa alegria”.
Regivaldo reforça o senso coletivo ao afirmar que, embora o manto seja doado pela família, ele não representa apenas eles, mas todos os filhos de Maria. Porque, assim como ela carrega o Menino Jesus nos braços, ele roga para ela também possa carregar os fiéis todos os dias. Rosarinha concorda com o filho e completa com ternura: “É um abraço apertado, Ave Maria”.
Herança de fé
Devoto de Nossa Senhora de Nazaré, Regivaldo viveu o Círio de dentro da organização, pois foi coordenador por dois anos consecutivos: no 38º e 39º. Mesmo assim, diz que o mistério do manto permanece intacto, uma vez que a indumentária só é revelada na missa de sábado, que antecede a procissão.
“Nem o coordenador sabe como será o manto. Eu só vi no dia, lá no palco, quando precisei carregar Nossa Senhora até o bispo. É segredo entre o Francisco (Taveira), que confecciona, e a família doadora”.
A relação com o artesão, segundo ele, é de total confiança. A família repassa os recursos, mas não interfere em nada. Francisco faz tudo. “Nosso papel é custear e nos alegrar com a honra de ter dado o manto. É fruto do nosso suor e da nossa fé, não só financeira, mas espiritual”, reflete o ex-coordenador.
Para ele, cada ano revela uma nova Maria, um novo sol, um novo Cristo, uma nova esperança. Com a Virgem Maria e sob seu manto, cada dia traz algo novo e o desejo é que os romeiros também possam ser homens e mulheres novos, assim como o novo manto, recebido a cada ano.
O Círio como reencontro e comunhão
O que também não pode faltar na casa de Rosarinha é o almoço do Círio, uma verdadeira é tradição. Um ritual de fé e convivência que atravessou o tempo e se resignou às ausências. “Quando meu esposo era vivo, vinha muita gente. Depois que ele se foi, ficou mais em família, com alguns amigos”, conta.
A refeição é simples e simbólica: pato no tucupi, ou, quando não há, frango no tucupi. Após a caminhada, amigos e família se reúnem para partilhar a mesa. Para Rosarinha, é um momento de gratidão e muita fé.
E como boa devota de Maria, ela mantém uma rotina espiritual intensa com o Santo Terço. “Todos os dias, às 3h e às 6h, rezo o terço. Acompanho a Canção Nova. Sou devota de Maria no terço, sim”.
Esses são fragmentos da rotina de uma família que vivencia sua fé por inteiro. Com voz embargada, Regivaldo tenta traduzir o sentimento da família diante da chegada do grande dia do Círio de Marabá. Mas dessa vez, a expectativa pela revelação do manto é ainda maior.
“Estamos ansiosos para ver o manto! Tanto quanto esperamos um dia ver Maria, esperamos por esse momento. Esse manto traz esperança e confiança de que o amanhã será melhor, o manto estará lindo”.
Ele se emociona ao lembrar do instante em que o hino Lírio Mimoso ecoa pelas ruas. “É o canto do choro, o canto da esperança, o choro da alegria. É o choro de sentir que Maria está presente em nossas vidas. O Lírio Mimoso é Deus em nossas vidas. É Maria que faz o sol brilhar e o amor fluir”, finaliza.