Ayda Zugay não é uma pessoa que normalmente gosta de guardar coisas. As paredes de sua casa em Boston estão vazias. Ela mantém uma pequena bolsa cheia de itens essenciais para o caso de precisar sair rapidamente.
Mas, por mais de duas décadas, guardou um envelope que ela espera que a ajude a desvendar um mistério.
Zugay explica que tinha quase 12 anos quando se tornou uma refugiada e fugiu da ex-Iugoslávia com sua irmã mais velha, quando uma estranha lhes entregou um envelope no voo que seguia para os Estados Unidos, em 1999. A mulher as fez prometer não abrí-lo até que desembarcassem do avião.
Leia mais:Mais tarde, as meninas ficaram chocadas ao descobrir um par de brincos e uma nota de US$ 100 dentro do envelope.
Uma mensagem rabiscada do lado de fora do envelope foi assinada apenas com o primeiro nome – Tracy. E Zugay diz que está tentando encontrá-la por quase uma década.
Ela quer que Tracy saiba o quanto esse presente significou. Ela imagina que para Tracy, ou para outras pessoas que ouvem a história, o envelope pode parecer um pequeno gesto.
Mas Zugay diz que para ela e a irmã, que tinha 17 anos na época, foi muito mais do que um ato momentâneo de generosidade.
Esse dinheiro, diz ela, ajudou a alimentá-las por um verão inteiro, enquanto as duas meninas se esforçavam vivendo com o irmão, que era um estudante universitário em Iowa. E ainda está moldando a maneira como as duas irmãs vivem suas vidas 23 anos depois.
Zugay olhou para o envelope em busca de dicas, perseguiu as pistas, lidou com dúvidas e chegou a becos sem saída. Ela entrou em contato com hotéis, companhias aéreas e empresas de turismo. Ela conversou com repórteres e postou sobre isso no Reddit.
Mas até agora, ela diz que não encontrou Tracy. Então ela está tentando lançar uma rede mais ampla.
Várias organizações de defesa de refugiados postaram um vídeo de Zugay compartilhando sua história no Twitter esta semana e estão pedindo ao público que entre em contato com qualquer pista.
“Quero poder encontrar Tracy para agradecê-la por sua generosidade, por sua gentileza, por sua empatia e por acolher a minha irmã e eu”, diz Zugay, olhando para a câmera enquanto uma música toca ao fundo. “Eu queria saber se você poderia me ajudar a encontrá-la. Você já ouviu um membro da família, um amigo ou alguém compartilhar uma história semelhante a esta?”.
Essa é uma história que Zugay contou muitas vezes. Mas ela ainda não sabe como isso termina.
As pistas que iniciaram sua busca
A mensagem que Tracy escreveu do lado de fora do envelope está em letra cursiva “para as garotas da Iugoslávia”.
“Lamento muito que o bombardeio de seu país tenha causado problemas à sua família. Espero que sua estadia na América seja segura e feliz para vocês – Bem-vindas à América – por favor, use isso para ajudá-las aqui. A amiga do avião – TRACY”.
O bilhete parece estar rabiscado em um envelope de hotel – possivelmente de algum lugar em que ela estava hospedada. No canto superior esquerdo, está impresso em azul “Holiday Inn Garden Court”.
O envelope em si não é a única pista que Zugay tem. Ela diz que também conhece alguns outros detalhes do voo – alguns de suas próprias lembranças e alguns detalhes que sua irmã compartilhou.
A Tracy que lhes deu o envelope estava viajando com uma amiga, diz Zugay, e ela acha que o nome dessa amiga também era Tracy.
Para Zugay, elas pareciam ter idades entre o final dos 30 ou início dos 40 anos. Uma era uma morena e tinha o cabelo preso em rabo de cavalo. A outra tinha cabelos loiros e de comprimento médio. Ambas as mulheres carregavam raquetes de tênis que colocaram no compartimento superior do avião. Elas falavam sobre jogar tênis em Paris. E Zugay acha que elas poderiam morar em Minnesota, possivelmente a poucas horas do Aeroporto Internacional de Minneapolis-Saint Paul.
Ela se lembra de ajudar as mulheres com tricô. Zugay não falava inglês na época, mas sua irmã mais velha conseguiu conversar mais.
Em seu vídeo recente, é assim que Zugay descreve quem ela imagina que Tracy seja com base nas pistas que ela tem:
“Tracy, neste momento, seria uma mulher de meia idade ou mais velha que é incrível no tênis e já tinha viajado para isso no passado. Ela teria vindo de Paris, onde ficou em um Holiday Inn e onde jogou tênis, para Amsterdã, onde nos encontramos naquele voo. Ela voou de Amsterdã para Minnesota, e isso aconteceu em 31 de maio de 1999”.
Por que a mensagem significa ainda mais para ela agora
Zugay ainda se lembra de como se sentiu na primeira vez que leu a mensagem no envelope. Ela notou que a palavra “segura” estava sublinhada.
“Foi a primeira vez que senti, tipo, alívio. Este é um lugar seguro, e podemos construir um futuro aqui”, diz ela. “Acho que é por isso que a carta realmente ressoou em mim naquela época, porque passamos de um horror drástico para esse belo ato de bondade”.
Sua irmã, Vanja Contino, não se lembra de muitos detalhes do voo em si. Mas ela diz que se lembra do momento em que abriram o envelope e encontraram os US$ 100 dentro.
“Nós duas apenas olhamos uma para a outra, eu e minha irmã, e apenas nos abraçamos”, diz ela. “Porque era tudo o que tínhamos […] E foi incrível que alguém estivesse disposto a gastar tanto dinheiro conosco”.
Zugay diz que o presente foi surpreendente em seus primeiros dias na América, mas só se tornou mais com o passar do tempo.
“Na parte externa do envelope havia uma incrível mensagem de boas-vindas”, diz Zugay em seu vídeo recente. “Eu valorizo isso porque, com o passar do tempo, experimentei que na maioria dos espaços, boas-vindas como essa são muito incomuns”.
Ela nunca esquecerá esse ato de generosidade. Mas ela também tem muitas outras memórias – histórias que são dolorosas para ela contar, sobre como foi recomeçar sua vida nos Estados Unidos.
Como a mulher que uma vez se recusou a aceitar as moedas que ela e sua irmã tentaram usar para pagar algo em uma loja, dizendo a elas que não pertenciam aquele lugar.
Como as pessoas que lhe disseram que ela deveria se autodeportar depois que Mitt Romney usou o termo durante um debate em 2012.
Ou como aqueles que ela ouviu fazendo julgamentos injustos sobre se certos imigrantes merecem estar na América.
Experiências como essas foram tão marcantes, diz Zugay, que durante anos ela não gostou de falar sobre ser refugiada. Ela fez aulas de redução de sotaque e fez tudo o que podia para se misturar.
“Eu apenas tentei apagar toda a minha identidade para me sentir aceita”, diz ela, “apenas para perceber que isso nunca iria acontecer”.
Para Zugay, o bilhete de Tracy é um “diamante no escuro” – e essa é uma grande razão pela qual ela o guardou e continua procurando pela mulher que o escreveu.
Ela reinicia a busca todos os anos quando o Memorial Day se aproxima
Zugay diz que reinicia sua busca por Tracy todos os anos próxima a data do Memorial Day, o aniversário de quando ela e sua irmã chegaram aos Estados Unidos. O Dia de Ação de Graças é outro momento em que ela frequentemente começa a procurar pistas novamente. A celebração anual da gratidão, diz ela, a faz refletir sobre como aquele momento de bondade moldou sua vida.
“Eu tenho tentado fazer isso todo Memorial Day e todo Dia de Ação de Graças, tentando pesquisar, procurar online, alcançar pessoas diferentes e tentar estratégias diferentes”, diz Zugay.
A cada tentativa vem uma mistura de emoções.
“Definitivamente, é difícil voltar no tempo e viver essas experiências de novo”, diz ela.
Às vezes, ela deseja ser mais como sua irmã, focada em prosperar no presente, em vez de viver no passado.
Mas há algo sobre Tracy que ela não consegue abrir mão. Ela diz que a procurou tantas vezes e de tantas maneiras.
Quando começou as buscas, ela não conseguia encontrar o envelope e temia que ele estivesse perdido para sempre. Então, ela confiou em detalhes vagos de sua memória para começar a procurar.
Ela se lembrou das raquetes de tênis no compartimento superior, então ela buscou informações nas associações de tênis. Ela diz que tentou entrar em contato com a American Airlines também, com base em sua memória de um logotipo no avião. Mas não teve sorte.
O envelope apareceu alguns anos depois, dando-lhe mais detalhes para investigar. Lá dentro, ela encontrou um itinerário manuscrito que ela acha que seu pai havia dado a elas antes de saírem de casa. Ele especificou uma companhia aérea e um número de voo diferentes – KL 655.
Ela tentou entrar em contato com a companhia aérea KLM, mas chegou a outro beco sem saída.
“Tentamos obter algumas informações sobre este caso, mas infelizmente a KLM não mantém nenhum dado de voo antigo, então foi impossível encontrar algo internamente”, disse a porta-voz da KLM, Ilse Heemskerk, em um e-mail à CNN.
A companhia aérea compartilhou a história em seu blog há alguns anos, e algumas pessoas postaram alguns comentários. Vários observaram que é bastante provável que os clientes americanos no avião estivessem voando com a KLM em um voo codeshare [acordo no qual duas ou mais empresas aéreas compartilham o mesmo voo] com a Northwest Airlines. “Minneapolis era o hub da NW [Northwest Airlines]”, comentou uma pessoa. “Poderia estar voando para qualquer lugar no meio-oeste ou oeste dos EUA”.
Zugay diz que ainda se pergunta se foi mesmo um voo da KLM, afinal.
(Fonte: CNN Brasil)