Correio de Carajás

Especialista fala sobre a crise das cirurgias eletivas em Marabá

Ele destaca que o município possui verba federal disponível para zerar fila estimada em 7 mil pessoas, mas falta gestão técnica para executar os procedimentos

Sezostrys afirma que, se quiser, Prefeitura de Marabá tem como resolver o problema

Enquanto aproximadamente 7 mil pessoas aguardam na fila por cirurgias eletivas em Marabá, quase um milhão de reais em recursos federais destinados especificamente para resolver esse problema permanecem sem utilização pela gestão municipal. A revelação foi feita por Sezostrys Alves da Costa, especialista em saúde pública com vasta experiência junto ao Ministério da Saúde, durante entrevista à Rádio Correio FM 92.1, que expôs uma situação que ele classifica como “falta de capacidade de gestão técnica” por parte da administração municipal.

Os números são alarmantes e revelam uma contradição entre a disponibilidade de recursos e a execução de políticas públicas de saúde. Segundo Costa, o município de Marabá foi contemplado pelo Programa Nacional de Redução de Filas do Ministério da Saúde com R$ 951.484,93, sendo R$ 160.828,94 não utilizados em 2024 e R$ 790.655,99 destinados para 2025. Recursos suficientes para atender centenas de pessoas que hoje enfrentam uma espera que pode se transformar em risco de vida.

Sezostrys Alves da Costa não é um crítico qualquer do sistema de saúde. Sua trajetória profissional inclui cargos estratégicos que lhe conferem autoridade técnica para analisar a situação: foi vereador, secretário municipal de Saúde em São João, São Domingos do Araguaia e Palestina do Pará, assessor especial na SMS em Marabá e assessor técnico da Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde (SAPS/MS). Também atua como consultor técnico em saúde. Essa experiência, especialmente sua passagem pelos corredores do Ministério da Saúde em Brasília, lhe proporciona conhecimento profundo sobre como funcionam os repasses federais e os mecanismos de execução de políticas públicas de saúde.

Leia mais:

Durante a entrevista conduzida por Patrick Roberto e Demerval Moreno, na Bancada da Informação da Rádio Correio FM, Costa demonstrou não apenas indignação, mas também conhecimento técnico detalhado sobre os procedimentos que deveriam estar sendo adotados pela prefeitura de Marabá. Sua fala ganhou repercussão nas redes sociais através de um vídeo que ele produziu explicando a situação, o que motivou o convite para a entrevista radiofônica.

“É uma satisfação imensa poder participar desse momento aqui e contribuir com esse debate, com essa situação que se trata das cirurgias eletivas aqui em Marabá, em que pese Marabá seja um polo da nossa região toda”, declarou Costa durante a entrevista, demonstrando sua preocupação não apenas com a cidade, mas com toda a região que depende dos serviços de saúde de Marabá.

A dimensão do problema

O número de 7 mil pessoas aguardando cirurgias eletivas em Marabá não é apenas uma estatística fria. Representa milhares de famílias em angústia, pacientes cujo sofrimento se prolonga desnecessariamente e, em muitos casos, procedimentos que deixam de ser eletivos para se tornarem urgências médicas. Esta transformação de cirurgias eletivas em urgências é um dos aspectos mais preocupantes da situação atual.

As cirurgias eletivas, por definição, são procedimentos cirúrgicos planejados e não urgentes, que podem ser agendados com antecedência. No entanto, quando a espera se prolonga excessivamente, muitas dessas condições se agravam, transformando-se em situações de urgência que demandam intervenção imediata. Este fenômeno cria um ciclo vicioso: pacientes saem da fila municipal de cirurgias eletivas e ingressam na fila de urgências do hospital regional, sobrecarregando ainda mais o sistema.

“Elas têm se tornado cirurgias de urgência, porque não estão sendo executadas na cronologia necessária”, explicou Costa durante a entrevista. “E aí nós temos outro gargalo que nós temos um único hospital regional para atender essa região toda. E aí o paciente sai da fila de eletivo e vai para a fila de urgência. Aí ele sai da fila do município e vai para a fila do regional, que tem uma certa limitação. Ou seja, ele só anda em fila.”

Esta situação é particularmente grave considerando que Marabá funciona como polo de saúde para toda a região. O Sistema Único de Saúde (SUS) estabelece pactuações regionais, e muitos municípios menores dependem dos serviços oferecidos em Marabá para procedimentos de média e alta complexidade. Quando o município não consegue atender adequadamente sua própria demanda, o impacto se estende para além de suas fronteiras.

Recursos federais

A existência de recursos federais específicos para resolver o problema das cirurgias eletivas torna a situação ainda mais frustrante para quem acompanha a questão. O Programa Nacional de Redução de Filas, criado pelo Ministério da Saúde, foi desenvolvido exatamente para enfrentar situações como a que Marabá vive atualmente. Inicialmente um programa específico, foi posteriormente integrado ao programa “Agora Tem Especialistas”, que também trata de exames e procedimentos pré-operatórios.

O mecanismo de distribuição dos recursos segue critérios técnicos estabelecidos pelo Ministério da Saúde. “O Ministério faz a sua decisão de distribuição de forma per capita e com base em informações de demandas reprimidas”, explicou Costa. “Houve, inclusive, uma consulta aos municípios todos para levantar a demanda reprimida em relação às cirurgias eletivas. Marabá apresentou e desde o ano passado que Marabá vem sendo incluído nessa distribuição de recursos para redução de filas.”

Os R$ 951.484,93 disponíveis para Marabá representam uma quantia significativa que poderia impactar substancialmente a fila de cirurgias eletivas. Para dimensionar o potencial desses recursos, Costa mencionou durante a entrevista que seria possível “salvar centenas de vidas que estão entre as cerca de 7 mil pessoas à espera de uma cirurgia eletiva” e que a prefeitura poderia “atender muito mais que 120 pessoas por mês” se organizasse adequadamente a execução dos procedimentos.

O repasse desses recursos segue uma modalidade específica chamada FAEC (Fundo de Ações Estratégicas e Compensação), que permite transferências extra-teto. Isso significa que o dinheiro é repassado além dos recursos regulares do município, especificamente para custear cirurgias eletivas. “Então ele é feito um repasse extra para que o município possa custear e pagar os serviços médicos, insumos, contratualização de hospitais, enfim”, detalhou o especialista.

Como funciona

O funcionamento do sistema de repasses federais para cirurgias eletivas segue uma lógica de execução e prestação de contas que deveria garantir a aplicação efetiva dos recursos. O município recebe um crédito inicial e, conforme executa os procedimentos, informa ao Ministério da Saúde através dos sistemas oficiais (SIA – Sistema de Informações Ambulatoriais ou SHD – Sistema Hospitalar Descentralizado) sobre as cirurgias realizadas.

Este sistema permite não apenas o uso dos recursos já disponibilizados, mas também a possibilidade de solicitar recursos adicionais caso a demanda seja maior que a capacidade de atendimento inicial. É um mecanismo que premia a eficiência na execução e permite escalabilidade conforme a necessidade local.

O recurso é distribuído semestralmente, e o município pode apresentar demanda reprimida e necessidade física e orçamentária para solicitar suplementação. Isso significa que, se Marabá conseguisse executar eficientemente os recursos já disponíveis, poderia pleitear valores ainda maiores para ampliar ainda mais o atendimento à população.

Alternativas técnicas

Uma das soluções mais viáveis e imediatas para resolver o gargalo das cirurgias eletivas seria o credenciamento de hospitais privados para executar os procedimentos custeados com recursos públicos. Esta não é uma inovação ou improviso, mas uma prática estabelecida e regulamentada que permite ao poder público ampliar sua capacidade de atendimento sem necessariamente investir em nova infraestrutura.

“Ele pode, diante do registro do hospital, da instituição que executa esse serviço privado no município, ele pode, sim, contratualizar”, explicou Costa durante a entrevista. “E aí tem várias modalidades. Tem credenciamento, tem pregão. Ele vai definir, de forma jurídica, qual método que ele vai utilizar para contratualizar esse serviço.”

O processo de credenciamento não é complexo nem demorado quando há vontade política e competência técnica para executá-lo. Segundo o especialista, “45 dias no máximo você consegue finalizar um processo de credenciamento de qualquer instituição se não for executar na rede pública”. Este prazo é mais do que razoável considerando a urgência da situação e o tempo que já se passou sem ação efetiva.

Para que um hospital privado possa ser credenciado, ele precisa atender a requisitos básicos de infraestrutura e regularização. “E aí ele precisa ter centro cirúrgico, ter enfermarias, estar todo legalizado junto ao município para que ele possa ser credenciado”, detalhou Costa. Estes são requisitos que os principais hospitais privados de Marabá certamente atendem, tornando o credenciamento uma solução factível e imediata.

A modalidade de contratação pode variar entre credenciamento direto e pregão, dependendo da estratégia jurídica que o município escolher adotar. Ambas as modalidades são legalmente válidas e amplamente utilizadas por outros municípios brasileiros que enfrentaram situações similares.

A Prefeitura de Marabá não comentou sobre a análise feita pelo entrevistado. O dado de que as cirurgias represadas são mais de 7 mil, foi divulgado na semana passada em plenário, na Câmara Municipal, pela vereadora Cristina Mutran, que é médica. Questionamento oficial feito pela Comissão de Saúde da Câmara à Prefeitura sobre o quantitativo de cirurgias represadas, não foi respondido pela Secretaria de Saúde.

(Da Redação)