A educação escolar para os indígenas que vivem na TI Mãe Maria é tão importante quanto para qualquer outro cidadão. No entanto, há uma necessidade adicional de absorver conhecimentos ocidentais para defender direitos e interesses. A sala de aula é vista como uma extensão do ambiente familiar e comunitário.
No seio das comunidades indígenas da TI Mãe Maria, a busca pelo conhecimento não é uma novidade recente. Há um anseio – uma necessidade latente entre eles – principalmente para aqueles que desempenham o papel de professores bilíngues. Esse conhecimento é crucial, uma vez que muitos deles são contratados pela Secretaria de Educação (Seduc), não apenas como educadores, mas como servidores públicos.
Na TI Mãe Maria há 30 aldeias, atualmente, e apenas 11 escolas. Enquanto as comunidades pedem mais espaços educativos, a Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) quer fechar as que têm poucos alunos e concentrar o ensino nas maiores comunidades.
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Professores indígenas capacitados são essenciais para preservar a cultura local. A educadora Takwyiti Hompryti Valdenilson, diretora da escola da aldeia Akrãtikatejê, destaca a importância da experiência prática e da adaptação constante necessária no ambiente escolar, especialmente em relação ao desenvolvimento do currículo e planejamento das aulas. Um dos principais pontos levantados por ela é o esforço contínuo para garantir que os professores estejam alinhados com as necessidades e valores da comunidade, contribuindo com formações que abordam especificidades culturais e linguísticas.
“Nossas escolas buscam manter e valorizar nossa identidade cultural, integrando a língua materna e disciplinas que promovam a preservação da cultura local”, diz. Takwyiti enfatiza a importância do respeito mútuo entre o sistema educacional e a comunidade indígena, apontando que as exigências externas muitas vezes não consideram as particularidades e necessidades específicas das escolas indígenas.
Os desafios enfrentados diariamente na gestão da escola vão além do ensino tradicional e incluem atividades como preparação de alimentos e manutenção do ambiente escolar. Há uma profunda conexão com a responsabilidade de educar e preservar a cultura dentro e fora da sala de aula. Takwyiti cita a importância da colaboração e engajamento de todos os membros da comunidade para fortalecer o ensino indígena.
Seu povo se preocupa com o desprezo e reconhecimento por parte do sistema educacional externo em relação às escolas indígenas. Fica clara a necessidade de um maior entendimento e sensibilidade em relação às práticas e valores das comunidades indígenas: “A educação deve ser uma via de mão dupla, com respeito mútuo e valorização da diversidade cultural”, finaliza Takwyiti.
O DIREITO DO QUE É DIREITO
Nas comunidades da Terra Indígena Mãe Maria, a preservação da cultura e do território é transmitida de geração em geração, tanto nas festas tradicionais do Milho Verde, Chuva e Castanha, como no ensino diário. É um compromisso com o futuro, visando um legado de conscientização e sustentabilidade. A educação indígena é uma ponte entre o passado e o futuro, uma preparação para um mundo em constante mudança, onde a preservação da identidade é tão vital quanto a adaptação às demandas contemporâneas.
Para a professora de geografia da etnia Gavião Kyikatêjê, Conserlei Sompré, a diferença entre uma escola tradicional e uma escola indígena pode não ser tão distinta quanto parece à primeira vista. A essência de preservar a sustentabilidade do território e manter viva a cultura é central em ambos os contextos.
Ela expõe que a resistência já é longínqua, e o desejo primordial é garantir os direitos inerentes às escolas indígenas nas TI Mãe Maria: “A responsabilidade pela educação escolar é do governo estadual e nacional. Para alcançar uma educação de qualidade, a valorização dos professores bilíngues é fundamental”.
E isso, em sua visão, inclui contratos adequados, suporte pessoal e reconhecimento para professores indígenas e não indígenas, bem como para especialistas em outras áreas.
“A preservação da educação indígena deve ser um pilar da estrutura escolar. Os professores são os transmissores dos conhecimentos ancestrais, vitais para a identidade e o crescimento das comunidades”, diz Concita Sompré. Para ela, a integração entre educação indígena e escolar deve se complementar.
A preocupação vai além das paredes da escola, indo ao cerne da vida e da subsistência das comunidades. O objetivo é formar indivíduos capazes de enfrentar desafios futuros, como médicos e advogados, preparados para proteger seus territórios e heranças.
Os dilemas para conciliar a educação de fora e a de dentro
O pedido de melhores condições não é apenas uma demanda por conforto, mas uma busca pela garantia de direitos. Reformas e investimentos governamentais são essenciais para oferecer uma educação infantil de qualidade, com salas adaptadas e recursos tecnológicos adequados. Os indígenas têm uma visão de longo prazo para a preservação das tradições e a sustentabilidade ambiental para as gerações futuras.
A falta de consulta nas políticas educacionais é um problema. Escolas são implantadas sem considerar valores culturais locais. Estruturas educacionais externas são impostas, não adaptadas à cosmovisão das comunidades.
Concita Sompré, da Aldeia Gavião Kyikatêjê, expressa uma visão profunda sobre a necessidade de consulta e inclusão dos povos indígenas nas decisões que afetam suas vidas e educação. Ela ressalta que muitas vezes as soluções são impostas de cima para baixo, sem considerar as necessidades e visões das comunidades indígenas.
“A falta de consulta no projeto arquitetônico das escolas é um exemplo claro disso. Se tivéssemos sido consultados, poderíamos ter contribuído para um modelo mais adaptado ao seu estilo de vida e valores”, avalia.
Ela defende com veemência o direito das comunidades indígenas à educação de qualidade, incluindo boas escolas construídas e garantidas pelo governo. No entanto, ressalta a importância de respeitar a diversidade e os modos de vida tradicionais, incorporando materiais didáticos e abordagens que reflitam suas cosmovisões únicas.
PRESERVANDO A ESSÊNCIA
Concita ressalta a riqueza das histórias e saberes indígenas, fundamentais para orientar a vida diária das comunidades: “Cada povo indígena no Brasil tem uma história e uma visão de mundo próprias, que devem ser respeitadas e preservadas”, explica, mencionando como lendas e mitos fazem parte dessas narrativas, mesmo que não sejam literalmente verdadeiros, contribuindo para a identidade e a história das comunidades.
Ela reconhece a presença das escolas não indígenas nas comunidades e admite que, apesar das diferenças fundamentais na visão de educação, essas escolas representam uma forma do Estado estar presente e oferecer educação. Concita também valoriza os avanços conquistados, como o acesso à educação para jovens e adultos indígenas, que por muito tempo foi negligenciado devido às prioridades de sobrevivência e proteção do território.
A educação formal, para seu povo, não invalida os conhecimentos tradicionais. Pelo contrário, os alunos indígenas são vistos como depositários vivos desses saberes ancestrais, essenciais para a preservação da cultura e do território. A escola, portanto, é vista como uma ferramenta de luta, uma maneira de fortalecer a identidade e capacitar as comunidades na defesa de seus territórios.
Ela destaca a importância de reconhecer e valorizar a ciência indígena, que há séculos demonstra sua eficácia na sobrevivência e na conservação ambiental: “Os conhecimentos tradicionais são tão válidos quanto os conhecimentos científicos convencionais, e devem ser incorporados ao currículo escolar de forma equitativa”, conta.
Por fim, enfatiza o desafio de conciliar a preparação para o mercado de trabalho com a preservação ambiental e cultural. A educação indígena deve preparar os jovens para um futuro competitivo, mantendo ao mesmo tempo, os valores e práticas que sustentam a vida nas comunidades. Este é um desafio que ela acredita que a ciência e a educação não indígenas também devem abraçar e enfrentar.
Uma pequena escola, e os grandes desafios
O cacique Mpotomamti compartilha a jornada da aldeia Hôpryre, de apenas 26 indígenas, na criação e desenvolvimento da escola, destacando a importância da educação como base fundamental para a comunidade indígena: “A busca por profissionais capacitados inclui o incentivo à formação de professores indígenas, reconhecendo a importância de ter membros da comunidade atuando como educadores para manter viva a cultura e os valores locais”.
Ele também reitera que, apesar da contribuição valiosa dos professores de fora, a prioridade é investir na formação e capacitação dos próprios membros da aldeia, permitindo que eles também compartilhem seu conhecimento e experiência de vida.
A decisão de cursar educação física como exemplo pessoal demonstra o comprometimento em fortalecer a identidade cultural por meio da educação, capacitando os jovens para assumir papéis de liderança na preservação e transmissão dos conhecimentos tradicionais.
Ele percebe que a troca de experiências entre professores de fora e membros da aldeia é valorizada, mas a capacitação interna é vista como essencial para garantir a continuidade e a autenticidade dos valores culturais dentro do contexto educacional.
(Thays Araujo)