Elena Ferrante sabe dissecar a alma feminina. Sua Literatura para além de ser escrita por uma mulher, traz o protagonismo feminino e aborda temas do universo feminino. A escritora cria mundos internos, cujas emoções podem ser sentidas pelo leitor, pois adota o fluxo de consciência, técnica que permite que o leitor entre nos pensamentos da personagem, ela explora a complexidade da mente. Hoje para continuarmos nosso passeio pela alma feminina, trago as obras UM AMOR INCÔMODO (1992) e A FILHA PERDIDA (2006), ambas de Elena Ferrante. Os romances abordam a maternidade e a rivalidade materna. São narrativas com abordagem profunda e personagens com muitas camadas.
Em Um Amor Incômodo temos uma filha de 45 anos, Delia, que após a morte de sua mãe, Amália, entra numa jornada de revisitação do passado. Ela queria compreender Amália para além de seu papel de mãe e assim ela faz sua jornada de autoconhecimento. O desejo que a personagem tem de conhecer, compreender a mãe é uma tentativa de se separar dela e assim construir sua identidade. Para expressar um pouco dessa relação complexa e ao mesmo tempo simbiótica, cito: “Tudo refeito, para que eu pudesse me tornar eu mesma e me desligar dela. Eu não quis ou não consegui enraizar ninguém em mim. Nenhum ser humano jamais se desligaria de mim com a mesma angústia com que me desliguei da minha mãe apenas porque nunca consegui me apegar a ela definitivamente”.
Há muita admiração, ciúme, inveja e ressentimento nessa filha que busca compreender a mãe. Delia quer saber quem é Amália para poder entender quem é Delia. A filha ao enterrar a própria mãe busca em suas lembranças, na relação conturbada que teve, construir sua identidade e se separar definitivamente daquela mulher com quem tinha uma relação íntima e ao mesmo tempo distante.
Leia mais:Já em A Filha Perdida, Elena Ferrante, por meio da personagem Leda, uma mulher de 48 anos, professora universitária, questiona o amor materno, o amor dito “sem limites”. A autora explora a relação que a protagonista tem com suas duas filhas, que é baseada na culpa e no ressentimento. Leda é uma a mulher que não se doa por completo às filhas. Em alguns momentos da narrativa há gestos e atitudes violentas dessa mãe que se vê sobrecarregada com o trabalho doméstico e os cuidados com as duas filhas, o que a leva a abandonar as filhas, deixando-as aos cuidados do pai: “Vou embora, vocês não vão mais me ver, exatamente como minha mãe fazia quando estava desesperada. Ela nunca nos deixou, mesmo gritando para nós que faria; já eu deixei minhas filhas quase sem aviso”.
Naturalmente, nós leitores passamos a julgar a personagem: Como ela foi capaz de abandonar duas meninas de 07 e 10 anos de idade durante três anos? A atitude daquela mãe nos parece monstruosa. É impensável uma mãe deixar para traz duas meninas em tão tenra idade. Mas a Literatura nos coloca no lugar do outro, nos ensina a compreender os sentimentos e atitudes do outro num exercício de EMPATIA. Leda se encontrava sem condições de se manter no casamento e isso contribuiu muito para a decisão de deixar suas filhas. Ela queria deixar a casa, deixar para traz o trabalho doméstico, o marido, queria se dedicar a algo somente seu, buscava realização pessoal por meio de uma carreira profissional, mas naquela família, somente ela era a responsável pelos cuidados com a casa e com as filhas. O marido em nada colaborava. Sua participação se restringia ao sustento material.
O que acontece em A Filha Perdida é humano. A maternidade tem suas dificuldades. É necessário pensar nisso. O amor materno não é infinito ou sem limites. O leitor ao fazer um exercício de empatia percebe que o que aquela mãe fez é humano. O leitor pode não concordar, mas consegue compreender as razões de Leda. Isso é empatia, é o que o texto literário nos ensina como nenhum outro, uma vez que simula a realidade social. Digo mais, a leitura de ficção colabora com a nossa compreensão da realidade. Há certos temas que nos impactam mais quando lidos no texto literário do que quando temos contato no texto informativo.
Me despeço hoje deixando como indicação essas duas obras maravilhosas. São leituras especiais, principalmente, para meninas e mulheres! Até a próxima, Caro Leitor!
* A autora é graduada em Letras pela UFPA; bacharela em Direito pela Unifesspa e leitora voraz, por amor e vocação.
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.
