Correio de Carajás

Entre abraços e ausências: o impacto do luto no Natal e no Ano Novo

Datas evidenciam saudade e exigem menos cobranças, além de compreensão

Datas especiais despertam a saudade e pedem mais empatia, com mais acolhimento (Foto: Imagem gerada por IA)
Por: Milla Andrade

O fim de 2025 chega acompanhado de balanços pessoais, memórias e expectativas. Para muitas pessoas, o período também revela perdas vividas ao longo do ano ou em anos anteriores, convivendo com a saudade de um luto que nunca passa. É neste momento que o Natal e a chegada do Ano Novo, tradicionalmente associados a encontros e celebrações, podem intensificar o sofrimento de quem vive o luto.

Nesse contexto o Correio de Carajás foi ouvir a psicóloga clínica e perinatal Christiane Castro, que falou sobre a dor da perda. Ela explica que o processo não pode ser evitado nem apressado. “O luto é uma fase da vida que não tem como pular, ele vai acontecer para todos. Existem situações que aumentam esse sofrimento, principalmente nessas épocas tradicionais”, afirma a psicóloga.

Segundo ela, o ser humano inevitavelmente precisa lidar com perdas ao longo da vida, e determinadas épocas do ano tendem a potencializar a dor. Ela observa que, em muitas famílias, o Natal e o Ano Novo são os únicos momentos do ano em que todos se reúnem. “Às vezes, é o único momento em que a família se encontra para confraternizar, e o local escolhido para essa reunião pode ter sido justamente a casa da pessoa que faleceu”, explica. Esse contexto, segundo ela, pode tornar a ausência ainda mais evidente.

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O LUTO PRECISA SER VIVIDO

Para a psicóloga, o luto não deve ser tratado como algo a ser eliminado rapidamente, mas sim como algo que precisa ser vivido. Segundo ela, o período não significa sofrer a vida inteira, mas permitir que o processo aconteça, pois o sofrimento faz parte da vida de todo ser humano.

Em sua fala, a especialista também chama a atenção para uma atitude comum de quem está ao redor da pessoa enlutada. “É muito habitual as pessoas evitarem falar sobre quem faleceu ou tentarem distrair de várias formas. Isso não ajuda”, ressalta.

Segundo ela, esse comportamento funciona como uma tentativa de evitar a dor, quando, na verdade, ela é necessária. “O luto não tem um fim. Ele vai existir enquanto a pessoa tiver vida. É como se uma parte tivesse sido arrancada”, diz, acrescentando que não há nada que substitua o que foi perdido.

É importante lembrar que, mesmo com a permanência da ausência, a vida cresce ao redor. A clínica ainda reforça que a pessoa em luto não precisa corresponder às expectativas externas, especialmente durante as festas de fim de ano. “Ela pode sofrer e chorar, não precisa estar sempre se mostrando feliz ou forte, principalmente nessa época”, ressalta.

A psicóloga destaca que não há obrigação de participar de confraternizações. “Se ela não estiver com vontade de encontrar outras pessoas, pode ficar mais recolhida, relembrando momentos que viveu com quem se foi”, reconhece, argumentando que esse movimento de lembrança também traz conforto.

A DOR PERMANECE COM O PASSAR DO TEMPO

Há casos em que a perda ocorreu há muitos anos, mas a dor segue intensa, como se fosse recente. Para a psicóloga, isso não significa que algo esteja errado, pois a dor permanece por toda a vida. Nesses momentos, recordar pode ajudar a ressignificar a dor. “É muito bom lembrar os momentos bons que viveram, os ensinamentos que aquela pessoa deixou”, sugere.

Christiane ainda realça uma reflexão central. “O luto é o preço de se amar. Se há sofrimento pela perda, é porque amou”, completa.

Na avaliação da psicóloga, compreender esse significado pode tornar o sofrimento menos pesado. “Entender que aquela dor tem sentido porque houve amor pode ajudar”, pontua.

Como tudo na vida, o luto também não é linear, existe uma montanha-russa emocional. Há dias em que a pessoa consegue sorrir, conversar e seguir a rotina, e outros em que a tristeza se impõe com força. Isso faz parte do processo, como os dias da vida. Ela destaca um sentimento comum nesse contexto: a culpa. “A pessoa sente culpa por sorrir, por ficar bem, como se estivesse traindo a memória de quem faleceu”.

Não há problema em alternar entre momentos de tristeza e momentos de leveza. “Tem dias que a pessoa está saudosa, outros que está melhor, já em outros bate a tristeza. Não precisa segurar o choro”, finaliza.

Para a psicóloga Christiane Castro, o luto carrega o preço de se amar

COMO APOIAR QUEM VIVE UM LUTO?

Para familiares e amigos, a psicóloga ressalta que o apoio começa pelo respeito ao tempo do outro. É primordial entender que é necessário deixar a pessoa viver o que está passando.

Ela volta a alertar sobre tentativas de distração forçada. “Criar situações para distrair ou evitar falar sobre quem morreu não ajuda. Muitas vezes, a pessoa enlutada só quer falar e ser ouvida”, conclui.

Outro ponto importante destacado por ela é que não há obrigação de aconselhar. Segundo a psicóloga, não existe necessidade de dar conselhos. O melhor é escutar. Não há uma receita para adiar o luto, muito menos para curá-lo. Quando o processo fica doloroso e difícil de carregar, é hora de procurar um profissional para iniciar um acompanhamento. “Quando a pessoa não tem o desejo de viver, não tem mais prazer em trabalhar, se divertir ou comer o que gostava, é um momento de atenção e alerta”. Quando tudo perde o sentido, a ajuda profissional se torna necessária.

É importante estar atento aos sinais. Muitas vezes, quem está em luto não percebe a gravidade do próprio estado emocional, por isso a convivência ao redor é tão importante para identificar indícios, o que inclui a conversa e a sugestão de buscar ajuda especializada.

“A finitude faz parte da nossa existência. Existem pessoas que passam a vida evitando falar da possibilidade de morrer ou de que alguém que ama vai falecer. Isso é uma realidade. Quando não falamos abertamente sobre isso, deixamos de fazer escolhas melhores e de passar mais momentos com quem amamos”, reforça.

Ao refletir sobre as festas de fim de ano, Christiane afirma que os encontros devem ser vividos com presença e sentido, frisando que os instantes com familiares e amigos precisam ser celebrados. Ao mesmo tempo, ela defende uma mudança de olhar. “É bom que sejam vividos, mas nós precisamos começar a pensar que isso pode acabar”.

Para a psicóloga, viver como se fosse o último encontro não significa sentir tristeza, mas aproveitar, dizer que ama, elogiar e abraçar. “Como as pessoas evitam falar sobre o fim da vida, sempre acham que vão ter uma segunda chance. E, de repente, esse momento não chega”, encerra.

Para a psicóloga, o ser humano deve reconhecer que a vida tem um fim, um gesto que se revela na maneira de valorizar a presença e as pessoas ao redor. É sobre enxergar que as datas comemorativas, acima de tudo, revelam o valor dos vínculos, enquanto existem e podem ser cultivados.