Correio de Carajás

Estudo sugere novo rosto para Luzia e desmonta teoria da migração

Um estudo realizado a partir de DNA fóssil com amostras dos esqueletos mais antigos já encontrados nas Américas confirmou a existência de um único grupo ancestral que deu origem a todas as etnias no continente. O resultado é importante porque altera a visão dos cientistas sobre diversos aspectos, inclusive de como seria o rosto de Luzia, o fóssil humano mais antigo encontrado no continente.

Antes do novo estudo, acreditava-se que o povoamento das Américas teria se dado por duas levas migratórias vindas do nordeste da Ásia. Isso teria dividido a população da época em uma com traços africanos e australianos e outra — os ameríndios — com fisionomia semelhante aos indígenas atuais.

O novo estudo, publicado na revista Cell, foi desenvolvido por 72 pesquisadores de oito países. Eles encontraram dados arqueológicos que mostram que todas as populações americanas, na verdade, descendem de um único povo que chegou ao continente pelo estreito de Bering, há cerca de 20 mil anos. Resquícios dessa mesma sociedade foram encontrados na Sibéria e no norte da China.

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André Menezes Strauss, do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, que coordenou a parte brasileira do estudo, explica que o novo estudo contou com técnicas de arqueogenética que antes eram inacessíveis para o arqueólogos.

“Ela abre um mundo de possibilidades analíticas, não só de relações de ancestralidade, miscigenação, determinação de sexo, estabelecer relações de parentesco, investigar o fenótipo, investigar doenças, investigar o metagenoma, é uma infinidade de tipos de estudo e informações que a gente passa a poder tirar”, disse Strauss.

Com as novas pesquisas, Luzia, na verdade, seria muito diferente do que achávamos. Sem seus traços africanos, a jovem de Lagoa Santa (MG) de 12.500 foi redesenhada por Caroline Wilkinson, da Liverpool John Moores University, na Inglaterra, especialista em reconstrução forense e discípula de Neave.

Os dados genéticos mostram que o povo da mulher tem forte conexão com a cultura Clóvis, uma linhagem de humanos que fez o trajeto norte-sul há cerca de 16 mil anos. Até o momento, os arqueólogos não tinham conhecimento de que esse grupo teria chegado até a região de Minas Gerais. O que se sabe sobre eles é que, por algum motivo ainda desconhecido, essa população não teria perdurado por muito tempo.

CRÂNIO DE LUZIA (FOTO: WIKIMEDIA COMMONS)

“A partir de cerca de 9 mil anos atrás ela desaparece, sendo substituída pelos ancestrais diretos dos grupos indígenas que habitavam o Brasil durante o período colonial”, indica o estudo sobre esse povo.

O primeiro rosto de Luzia foi feito na década de 1990 pelo especialista britânico Richard Neave, tendo como base a teoria do professor Walter Neves, da USP. Segundo ela, o povo ao qual a mulher pertencia teria chegado à América antes dos ancestrais dos indígenas atuais.

O crânio de Luzia foi encontrado entre os destroços do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, que teve 90% de seu acervo destruído depois de ser atingido por um incêndio no início de setembro. Ele foi encontrado fragmentado um mês e meio depois da tragédia. Strauss informou que deve ser extraído DNA dos fragmentos do crânio de Luzia, recuperados do incêndio, a partir da liberação do material pela curadoria do Museu Nacional.

“É natural que se estenda o que foi observado para os 12 esqueletos analisados agora, o que é bastante. Praticamente todos eles apontam na mesma direção, a gente assume que a Luzia também seja. Claro, não tem como ter certeza sem analisar o fóssil”, explicou Strauss. Segundo ele, apesar do crânio ter sido exposto à altas temperaturas – o que poderia modificar o seu DNA – o material está sendo analisado para confirmar a teoria do novo estudo.

Diferenças migratórias

Segundo os cientistas, os descendentes da corrente migratória ancestral se diversificaram em duas linhagens há cerca de 16 mil anos. Uma delas foi a responsável por povoar a América do Sul em três levas distintas. A primeira leva ocorreu entre 15 mil e 11 mil anos atrás, e a segunda se deu há, no máximo, 9 mil anos. O estudo aponta a presença de DNA fóssil das duas migrações em todo o continente sul-americano. A terceira leva é mais recente – cerca de 4,2 mil anos – e se fixou de forma concentrada nos Andes centrais.

Strauss acredita que, ao contrário do que Neves defendia, as diferenças entre os povos não se deu no processo migratório entre continentes. “Essa conexão com essa população anterior da África não existiu. A diferença entre Lagoa Santa e os nativos atuais tem origem dentro da própria América”, disse.

(RevistaGalileu)