Correio de Carajás

Estudantes da Unifesspa usam arte para romper o silêncio sobre o assédio

Bruno é um dos alunos que usa a arte para denunciar casos de assédio/ Fotos: Evangelista Rocha
Por: Luciana Araújo
✏️ Atualizado em 28/10/2025 17h39

Às vésperas de novembro, mês dedicado ao ativismo pelo fim da violência contra a mulher, alunos da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) recorrem à arte para expor e questionar o assédio dentro da instituição. Em um país onde 30 milhões de mulheres são vítimas desse tipo de violência todos os anos, a criação artística torna-se um gesto de resistência e conscientização.

“A arte é necessária para que o homem se torne capaz de conhecer e mudar o mundo. Mas a arte também é necessária em virtude da magia que lhe é inerente”, escreveu Ernst Fischer. Inspirados por essa visão, estudantes do curso de Artes Visuais transformaram suas obras em espaços de expressão e enfrentamento do silenciamento.

A tenacidade das vítimas foi registrada em pinturas, artes digitais, esculturas e instalações

“No geral, o tema assédio é um tabu, ele não é discutido dentro das instituições. Muitas vezes é isolado, abafado. E aí nós expomos isso através da arte, mostrando que acontece, que as pessoas estão cientes e resistindo”, explica Bruno Eduardo Correia de Souza, aluno do 8º período do curso de Artes Visuais.

Leia mais:

Ele e os colegas, em conjunto com o Centro Acadêmico e o Coletivo Aura, produziram a exposição ‘Corpos em resistência’ com o objetivo de problematizar, principalmente, o assédio dentro da universidade. “As pessoas sofrem essa violência em qualquer lugar, mas dentro da instituição o assunto é suprimido. A exposição quis estampar isso”, complementa o estudante.

A fala de Bruno conecta-se com a reflexão de que a arte muitas vezes é destinada à classe rica da população, mas também se manifesta em outras camadas da sociedade, incluindo as marginalizadas. No caso da exposição ‘Corpos em resistência’, esse contexto é conjugado ao fato de que vítimas de assédio muitas vezes são silenciadas ou diminuídas, constantemente questionadas se fizeram algo que provocasse a violência ou têm seus relatos descredibilizados pela comunidade.

Além disso, produzir arte dentro de uma instituição federal por si só é um ato de resiliência, principalmente nos últimos anos, quando estudantes foram acusados de promover ‘balbúrdia’ nesses espaços.

Nas obras dos alunos da Unifesspa, a tenacidade das vítimas foi registrada em pinturas, artes digitais, esculturas e instalações. Uma das mais impactantes – e que emocionou Bruno – é um vídeo-performance produzido pelo Coletivo Aura. Sua intenção é reproduzir a luta dos corpos contra o assédio.

ARTE, VIDA E RESISTÊNCIA

Dados da pesquisa “Visível e Invisível”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, trazem um levantamento sobre a vitimização de mulheres no Brasil. O estudo aponta que, em 2022, 46,7% das brasileiras de 16 anos ou mais já sofreram alguma forma de assédio sexual. Junto a ele, uma pesquisa da organização Think Olga, como parte da campanha ‘Chega de Fiu Fiu’, demonstra que 99,6% delas já foram vítimas de assédio. Os dados corroboram a expressão “toda mulher que você conhece já foi vítima de assédio”.

Em contrapartida, os casos de violência sexual contra pessoas do sexo masculino são considerados subnotificados. Enquanto dados do Ministério da Saúde, de 2022, indicam que 46% das meninas vítimas chegam a denunciar os casos, para os meninos o percentual é de apenas 9%.

Além disso, a classificação de assédio não se restringe ao sexual; ela inclui o moral, o virtual (ou cibernético), o escolar (bullying), o institucional, o político-eleitoral, o racial e o psicológico.

Na obra de arte criada por Bruno e o colega Victor Gabriel (Vitada), batizada como ‘Esculpida a machado’, a ênfase está no assédio da sociedade sobre os jovens negros. “Ela retrata também a questão do racismo, do sofrimento exacerbado que nós passamos e que o nosso corpo sofre. O jovem negro é lapidado a machado para se moldar à sociedade”, manifesta.

Obra “Esculpido a machado”

Em paralelo, a peça criada por Caio da Silva, aluno de Artes Visuais da turma de 2022, retrata ‘A morte do pedral’. A escultura, também assinada por Vitória Prado, Victor Gabriel e Nicolly Medeiros, é feita com cimento, pedra e argila, foi esculpida para representar uma sereia que padece sobre o Pedral do Lourenção.

“Na mitologia, a sereia é vista como algo ruim para os pescadores. Aqui, nós a representamos exposta, amarrada sobre o pedral. Ela também representa os animais e a população que serão impactados com a derrocagem”, explica Caio.

A obra de Caio representa uma sereia que padece sobre o Pedral do Lourenção

A mostra ‘Corpos em resistência’ reafirma que a arte é também um gesto político dentro e fora da universidade. Ao transformar vivências em expressão, os estudantes da Unifesspa ampliam o debate sobre o assédio e rompem o silêncio imposto às vítimas.

 



Isso vai fechar em 20 segundos