Eu queria ser amiga da Raquel… ouvi essa frase de uma adolescente de 14 anos, minha dileta sobrinha Thayla, em fevereiro de 2022. Desde então se hospedou em meu coração a vontade de falar com alguém sobre isso. O contexto passo a explicar.
Raquel, personagem do livro A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga, é uma adolescente de 14 anos que tem 3 vontades escondidas dentro de uma bolsa (amarela): ser garoto; crescer logo e ser uma escritora. A menina da ficção queria crescer logo para se livrar das piadas feitas pelos irmãos e sobretudo, queria ter voz para ser ouvida pelos adultos; queria ser garoto porque considerava que os meninos têm mais espaço, pois, segundo Raquel, eles costumam ser os líderes das brincadeiras e os chefes de família, quando adultos. Creio que essa breve apresentação da personagem é suficiente para justificar o que fez com que a nossa juvenil leitora se conectasse com a personagem de tal modo que ao ser indagada a respeito da leitura respondeu com os olhos brilhantes: Eu queria ser amiga da Raquel! Foi a resposta mais apaixonada que já ouvi de uma leitora. Foi a forma mais autêntica de dizer: eu amei essa história!
O nome do que Thayla sentiu e expressou é EMPATIA. A palavra empatia vem do grego “empatheia”, derivada de “pathos”, que é a capacidade de compreender os sentimentos e pensamentos do outro, compartilhando e vivendo suas dores e amarguras. Explicada a origem e significado da palavra empatia, digo da importância da leitura literária, leitura de ficção (romances, contos, crônicas), como ferramenta que contribui, favorece o desenvolvimento da empatia.
Leia mais:Fica subentendido no desejo expressado pela leitora de A Bolsa Amarela que ela foi capaz de entender os sentimentos da personagem, mais que isso, em algum momento, durante a leitura, ela se colocou no lugar daquela adolescente imaginativa que vivia os conflitos típicos daquela fase da vida, como querer ser popular na escola, se achar feia e ainda constantemente achar que está “sobrando” na família por ser a filha mais nova. A filha que nasceu sem planejamento, quando os pais já não mais pensavam em ter filhos. A reação empática pode ter ocorrido porque Thayla queria ajudar Raquel a resolver seus dilemas ou simplesmente porque reconheceu nela os atributos que julga que uma boa amiga deve ter. A jovem leitora refletiu sobre sua vida a partir da perspectiva de Raquel.
Saindo de um encantamento real, vou para João, um menino de 11 anos, narrador-personagem do romance O beijo na Parede, de Jeferson Tenório, do qual cito o seguinte trecho: “Quando eu ficava muito triste, eu pegava o livro que havia encontrado quando morava na Lapa. Segurava-o com força. Depois abriu uma página e fingia ler uma história (…).” É tão comovente ver como João, em seus momentos tristes, se refugia na “leitura”. Ele tem no objeto livro o seu conforto, segurando-o com força (como uma tábua de salvação). Eu consigo imaginar João segurando aquele livro contra o peito e fazendo dele seu abrigo e ao abri-lo imaginar uma história, pois aquele menino ainda nem sabia ler, não decodificava as palavras. O livro que ajuda aquele sofrido garoto que vive muitos abandonos e injustiças, pois órfão de mãe e com o pai desempregado e alcoólatra, é Dom Quixote, de Miguel de Cervantes.
Diante deste cenário pergunto: o que a leitora real e o personagem têm em comum? A imaginação e a criatividade incentivadas a partir do livro. Tanto a nossa leitora como o pequeno leitor ficcional se percebem enredados pela história contada. Após João ser alfabetizado, lendo formalmente, passa a se incluir na história do fidalgo Dom Quixote e chamar o fiel escudeiro daquele de João Pança, fazendo um trocadilho com seu próprio nome. Aquele menino imaginativo começa a viver as aventuras do personagem Sancho Pança e assim, de alguma forma, tem seu sofrimento amenizado, talvez anestesiado pela leveza da aventura lida e imaginada.
Encerro indicando a leitura de A Bolsa Amarela, clássico da literatura infanto-juvenil, da escritora brasileira Lygia Bojunga e O beijo na Parede, do premiado escritor Jeferson Tenório. São duas leituras leves, lúdicas, com muitas metáforas capazes de nos fazer sorrir (com Raquel) e chorar (com João). Incentivar crianças e adolescentes a ler é possibilitar uma vida adulta de sucesso, pois a leitura promove a inteligência, criatividade e empatia! A dica não é somente para os filhos, sobrinhos, netos, é para todos, todas as idades e fases da vida!
P.s.: outro dia perguntei: Thayla (atualmente com 17 anos), você ainda quer ser amiga da Raquel? E ela prontamente respondeu: SUPER! SUPER QUERO!
* A autora é graduada em Letras pela Universidade Federal do Pará (UFPA); bacharela em Direito pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) e leitora voraz, por amor e vocação.
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.