Se para os atingidos pela enchente deixar o lar para trás já é difícil, chegar aos abrigos erguidos pela Prefeitura de Marabá pode ser considerado um verdadeiro pesadelo. Na tarde desta quinta-feira (23), uma equipe do Correio de Carajás visitou duas das estruturas montadas no Núcleo Cidade Nova. O cenário visto em ambos os locais chocou os repórteres pelas péssimas condições em que estão alojadas dezenas de famílias em decorrência do crescente volume de chuvas que assola Marabá desde a quarta-feira da semana passada, dia 15.
Junto com os dois filhos e o sobrinho, Maria José Salazar, 41 anos, ocupa um barraco no abrigo localizado no final da Avenida Manaus, Bairro Novo Horizonte, desde a última segunda-feira (20). “Nós saímos das nossas casas, colocamos nossas coisas embaixo de um pé de manga e foi luta pra eles irem buscar nossas coisas. Molhou quase tudo lá”, desabafa, acrescentando que não bastasse ter poucos bens materiais, eles ainda se perderam e agora ela não tem nem mesmo um colchão para dormir.
Durante a entrevista, ela aponta para o local onde os “meninos”, como se refere às crianças, estão passando as noites: um colchão em estado deplorável. “Dorme um monte de menino ali, porque o outro molhou e não tem como dormir nele molhado. Tem sete meninos e dorme tudo aí”, detalha.
Leia mais:As imagens registradas pela reportagem são chocantes e capazes de verter lágrimas dos olhos de quem as vê. Uma foto mostra a cama onde as crianças dormem, em péssimas condições, e têm seus sonhos embalados pelo fedor que sobe da lama onde o móvel foi colocado. Um fino tablado de compensado foi erguido ao lado e, sobre ele, várias cascas de coco estão espalhadas, jogadas ali após a fruta ter sido descascada para alimentar os ocupantes do barraco. Do outro lado da cama, o melhor amigo do homem, um cachorro caramelo, descansa também sobre a lama. Em cima do colchão é possível ver uma abóbora e alguns lençóis brancos jogados, provavelmente responsáveis por cobrir as crianças durante a noite.
Sem comida e com pouca água, o cenário vivido pelas pessoas que ocupam o abrigo é desumano. Durante a conversa com a reportagem, um homem chega a comentar que “do lado de dentro está pior que do lado de fora”, ao se referir às condições físicas da casa provisória.
A realidade de Maria José é a mesma vivida por centenas de marabaenses diretamente impactados pela situação de calamidade que atingiu Marabá nos últimos oito dias. É o caso de outra, Maria, a de Fátima Nascimento Araújo, de 62 anos, mais conhecida como “Meuri”. Junto com os sete netos, ela está no abrigo há seis dias. Embora sua situação não seja melhor que a dos outros ocupantes do local, a idosa dividiu com os companheiros duas cestas básicas que lhe foram doadas. “Para tudinho eu dei um pouquinho. Um óleo eu dei para três pessoas, o açúcar, o sal, o feijão e graças a Deus todos receberam bem”.
Mas não foi só o alimento que Meuri doou. Ela conta que a filha, que tem um bebê, está no aguardo de um novo barraco, pois o que ela tinha foi doado para outra senhora. “Ela foi a primeira alagada porque ela mora bem na beirada, ela tinha alugado um cômodo pra ela e agora venceu, não tem dinheiro para estar pagando, porque ela faz diária. Aí eu falei ‘não, deixa que eu vou te botar pra lá’ (sic)”, explica.
Ela descreve a situação como horrível e conta que até agora os atingidos não ganharam nada. Diz, ainda, que a construção dos abrigos está pela metade. “Como eles deixaram uns compensados, falaram para a gente tirar todas as coisas de dentro que eles iam assoalhar. Mas como eles nos abandonaram, aí nós pegamos o compensado que eles largaram ali e colocamos (nos barracos), porque os meus netos dormem no chão”.
Meuri descreve que cozinhou meio pacote de arroz na quarta-feira (22) e com isso alimentou dez pessoas. “Foi só arroz, que eu não tinha outra coisa para comer. Eu sou feliz, só não sou mais porque a morada nossa é assim e ainda tem gente que passa, debocha e fala assim ‘vocês não sabem que molha, por que ficam lá?’. Mas a gente fica lá porque a situação não dá, se tivéssemos condições não vivíamos lá”, reflete.
NO BAIRRO INDEPENDÊNCIA
Já no Bairro Independência foi montado um alojamento onde estão vivendo 41 famílias, em torno de 150 pessoas, de acordo com informações de Lorivaldo dos Santos Oliveira, o “irmão Lourival”. Para acomodar todos os flagelados, 30 barracos foram construídos.
Dentre as famílias abrigadas, desde segunda-feira está a de Maria da Conceição Pereira da Silva, 48 anos, moradora da Gleba Sororó. Ela relata que as pessoas foram colocadas no terreno pelo “irmão” e que todos estão amontados na construção que tem ali. Questionada se alguém da Defesa Civil já visitou o lugar, ela afirma que não, apenas as equipes da Secretaria de Viação e Obras Públicas (Sevop).
“A situação aqui tá precária. A gente está sem nada, não tem água nem para banhar. A água que eu aparei aqui foi a da chuva pra banhar menino, pra lavar vasilha (sic)”, desabafa a flagelada. Sobre a previsão para que ela saia da construção e vá para o abrigo, onde acredita ser melhor a situação, ela diz ter sido informada de a mudança seria feita ainda nesta quinta. “Eu acho que tem quase umas 100 famílias, porque é toda hora chegando mudança. Tudo amontoado”, avalia. (Luciana Araújo)