Correio de Carajás

Dona Nena fez o mundo ir à Ilha do Combu provar o “melhor brigadeiro”

Conheça a história da empreendedora ribeirinha que transformou o quintal de sua casa em um espaço de negócios de sucesso

Dona Nena criou modelo de bioeconomia em sua fábrica de chocolate no quintal de casa e está fazendo maior sucesso

Ribeirinha, doméstica, agente de saúde, produtora rural, palestrante, empreendedora. Conheça a história da mulher que transformou o chocolate em um grande negócio. Ela é Izete Costa, mas você pode chamá-la de Dona Nena.

O portal Correio de Carajás desembarcou na Ilha do Combu, a quarta maior entre as que compõem a região insular de Belém. Em uma tarde de fevereiro, na capital paraense, marcando 29° de temperatura, a equipe de reportagem pegou um barco no Terminal Hidroviário Ruy Barata para encontrar-se com a entrevistada.

O barco foi com lotação máxima, 20 pessoas ao todo, entre turistas e belenenses que pagaram R$ 20,00 de passagem de ida e volta. O trajeto dura aproximadamente quinze minutos, percorrendo as águas do Rio Guamá, até adentrar no Igarapé Combu. Aos poucos o cenário mudou, a selva de pedras deu lugar à beleza inebriante da floresta.

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Assim que a equipe do Correio de Carajás desembarcou na fábrica de chocolate Filha do Combu, a equipe foi recebida por Maria, que com um sorriso no rosto convidou os visitantes para uma degustação dos chocolates fabricados na Ilha, uma produção orgânica e toda feita no local, desde o plantio do cacau até o refinamento das barras de chocolate, feitas com apenas dois ingredientes: cacau e açúcar orgânico, com intensidades que variam de 55% até o 100%.

Passada a degustação, a Reportagem é recebida por dona Nena para uma entrevista que foi entoada pelo barulho da chuva fina que caía e pelo canto dos pássaros.

A mulher de 60 anos, de estatura mediana e voz firme, conta com alegria a trajetória de sucesso de um negócio que recebe por dia em época de baixa temporada, cerca de 300 visitantes. Já no período de alta, o número chega a mil pessoas entre 9h e 17h, todos os dias.

No local, os turistas se deparam com uma loja em plena floresta que não deixa nada a desejar aos estabelecimentos de Gramado, cidade gaúcha conhecida pela qualidade dos chocolates, em suas variadas formas e texturas como a massa de cacau em barra, o nibs, chocolate em barra, de colher, brigadeiro, além de outros produtos que podem ser comprados pagando tanto no Pix, quanto no cartão, que facilitam a vida do cliente.

Somente no ano de 2024 foram manipuladas três toneladas de chocolate na fábrica. “São números da minha produção, da minha família e de pessoas da comunidade”. Cerca de 80% das vendas são realizadas na loja da ilha do Combu, os outros 20% são vendidos na loja localizada em Belém”, revela.

Os números impressionam e a casa de dona Nena atrai a visita de figuras ilustres de todo o mundo, entretanto, ela confidencia nunca imaginar receber o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado pelo presidente da França, Emmanuel Macron, como ocorreu em 2024. E relembra que a primeira visita de um chefe de Estado em seu quintal foi a do príncipe herdeiro da Noruega, Haakon Magnus, em 2015.

Fábrica de Dona Nena foi visitada pelos presidentes Lula e Macron no ano passado

 

 

Início marcado por dificuldades

Mas nem sempre a vida de dona Nena foi marcada por célebres visitas em busca de apreciar o chocolate feito por ela. A ribeirinha, filha do Combu, compartilha que na época de menina, entre as décadas de 60 e 70, a região, foi marcada pela falta de recursos básicos, como escola e posto de saúde.

Já naquele tempo, as moedas de troca local era o cacau e o açaí, no entanto, a produção não gerava renda suficiente para as necessidades da população, fazendo com que os ribeirinhos buscassem alternativas de emprego na cidade. Para estudar, também era necessário ir até Belém.

Dona Nena passou por diversas profissões ao longo da vida. Foi doméstica e, mais tarde, fez parte do primeiro grupo de agentes comunitários de saúde da Ilha. Aos 45 anos, casada e mãe de duas filhas adultas, ela finalmente viu o sonho tornar-se realidade: transformar o chocolate em uma fonte de renda para ela e para a comunidade.

Ela sempre foi uma mulher obstinada em fazer acontecer. “Eu era taxada de mulher que não parava em casa”, diz, lembrando que enfrentou machismo e preconceito por ser uma mulher empreendedora. “Eu fui contra todas essas regras”, afirma com coragem. E destaca que a revolta por não ter acesso à educação e pela falta de condições para construir um futuro melhor sempre a mantiveram firme. “A dificuldade foi me moldando”, reconhece.

O início da empreendedora não foi fácil, mas ela não desistiu e hoje é referência para outros moradores da ilha

Chocolate com sabor de infância

Em uma das muitas tentativas de dona Nena de buscar melhores condições de vida, ela passou a integrar uma associação, onde começou a fabricar biojoias e a vender os produtos nas feiras de Belém, no entanto, as vendas não surtiram o efeito desejado.

Porém, a oportunidade a fez perceber que muitos participantes levavam o que havia de mais precioso nos quintais.

O que a fez ter a ideia de colocar em prática uma receita de família.  “Apesar da gente pegar o cacau e vender para a indústria, nós também fazíamos o nosso próprio chocolate no pilão, colocando açúcar e depois embrulhando na folha”.

Nena diverte-se ao recordar que as barras rústicas de chocolate foram feitas por ela “contrariando a família, pois diziam que ninguém ia comprar um chocolate embrulhado na folha”.

Para a surpresa dela e da família, o chocolate caiu no gosto dos visitantes da feira, que disseram que o sabor os remetia à infância.

No entanto, o sucesso da barra de chocolate rústico foi interrompido pela vigilância sanitária, que não permitia que o produto fosse vendido, por ser feito no pilão e poder conter resíduos. Mas Dona Nena, como sempre, não se deixou abalar. Encontrou uma solução no moinho manual e continuou com a produção. A demanda cresceu tanto que ela precisou contratar outras pessoas para ajudá-la.

A sexagenária percebeu que o negócio havia dado certo quando, em 2006, a produção das barras de chocolate sequer chegava às feiras, uma vez que os clientes iam até a casa dela para comprar diretamente a produção.

“É um orgulho muito grande saber que estamos produzindo um produto de qualidade”, afirma com um sorriso de satisfação, sabendo que o trabalho duro somado à determinação resultou em um produto que é, hoje, considerado por muitos como um dos melhores chocolates.

Com o crescimento do empreendimento, dona Nena se aprofundou nas técnicas de manejo do cacau. Em 2018, decidiu se aprimorar e viajou até Canela, na Serra Gaúcha, onde cursou chocolateria. Entre suas criações mais notáveis está o brigadeiro batizado como o melhor do mundo, que encantou até o DJ Alok. “Esse é o melhor brigadeiro da minha vida”, disse ele, em visita à casa de Nena.

Café de Dona Nena é visitado diariamente por cerca de 1.000 pessoas na alta temporada

 

Como dona Nena inspira outras mulheres do Combu

Dona Nena emociona-se ao lembrar de um momento que a marcou e a fez refletir que a sua trajetória de luta valeu a pena e, dessa vez, inspirava outras mulheres. “Fui participar de um festival em Medicilândia e uma mulher me chamou para experimentar o chocolate. Ela me disse que começou a fazer chocolate inspirada nas minhas histórias. Saber que mudei a vida de alguém é algo que me emociona muito”.

A história de Dona Nena é um exemplo de superação e força. Ela venceu as dificuldades da vida e, com muito esforço, transformou o chocolate em um símbolo de resistência e desenvolvimento sustentável para a Ilha do Combu.

Mas, a mulher sonhadora continua com os pés no chão, e faz questão de manter os hábitos simples e os amigos por perto. “Sou a mesma pessoa e que gosta de um forrozinho”.

As raízes continuam tão fincadas no Combu, que Nena cresceu, mas permanece no mesmo terreno onde foi construída a primeira casa dela, mas que hoje funciona um café para os turistas. Por isso, uma nova residência foi construída. O local também abriga a fábrica de chocolate, um museu e a loja onde são vendidos os produtos.

No quintal de Nena é cultivada uma plantação de cacau usada na produção de chocolates e uma imponente sumaúma.

Para ela, é a volta dos quintais, aonde as pessoas vão em busca de produtos feitos com qualidade e naturais.

COP 30

Sobre a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que Belém sediará neste ano, dona Nena avisa não querer fazer projetos mirabolantes, justamente por se preocupar com o que oferecerá pós-COP, todavia, vai investir na melhoria de alguns espaços do local para abrigar com qualidades os turistas. “A gente quer melhorar, mas não especificamente para a Confederação, mas para toda a vida”.

No entanto, Nena pontua que o mundo terá a oportunidade de conhecer uma floresta de pé, rica na fauna e na flora, com um grande potencial de desenvolvimento sustentável.

Dona Nena: “A gente quer melhorar, mas não especificamente para a COP-30, mas para toda a vida”

 

Apaixonados por chocolate        

O casal Gabriela Alves e Gabriel Rodrigues, moradores de Brasília, visitaram a Ilha do Combu pela primeira vez, e uma das paradas foi reservada à compra dos chocolates. E aproveitaram para levar na bagagem de volta para a casa.

Casal de Brasília se encanta com o sabor do chocolate do Combu

 

Já a pequena Ana Laura Nunes, de apenas cinco anos, é cliente fiel da dona Nena. O pai, Alan Sérgio Costa, levou a menina para comprar o brigadeiro da dona Nena. A família tem casa na Ilha, mas são moradores de Belém. A qualidade do produto sempre os faz voltar.

Belenense de apenas 5 anos, Ana Laura, é cliente fiel do Filha do Combu, e sempre compra brigadeiros cobertos com nuts

 

 

SAIBA MAIS SOBRE A ILHA DO COMBU

A população gira em torno de 1.500 habitantes que vivem da pesca, do extrativismo e do turismo.

Na Ilha do Combu existem cinco comunidades: Beira Rio Guamá, Igarapé do Combu, Furo da Paciência, Igarapé do Piriquitaquara e Furo do Benedito.

A ilha é uma Área de Proteção Ambiental, sendo oficializada como em 1997. O órgão gestor da APA é o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio).

(Theíza Cristhine)