Correio de Carajás

Dois irmãos, duas histórias, o mesmo fim: ilustres desconhecidos em Marabá

Só em jornais e revistas do passado distante – guardados em museu – os irmãos Hélius Cézar de Monção e Hiran Célio de Monção ainda podem ter suas histórias conhecidas. O pai de ambos, Alfredo Rodrigues Monção, foi prefeito de Marabá entre os anos de 1948 e 1951 e era culto, poeta e autodidata.

Ainda falando um pouco sobre o patriarca da família Monção, Alfredo foi proprietário do Castanhal Piranheira e trouxe para Marabá o barco “Pedrina” (nome de sua irmã), que revolucionou o transporte naquela época, marcado, principalmente, pelo batelão e balsas de buriti.

Outro marco importante é que Alfredo instalou, juntamente com Sérvulo Brito, o primeiro cinema em Marabá, denominado de “Cine Independência” (antes mesmo do Cine Marrocos), que funcionou na Praça Duque de Caxias, esquina com a Travessa Carlos Leitão, sede da Agência da Caixa Econômica por várias décadas. Pouco antes de morrer, em 1951, já bastante doente, Alfredo Monção renunciou ao cargo de prefeito. Seu nome está marcado em uma avenida importante entre a Rodovia Transamazônica, cortando os bairros Cidade Nova, Belo Horizonte, indo até o Bairro da Paz.

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Embora ele tivesse cinco filhos, Hélius e Hiran também produziram poesias, mas não tiveram os nomes emprestados a nenhuma praça, rua, sala ou qualquer outro espaço público.

Ofício da Câmara de Marabá aceitando a renúncia e reconhecendo o trabalho de excelência de Alfredo Monção

Hélius Cézar de Monção nasceu em Marabá, em 3 de abril de 1928, sendo o filho caçula de Alfredo Monção e dona Primênia Melo de Monção. Cursou o ginásio na Escola Paes de Carvalho, em Belém, e ficou por lá até o terceiro ano da faculdade.

Trabalhou na Folha do Norte (hoje Jornal O Liberal), onde entrou como “foca” e tornou-se experiente jornalista, orientado por Paulo Maranhão, diretor e fundador do periódico.

Em Marabá, foi adjunto de promotor durante cinco anos, na década de 1960, quando era juiz o Dr. José Anselmo Figueiredo Santiago. Também em Marabá, foi diretor do Jornal O Democrata, de propriedade de Aziz Mutran Neto, fundado em 1º de novembro de 1966.

Em 1989, Hélius doou à Fundação Casa da Cultura de Marabá vários documentos importantes de seu pai, quando era prefeito da cidade, entre os quais fotografias e artigos publicados por eles. O jornalista e escritor faleceu em 24 de maio de 2001, aos 73 anos de idade.

Hélius tem poesias publicadas em vários jornais e revistas, como “O Marabá” e “Progresso”, além do próprio Jornal Correio do Tocantins. Entre suas poesias, destacamos “Evocação”, dedicada ao seu irmão, cuja história contaremos a seguir.

NOSSO AUGUSTO DOS ANJOS

Hiran Célio de Monção era o segundo filho de Alfredo Monção, portanto, mais velho que Hélius. Nasceu em setembro de 1922, estudou em Belém até a quinta série, mas abandonou os estudos para ingressar na Marinha e serviu a Pátria durante três anos, no Rio de Janeiro. Mas passado esse período, deu baixa e retornou a Marabá.

Era um homem de alma boêmia, bom cantor e violonista, mas embora o espírito fosse alegre, sua alma era triste, assim como sua poesia, chegando mesmo à tragédia. Seus contemporâneos o comparavam a Augusto dos Anjos (poeta brasileiro do pré-modernismo), retratando o gosto pela morte, pela angústia e o uso de metáforas que apontam para ambas.

Embora tenha produzido muitos poemas, poucos deles ficaram registrados para a posteridade. As revistas Safra e Itatocan ainda publicaram alguns, que nitidamente estão eivados de melancolia profunda.

Hiran de Monção deu fim à própria vida em 9 de janeiro de 1941, na casa dos pais, na avenida Marechal Deodoro (na Orla do Rio Tocantins), com um tiro de revólver.

Onze anos depois, na Revista Itatocan, Antônio Morbach descreveu, em sua visão, a figura de Hiran de Monção:

“O poeta atormentado

Êmulo de Augusto dos Anjos, Hiran de Monção trazia, na alma, um continuado desespero. Seus versos, ou traduziam o desencanto ou a revolta. Moço, sem lhe pesar os problemas financeiros, tendo à frente a longa estrada da vida nunca tão honrosa que mereça ser abandonada, não podemos compreender de onde vinha, para esse cantor, o tremendo drama que ele não pôde suportar. Não pode, ou não quis. Certo é que um dia, sem deixar suspeitar a tragédia fatal, depois de ter cantado com sua bela e harmoniosa voz, uma valsa romântica, pôs, com uma bala, o ponto final a sua vida”. (Itatocan, 11 de outubro de 1952).

Abaixo, selecionamos três poemas: um do pai Alfredo Monção, um de Hélius e um de Hiran de Monção (certamente o melhor deles), para que você, leitor, faça a própria avaliação. (Ulisses Pompeu)

É TARDE…MUITO TARDE!

Hiran de Monção

Tarde da noite. Acordo em sobressalto.

Fumo um cigarro. Abro a janela e fito

A lua que, de bruços no infinito,

Se reflete no asfalto.

Um manto de silêncio e de abandono.

Protege, ampara, ajuda e envolve o sono

Das ruas da cidade…

…E dentro desta calma,

Com os cães da dor, ganindo, dentro da alma,

Sozinho e insone eu velo

E tento refazer o meu castelo

Com as pedras que venceram a tempestade,

Com as cartas da esperança e da saudade! …

Na tela estraçalhada da memória

Eu recomponho

A desgraçada história

Do meu último sonho…

E sinto

A febre revoltada no instinto

Insatisfeito

E faminto

Ardendo no meu peito

E vejo

A mentida expressão do teu deus

E a fingida emoção

Do teu primeiro beijo,

Falso beijo de Judas! …

E descem dos meus olhos gotas d’água

À proporção que aumenta minha m’água

E aumenta a solidão das horas mudas.

Vencido e só, desesperado e triste,

Tento apagar o fogo que ainda existe,

A chama que ainda arde…

Inútil tentativa. Essa tristeza infinda

Não mais se acaba, nunca mais se infinda…

É tarde…é muito tarde!…

Marabá – dezembro de 1942

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EVOCAÇÃO

(À memória do mano Hiran, nesta triste data em que choro o 1º decênio de sua morte)

Hélius de Monção

Se tua existência tornou-se uma desdita,

Filha por certa dessa inglória luta,

que empreendemos, ferozes, na disputa

eterna até o fim da nossa vida;

Se, outras vezes, choraste revoltado,

Tendo no peito a dor da desventura,

Pensando que talvez a sepultura

Servisse pra salvar um teu pecado;

Poderás, mano, olhando esta visão

Triste de um mundo em que a hipocrisia

Domina em toda a sua imensidão

Sentir também que choro e ansioso espero

Ter, algum dia, a divina e sã alegria

De abraçar-te feliz – que mais quero.

Marabá, 9 de janeiro de 1953.

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MÃE

(Perpétua homenagem à memória de Dona Ana Maria Pereira de Miranda Monção – minha mãe querida)

Alfredo Monção

Mãe! Definir quem há de esta expressão

sublime que transcende a alma da gente?

Divina, sim; maior consolação

Vinda de Deus no feito onipotente!

Mãe! Gênese do bem, da Redenção!

Fonte vivaz de amor condescendente:

Minha Nossa Senhora da Paixão,

Todas as mães são santas, Mãe Clemente!

Se eu pudesse rever minha mãezinha

Nas rezas que ensino ao pé do leito,

Quando os filhos guiava para o sonho,

A vida, que a calúnia me espezinha,

Avivaria mais luz dentro em meu peito

Para vencer a noite que transponho.

Outubro de 1930