Sete trabalhadores foram resgatados em condições análogas às de escravo em duas fazendas localizadas em Itupiranga, no sudeste paraense. A ação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), integrado pelo Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá (MPT), Auditoria Fiscal do Trabalho, Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Federal (PF), resultou na prisão em flagrante do proprietário das terras, que também responderá por crime ambiental.
A operação ocorreu entre os dias 12 e 22 deste mês e foi coordenada pela Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e Previdência.
Durante a fiscalização nas fazendas, a equipe encontrou diversas irregularidades, as mais graves foram em relação às péssimas condições de trabalho e moradia. Em uma delas, cuja atividade era criação de gado leiteiro, dois trabalhadores dormiam no curral. Neste barracão, localizado há cerca de 100 metros da casa do empregador, havia quatro cômodos nas laterais, com chão de terra batida e paredes de madeira e alvenaria: o primeiro abrigava os porcos, o segundo uma espécie de cozinha improvisada onde também dormia um trabalhador, ao lado um outro compartimento com uma rede para outro empregado e, o último, era um galinheiro. Nos fundos dos compartimentos havia um chiqueiro e muito lixo.
Leia mais:Os empregados eram obrigados a conviver com o forte odor de fezes dos bichos e sob altas temperaturas, já que a estrutura tinha teto baixo feito com telhas de fibrocimento e sem ventilação. Os trabalhadores passaram a dormir no local no início deste ano, e um deles, poucos meses depois, passou a apresentar problemas de pele na região do abdômen.
Um dos trabalhadores relatou que já presenciou ratos no ambiente, por falta de estrutura adequada para armazenamento dos alimentos, e que não consumiam a água do local, que vinha de um poço, pois era “capa rosa”, quando há a presença de uma espécie de ferrugem. Para não ficar com sede, ele sempre pegava água na casa da sua mãe, localizada a cerca de 2,5 km da fazenda, e trazia para o consumo no alojamento.
Segundo a procuradora do Trabalho Silvia Silva da Silva, integrante do núcleo especializado de combate ao trabalho escravo do MPT PA-AP, “submeter trabalhador a condição análoga à de escravo é uma grave violação de direitos humanos, pois não são respeitados preceitos mínimos da relação de trabalho, aviltando o trabalhador em sua dignidade de pessoa humana”.
Outras irregularidades – A segunda fazenda, do mesmo proprietário, localizada na zona rural do município, era voltada para a criação de gado de corte. Nela os fiscais encontraram mais cinco trabalhadores em situação degradante de trabalho e vida, sendo um encarregado e mais quatro que atuavam no roço de juquira, vegetação que nasce em áreas de pasto. No local, a equipe constatou as péssimas condições de higiene das estalagens. A primeira, na sede da propriedade, era de madeira, com chão de terra batida e frestas entre as tábuas, permitindo o ingresso de animais peçonhentos.
Os trabalhadores dormiam em redes adquiridas com seu próprio dinheiro e dividiam espaço com madeiras beneficiadas e materiais para aplicação de agrotóxicos. A água consumida era proveniente de um poço, sem garantia de potabilidade, e as necessidades fisiológicas eram feitas em um barraco improvisado com um buraco no chão. A cozinha era aberta, com fogão a lenha e não havia local adequado para guardar os alimentos. Eles ficavam espalhados em uma mesa ou em caixotes de madeira.
Em um outro barraco, localizado na mata, próximo à frente de trabalho (área de roço), as condições também eram degradantes. A água utilizada para consumo e preparo das refeições vinha de uma cacimba, de coloração turva, sem nenhuma comprovação de potabilidade. Já a utilizada para banho, lavagem de roupa e louça, era de um córrego que passava por trás do alojamento. Esse barraco, também de madeira e chão de terra batida, tinha telhas de fibrocimento e áreas externas cobertas com palha e lona, onde dormiam três dos cinco trabalhadores que estavam no local.
Os alimentos ficavam guardados em sacos plásticos ou espalhados pelo local, sem qualquer higiene, e não havia recipiente para resfriamento. Os trabalhadores tinham que “salgar” as carnes para poder conservá-las por mais tempo, e ficavam expostas no ambiente sujeitas à contaminação. Não havia banheiro ou qualquer estrutura improvisada. As necessidades fisiológicas eram feitas diretamente no mato.
Durante o deslocamento entre os barracos, ainda dentro da propriedade, os fiscais encontraram três dos trabalhadores na área fazendo o roço de juquira, prática utilizada para posterior queimada da floresta nativa. Também foi possível observar uma grande área já desmatada por esse método e outras ainda em processo de queima. Entre as espécies de árvores, protegidas por lei, atingidas pelo fogo estava a castanheira. Também foram encontradas madeira serrada, uma motosserra e correntes para utilização no equipamento, caracterizando o crime ambiental. Em razão da submissão de trabalhadores a condições análogas à de escravo, bem como crime ambiental, o empregador foi conduzido à delegacia e preso em flagrante.
Irregularidades trabalhistas – A equipe de fiscalização constatou que os trabalhadores resgatados não tinham Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada ou qualquer outro benefício garantido. Entre eles estava um senhor de 56 anos, que já trabalhava na fazenda há 15 anos. Ele relatou que durante todo esse tempo nunca foi registrado ou teve qualquer tipo de direito previsto em lei, como férias ou 13º salário. Já trabalhou como matador de gado e nos últimos 10 anos atuou como vaqueiro, cuidando dos animais no pasto, fazendo a ordenha de vacas e distribuindo o leite que era vendido para comerciantes do município.
O empregador também não fornecia Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para a realização das atividades laborais. Os trabalhadores encontrados foram retirados imediatamente do local e encaminhados para residências de familiares no município, e o que morava no Maranhão foi hospedado em hotel, em Marabá, até a regularização da situação trabalhista, sob responsabilidade financeira do empregador.
Após a constatação das violações, durante audiência, o empregador assinou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o MPT e a DPU, comprometendo-se a regularizar a situação dos funcionários e a fornecer condições de trabalho e moradia dignas, de acordo com os preceitos legais. Na oportunidade, efetuou o pagamento integral de verbas rescisórias dos trabalhadores resgatados, bem como pagou indenização por dano moral individual para cada um deles.
O fazendeiro também se comprometeu a efetuar o pagamento dos danos morais coletivos. O montante será revertido para instituições sem fins lucrativos e projetos a serem indicados pelo MPT. Em caso de descumprimento, o empregador fica sujeito à cobrança de multas cujos valores são reversíveis ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). (Fonte: MPT)