Correio de Carajás

Doutor pela USP, endocrinologista fala sobre categoria trans nas corridas

Médico Leonardo Alvares lamenta que mulheres trans, a nível mundial, têm menor acesso ao esporte

Procurado pela Reportagem do CORREIO DE CARAJÁS para falar sobre a disputa de mulheres e trans em uma mesma categoria, o médico Leonardo Alvares, endocrinologista titulado pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, doutor em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e membro da Endrocrine Society, fez várias considerações na entrevista.

Pioneiro no estudo que avalia as capacidades desportivas de mulheres transgênero, Leonardo utilizou o tema como tese de doutorado e a publicação foi feita na British Medical Journal, uma das revistas científicas mais influentes do mundo.

“Foram avaliadas mulheres que são fisicamente ativas, fazem exercícios regulamente, mas que não são atletas profissionais. Além da composição de musculatura e gordura do corpo, também foi avaliada a capacidade aeróbica dessas mulheres. O diferencial desse estudo é a capacidade aeróbica, por exemplo, a capacidade de corrida de uma pessoa. É uma variável muito importante dentro do desempenho desportivo. A musculatura da mulher trans cai, mas não fica igual à da mulher cisgênero. O mesmo foi verificado na capacidade aeróbica. Essa capacidade diminui, mas também não se iguala a da mulher cisgênero. Ou seja, a capacidade delas caiu em relação aos homens cis, mas não chegou a ficar equiparada a das mulheres cis. Então, haveria sim uma vantagem desportiva. É o que a gente tem de mais recente publicado”, detalha o médico.

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O doutor explica que no Brasil, a hormonioterapia com estrógenos só pode ser iniciada a partir dos 18 anos. Por isso, subentende-se que a grande maioria das mulheres trans passou por puberdade masculina e só depois que iniciou a terapia de transição hormonal.

“O objetivo da transição hormonal é diminuir os hormônios sexuais endógenos das mulheres, que é a testosterona. Ou seja, bloquear a testosterona e ao mesmo tempo fornecer os níveis de hormônios femininos que seriam compatíveis com os valores das mulheres cis. As transformações hormonais começam nos meses iniciais do uso da medicação. Nos primeiros três meses a gente consegue observar modificações corporais. Outras demoram três, quatro, até cinco anos para finalizarem”, ressalta, explicando que, recentemente, o Conselho Federal de Medicina fez a liberação para o bloqueio puberal em adolescentes trans. Contudo, isso só pode ser realizado em um Hospital Escola em caráter de pesquisa científica.

Leonardo explica que atualmente as diretrizes mais seguidas em termos de competição para mulheres trans são aquelas promulgadas pela Federação Internacional de Atletismo e pelo Comitê Olímpico Internacional, que são grandes órgãos mundiais do esportismo e acabam sendo os mais seguidos.

Entretanto, Leonardo Alvares afirma que as entidades esportivas não levam em consideração a massa corporal e as alterações fisiológicas porque não há dados suficientes. Segundo ele, o que existem são impressões de que há uma diferença, mas existem poucos dados científicos comprovando essas diferenças, por isso elas não são levadas em consideração.

“A questão técnico-científica e fisiológica do corpo sobre a participação das mulheres trans em esporte é apenas um braço. O próprio Comitê Olímpico Internacional fez uma publicação no início de 2023 que para essa tomada de decisão existem pelo menos dez pontos que deveriam ser analisados para dizer se mulheres trans podem ou não podem competir, como capacidade fisiológica, questões éticas, segregação, inclusão e um estudo para cada tipo de esporte, levando em consideração o nível de treinamento de cada atleta”.

Por fim, Alvares salienta que mulheres trans, a nível mundial, têm menor acesso ao esporte, seja porque não conseguiram fazer educação física no colégio, seja porque não consegue ir a uma academia, não participa de jogos em grupos e por toda a questão de inclusão social.

“A mulher trans perde essa capacidade que o exercício tem de trazer benefícios pra ela, como saúde física e mental. A gente gostaria que todo mundo fizesse atividade física, e sabemos que as mulheres trans têm menor acesso a atividades física, saúde, empregos. Que a polêmica seja levada para as competições internacionais, mas que a gente não esqueça que a população de mulheres trans tem menos acesso ao exercício e aos seus benefícios, e nós como sociedade precisamos incentivar essa inclusão. É preciso diferenciar o esporte amador, de lazer, do esporte competitivo”, finaliza. (Ana Mangas)