Em um mercado historicamente dominado por homens, as mulheres na engenharia (em todas as especificidades) ainda enfrentam barreiras e preconceitos, sejam eles velados ou explícitos. No Dia Internacional das Mulheres na Engenharia, celebrado hoje, 23 de junho – a data criada pela Women’s Engineering Society (WES) em 2014, para reconhecer e valorizar o trabalho feminino na área – o Correio de Carajás conversou com a engenheira civil Iara Lopes, de 33 anos, que compartilha um pouco dos desafios da profissão em Marabá.
Especializada em Segurança do Trabalho e técnica em Edificações, atualmente Iara trabalha como autônoma, prestando serviços para escritórios de Marabá e de outras cidades.
Mesmo morando em sua terra natal, Marabá, que está em pleno desenvolvimento socioeconômico, com muitas oportunidades de trabalho na engenharia, a realidade para as mulheres da área ainda é marcada por dificuldades.
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“Em Marabá, a gente percebe que muitas mulheres estão se formando em engenharia, mas ainda encontram um mercado preconceituoso, que acha que a profissão ainda é exclusiva para homens”, afirma Iara.
Resistência no mercado de trabalho
Formada em 2017, a engenheira civil relata que, mesmo com o avanço da presença feminina na engenharia, as resistências persistem. Ao CORREIO, ela relembra uma situação frustrante em uma entrevista de emprego. “Era para trabalhar em uma obra aqui em Marabá. Só que no anúncio da vaga, eles não especificavam o gênero. Fiz a entrevista, só que no decorrer do diálogo com o recrutador surgiu a seguinte frase: ‘Pô, Iara, muito legal, você tem uma bagagem muito boa, ia agregar muito aqui, mas estamos querendo uma pegada mais forte’”, relembra. Para ela, ficou nítido que o empregador buscava um homem para a posição.
A engenheira explica que, em um canteiro de obras com a maioria masculina, as mulheres precisam se posicionar de forma estratégica para não serem desrespeitadas. “É muito frustrante passar por isso, mas eu entendo que, às vezes, não tem como controlar estar num campo de obra, com 80 homens, e comandar esses homens e não ser desrespeitada por aparentar ter menos idade, ou a fala não aparentar ter repertório suficiente e voz de comando”, desabafa.
Iara destaca a importância do respeito mútuo no ambiente de trabalho, ressaltando que ela sempre se colocou em um lugar de respeito. Mas lamenta a falta de oportunidades.
“Trabalho com homens mais velhos e eles têm a experiência da vida na obra, e eu tenho o conhecimento e o estudo. Só que nesse trajeto eles não te dão abertura e nem espaço para somar com o trabalho deles”.
Além disso, outro ponto que chama atenção da engenheira são as preocupações que as mulheres sempre têm em relação ao vestuário para trabalhar em obras, como: cabelo sempre preso, a calça não deve ser tão justa ao corpo, o uso de brincos e acessórios não é permitido.
Migração para escritórios e disparidade salarial
De acordo com a profissional, muitas engenheiras formadas em Marabá, assim como ela, acabam se voltando para atuar em escritórios, longe dos canteiros de obras. “Nem obra residencial estou tendo interesse mais em executar. Agora estou preferindo ficar no escritório executando processos, planejamentos, perícias, laudos. Acho que muitas mulheres estão migrando para esse lado”, avalia.
A engenheira também revela uma prática preocupante no mercado local: a não formalização do cargo de engenheira civil nos contratos, apesar das exigências da função. “Pela minha experiência na cidade, as mulheres engenheiras civis que trabalham em Marabá atuam na área, mas não usam o título de engenheira civil. As empresas não te contratam como engenheira, mas eles te exigem conselho de classe, que você seja uma pessoa regularizada. Mas no contrato, não é engenheira civil, mas a sua função é de engenheira civil”, explica, afirmando que existe uma diferença salarial entre homens e mulheres.
Assédio preocupa
Iara relembra uma experiência em uma obra comercial em Belo Horizonte (MG), onde o desrespeito às mulheres era explícito. “Trabalhei numa obra comercial, de uma loja bem grande em Belo Horizonte. Eu não tinha network na capital mineira, e fui formando uma equipe. Lá, eles desrespeitam as mulheres no grito, descaradamente”, descreve.
Ela chegou a desligar um colaborador por desrespeitar uma bombeira civil que vistoriava a obra, entendendo que o desrespeito à colega também era um desrespeito a ela.
Além do assédio moral, Iara já foi vítima de assédio sexual, recebendo comentários, assovios e olhares por usar calça jeans mais justa ao corpo. “Os preconceitos são explícitos. Nas empresas grandes acredito que isso aconteça bem menos, por causa das regras. Mas para a mulher que é autônoma, e presta serviço num cargo de liderança, é muito mais difícil”, afirma.
Paixão pela profissão
“Continuo apaixonada pela profissão, mesmo com as frustrações. Não me arrependo de ter escolhido ser engenheira civil. Espero que os recém-formados tenham mais oportunidades de emprego, eles estão com gás para aprender e trabalhar, só precisam de uma chance”, finaliza.
(Ana Mangas)