“É preciso esfriar já o clima de hostilidades entre Brasil e Argentina. Não foi fácil construir a relação harmônica que tivemos até hoje.” As palavras são de Ricardo Alfonsín, ex-deputado e ex-candidato a presidente pelo tradicional partido União Cívica Radical (UCR). Ricardo é filho de Raúl Alfonsín (que governou a Argentina entre 1983 e 1989), e, junto ao brasileiro José Sarney (1985-1990) lançaram as sementes para o Mercosul.
Em entrevista à Folha, num café de Buenos Aires, Ricardo Alfonsín, 68, disse que, ao comentar as provocações mútuas entre o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o novo presidente argentino Alberto Fernández, que toma posse no dia 10, “muitos jornalistas e analistas mal-informados pensam que essa relação de amizade que há hoje esteve aí sempre, mas não foi assim. Antes de meu pai e de Sarney, o clima entre Brasil e Argentina era de uma hostilidade que foi prejudicial a ambos. Custou muito trabalho construir uma boa relação diplomática, política e econômica”.
Ele menciona, por exemplo, que os orçamentos militares de ambos os países, até os anos 1980, contemplavam a possibilidade de um confronto armado, e que, com isso, gastava-se muito dinheiro que acabou não indo para outros investimentos necessários. “Deixamos de fazer obras de infraestrutura nas Províncias do norte da Argentina com medo de um ataque brasileiro. Além disso, o clima nos negócios internacionais era de uma competição aberta, e ambos perdiam”.
Leia mais:Na semana passada, Ricardo Alfonsín publicou uma “Carta aberta a Bolsonaro” no jornal argentino La Nación. Nela, pede uma reunião imediata entre o mandatário brasileiro e Fernández, para que se restabeleça a cordialidade. Diz o texto: “senhor presidente do Brasil, nossos países tem grandes potencialidades, mas também registram, depois de longos anos de recessão, grandes vulnerabilidades políticas, econômicas e sociais. Ambos correm o risco de serem marginalizados em um contexto internacional no qual o eixo do crescimento econômico se deslocou para o continente asiático”.
Ricardo Alfonsín contou que houve muitos encontros entre seu pai e Sarney. “Eles estavam muito animados, apesar de imensas dificuldades, em construir essa relação. Eu me lembro que ia a Brasília com meu pai e o visitava, quando era garoto, e via ambos falarem do futuro. É muito triste ver o que está acontecendo agora.”
O ex-deputado diz que as provocações de Bolsonaro são graves e perguntou à Folha se “o resto da população brasileira pensa como seu presidente sobre o país vizinho”. Depois, disse que Fernández também se equivocou ao pedir, após ser eleito, a liberação de Lula, na própria noite de sua vitória.
“Eu não teria feito isso. Uma coisa é o que você diz antes de ser eleito, outra, o que diz depois.” E acrescentou: “Se eu estivesse no lugar de Fernández, mesmo com vontade de puxar o coro de ‘Lula livre’ entre seus seguidores, eu não teria feito isso, depois de eleito. Mas tampouco esperaria que a reação de Bolsonaro fosse a que foi”.
Antes da eleição, Fernández havia dito que Bolsonaro era “racista, misógino e violento”. Já Bolsonaro, que disse abertamente que torcia pela vitória de Mauricio Macri durante a campanha, depois da eleição afirmou que os argentinos tinham “escolhido mal”, e que não pensava em cumprimentar o presidente eleito.
Ricardo Alfonsín diz que outros atores deveriam entrar em jogo, de ambos os lados, como líderes políticos de distintos partidos, empresários e a própria sociedade. “Se um acordo se frustrar, é preciso que fique claro o que foi feito por cada um para evitar que isso acontecesse. Eu não quero que a responsabilidade de não recompor a relação com o Brasil seja da Argentina.”
Por fim, Ricardo Alfonsín disse que Macri também deveria “fazer algo. O que ele puder fazer para ajudar a promover esse encontro e recompor a relação, deveria fazer”. (Folha de S. Paulo)