Um exame de sangue, testado por pesquisadores brasileiros, foi capaz de diagnosticar Alzheimer com mais de 90% de precisão — um valor acima do teste considerado “padrão ouro” para detecção da doença, o exame de líquor. Para os pesquisadores, a descoberta, descrita em pesquisa publicada no início do mês, pode facilitar o diagnóstico precoce da doença e facilitar o tratamento.
Em duas pesquisas recém-publicadas, a proteína p-tau217 se mostrou o principal marcador sanguíneo para distinguir pessoas saudáveis daquelas com a doença.
A primeira pesquisa, publicada na revista Molecular Psychiatry, avaliou biomarcadores em sangue e líquor por meio de exames realizados em 59 pacientes que estavam sendo atendidos em clínicas de memória em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O estudo foi liderado por Willyans Borelli e Eduardo Zimmer, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com apoio do Instituto Serrapilheira.
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Entre os participantes do estudo, havia pessoas com diagnóstico de Alzheimer, demência vascular e indivíduos sem demência. Todos passaram por uma avaliação cognitiva, tiveram sangue e líquor coletados para análise e realizaram um exame de ressonância magnética.
Os resultados do estudo apontaram a proteína p-tau217 como o principal biomarcador em exames de sangue.
“Ainda não compreendemos completamente a origem dessa proteína ao nível cerebral, mas sabemos que ela se eleva em casos de pacientes que têm acúmulo anormal de placas amiloides e de proteína tau fosforilada no cérebro, o que é característico da doença de Alzheimer”, explica Borelli à CNN.
Segundo o pesquisador, a presença deste biomarcador no sangue se mostra mais precisa para identificar o Alzheimer devido à sua estabilidade nas coletas de sangue, com pouca variação de seus níveis sanguíneos. “Isso significa que ela vai dar, ‘mais ou menos’, sempre o mesmo valor, independente da temperatura e hora do dia em que coletamos [o sangue]”, afirma.
Um outro estudo, uma revisão internacional publicada em setembro no periódico Lancet Neurology, reforça os resultados da pesquisa brasileira. O trabalho analisou mais de 110 estudos sobre o tema com cerca de 30 mil pessoas, confirmando que o p-tau217 no sangue é o biomarcador mais promissor para identificar o Alzheimer.
Assinado por 23 pesquisadores, incluindo oito brasileiros, o estudo conta com Eduardo Zimmer e Wagner Brum, aluno de doutorado e membro do grupo de pesquisa de Zimmer na UFRGS, como coautores.
Para os pesquisadores, além de facilitar o diagnóstico precoce de Alzheimer, as descobertas podem trazer novas perspectivas sobre a forma como a doença é tratada.
“Sem dúvida, isso trará um avanço muito grande no tratamento. Um grande desafio para o diagnóstico hoje é a identificação da proteína amiloide no cérebro de quem tem casos precoces de Alzheimer, quando o tratamento é mais efetivo”, afirma Borelli.
“Sabemos que, quanto antes identificarmos a proteína em quem apresenta esquecimento, maior nossa ‘janela terapêutica’ para evitar progressão e para avançar na descoberta de tratamentos. Isso acontece porque o neurônio, diferente de outras células, quando morre, não é recuperável. Então, tentamos fazer de tudo para evitar a morte neuronal”, completa.
Resultados ajudam a aproximar oferta de exames de sangue para Alzheimer no SUS
Para Zimmer, os resultados do estudo abrem caminho para que exames de ponta em neurociência cheguem ao Sistema Único de Saúde (SUS), democratizando o acesso ao diagnóstico precoce.
Atualmente, o pesquisador e sua equipe coordenam a Iniciativa Brasileira de Biomarcadores para Doenças Neurodegenerativas (IB-BioNeuro), que busca implementar exames de sangue específicos para demências como política pública no SUS.
O diagnóstico por exame de sangue já é uma realidade na rede privada. Testes realizados no exterior, como o americano PrecivityAD2, são oferecidos no Brasil a um custo que pode chegar a R$ 3,6 mil. Embora apresentem alta precisão, seu preço elevado reforça a importância de desenvolver uma alternativa nacional e gratuita.
“[O exame de sangue para diagnosticar Alzheimer] É muito viável. O custo ainda não é baixo como um exame de hemograma — mas não há dúvidas de que o valor vai baixar progressivamente com o uso. Diferentemente dos exames padrão-ouro, o exame de sangue é escalável — pode ser realizado em qualquer lugar do país”, afirma Borelli.
(Fonte: CNN Brasil/Gabriela Maraccini)