Correio de Carajás

Do rádio de Marabá para a Itália: a nova vida de Letícia Jukà

Quando decidiu trocar Marabá por Verona, na Itália, há exatos oito anos, Letícia Jukà (com acento agudo às avessas mesmo) tinha uma dor no coração: abandonar seu programa no rádio, trabalho que havia exercido durante 22 anos aqui na terrinha de Francisco Coelho. A baixinha de voz impactante não imaginava, contudo, que o rádio não a abandonaria. Depois que chegou à Itália, precisou instalar um estúdio para gravar spots e atender os pedidos de anunciantes de Marabá, que queriam manter suas peças publicitárias com a voz de ouro da baixinha.

O vício do rádio está impregnado no sangue de Letícia. Outros quatro filhos de seu Otávio Jucá com dona Rosa – lá da Folha 27 – construíram carreiras marcantes nas ondas da radiodifusão e têm atuação destacada em programas locais.

Além de relembrar os templos gloriosos do rádio, Letícia conversou também na entrevista concedida ao jornalista Ulisses Pompeu sobre sua nova família no novo País, os aprendizados com a culinária italiana, como vai precisar permanecer no Brasil por mais um mês enquanto a polêmica sobre o coronavírus esfria na Itália e, ainda, a saudade que sente de Marabá.

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CORREIO: Você vem de uma família de comunicadores. Quais são seus irmãos que atuam com a radiodifusão?

Letícia Jukà: Tudo começou através do meu irmão mais velho, o Jucá Neto, que é o primogênito da família e trabalhou na TV Marabá, o primeiro canal de televisão do município. Depois dele, na sequência, veio o Zeca Moreno. Em seguida, eu entrei nesse meio pelo Grupo Liberal, em 1992. Depois veio o Djalma, que trabalhou na TV Bandeirantes, e o Leverson Oliveira, que está com vocês aqui na Rádio Correio FM 92. Ele (Leverson) começou como operador de áudio e viu, através de participações na rádio, que aquela era a sua vocação, aos 14 anos.

A família de radialistas: Letícia os irmãos Jucá Neto, Zeca Moreno e Leverson Oliveira, além da mãe, dona Rosa

CORREIO: Como foi o seu início na rádio que te consagrou, no caso, a Liberal FM?

Letícia  Jukà: Quando entrei, comecei gravando vinhetas na antiga Rádio Itacaiunas, porque algumas pessoas ligavam para a minha casa para falar com o Jucá Neto e eu atendia o telefone. Nisso, os diretores daquela rádio ouviram a minha voz e me chamaram para gravar uns spots (anúncios para rádio). “Caramba! A voz da tua irmã que atende o telefone é incrível. Será que ela não aceita gravar pra gente?” Era o que a equipe da transmissora falava para ele. E foi acontecendo. A primeira gravação, eu lembro como se fosse ontem, foi da antiga companhia aérea Varig, que naquele tempo era um fenômeno da aviação.

CORREIO: Você também fazia a cobertura esportiva na rádio. Como era isso? Faço esta pergunta porque, pelo menos naquela época, não era comum ver mulheres fazendo análise dos jogos, ainda mais tão bem quanto você.

Letícia Jukà: Eu gostava muito de esporte, devido ao meu pai ser um ‘louco’ por futebol, um torcedor nato do Paysandu. Como eu ouvia muito o rádio com ele, passei a entendo bastante de futebol, das regras, então comecei a participar de um programa esportivo na rádio, junto com o apresentador. Lá eu comentava os jogos. Em paralelo a isso, eu trabalhava na contabilidade de uma transportadora, veja só. Eu era uma contábil, ainda sou. Foi nesse período que me chamaram para a Liberal.

CORREIO: E aí? Como foi para se desligar da Itacaiunas e migrar para o grupo da Capital?

Letícia Jukà: Eu ganhava muito bem na empresa onde eu trabalhava com contabilidade, acho que três vezes mais do que na rádio, que era uma ocupação paralela. Então, o que eu fiz para não negar o convite? Eu disse assim para o diretor que sair de onde eu estou para ganhar esse salário proposto não dá. Mas era um sonho fazer rádio, ter meu espaço próprio, porque aquilo estava no sangue.

Mas propus ao diretor para ele me colocar em programa da noite. Nunca uma mulher tinha apresentado um programa chamado Good Times, pertencente ao Sistema Globo de Rádio. Esse programa seguia um padrão e, tradicionalmente, era apresentado só por homens. E o diretor aceitou o desafio e disse que no dia seguinte eu estrearia. Isso era 31 de março e a minha estreia foi no dia 1º de abril.

No dia da estreia, cedinho, o diretor me ligou e falou: ‘Hoje você estreia. Preparada?’. Eu, em tom descontraído, respondi: ‘Se você me falar isso amanhã eu acredito’, porque era o Dia da Mentira, afinal. Meu horário era das 19 horas até 1 hora da madrugada. Eu precisava estar na empresa às 8h. Essa foi a minha rotina durante sete anos, até quando a transportadora foi para Belém e eu escolhi a rádio porque, àquela altura, o que eu ganhava lá ultrapassava salário da empresa. Foram 22 anos de rádio.

CORREIO: Você ficou esse tempo todo na rádio. O que aconteceu para sair?

Letícia Jukà: Eu já estava com 22 anos na rádio, como falei. Muita história para contar, porque eu me dediquei e fiz isso com bastante amor. Tudo aquilo que eu me disponho a fazer tem que ter amor, senão nem começo. Mas chegou um período em que eu estava um pouco down (triste) e decidi mudar minha vida, porque me senti um pouco descontente com certas situações na rádio. Então, o meu marido (Flávio Schiavo), que eu conheci em uma das minhas viagens pelo mundo, especificamente em Milão (na Itália), teve um infarto. Juntando essa problemática e o apelo do meu marido, que naquele tempo era meu noivo, para que eu me mudasse para a Itália, escolhi me jogar do alto da montanha, buscar um novo destino. Fui para lá, onde moro até hoje.

CORREIO: Como a equipe da rádio recebeu a notícia da sua saída?

Letícia Jukà: Eu avisei o diretor com um mês de antecedência. Isso o deixou em choque, assustou todo mundo, porque eu era âncora da emissora, e aí eles começaram a fazer outras propostas, até que perceberam que era uma decisão definitiva: mas avisei aos meus clientes que continuaria gravando os spots, mesmo de longe, e assim continuei trabalhando com rádio. Hoje eu tenho uma página no Facebook, até, para continuar mantendo contato com o público que por tantos anos me acompanhou.

CORREIO: Você vem a Marabá com que periodicidade?

Letícia Jukà: Varia muito. É que nesse período, desde que eu deixei Marabá, alguns acontecimentos me chocaram muito, como a morte de meu pai (Otávio Jucá). Isso me abalou profundamente no segundo ano em que eu estava lá (na Itália), porque ele era o meu maior fã, meu maior incentivador desse trabalho na rádio e para eu jogar futebol. Não que eu me arrependa de ter deixado a cidade para viver na Europa, mas me abalou muito não ter acompanhado os últimos momentos da vida dele.”

CORREIO: É verdade que você jogava futebol?

Letícia Jukà: Sim, joguei. Eu tenho cinco irmãos, então para superar toda aquela masculinidade que havia na minha casa, eu tinha que praticar a mesma coisa que eles. O meu pai me incentivava a jogar bola e a fazer coisas que os meninos faziam para que não me sentisse sozinha. Só depois dos dez anos de idade que nasceu a minha irmã caçula, mas foi uma guerra com os meninos sempre.

CORREIO: Onde você mora lá na Itália?

Letícia Jukà: Eu moro em Verona, que é a terceira cidade mais importante da Itália. É a cidade de Romeu e Julieta, frequentada por milhares de turistas diariamente. Mas não é lá onde está acontecendo o coronavírus, não”.

CORREIO: O seu marido trabalha em que segmento?

Letícia Jukà: Ele é empresário e eu o ajudo com o marketing das lojas.

CORREIO: Como o coronavírus tem impactado a vida de vocês?

Letícia Jukà: O adiamento da minha viagem se deu justamente por isso (o coronavírus), pela fragilidade em que eu estou devido à minha família, e a cidade toda sabe o que aconteceu (o sobrinho dela morreu em acidente de trânsito recentemente) e por questão de segurança. Eu deveria voltar para Verona no dia 10 de março e o meu marido adiou a minha volta para o dia 10 de abril. Meu marido voltou logo por causa dos compromissos de trabalho.

Mas na minha avaliação, toda essa tragédia global que a imprensa está noticiando, para quem vive lá, não é bem assim. Tem muita desinformação, fake news e essa psicose que vem envolvendo o mundo não existe. Temos que ver os números: a cada 100 casos, 80 melhoram espontaneamente, sem a necessidade de se deslocar a uma unidade hospitalar para um possível tratamento.

CORREIO: Em que temperatura você vive por lá? É frio, como fez para se adaptar?

Letícia Jukà: Confesso que sou mais adaptada ao frio do que ao calor. Às vezes, as pessoas de lá até me tiram de tempo, dizendo: ‘Ah, mas você é do Norte, como que vem reclamar de calor aqui? Então é isso, eu gosto muito do frio e me adaptei bem ao clima da Itália.

CORREIO: Agora falando de comida, do que você mais sente falta na Itália?

Letícia Jukà: “Eu sinto falta da galinha caipira, do açaí, do peixinho com farofa, da cervejinha bem gelada e do feijão com arroz. Ah, como sinto falta, porque lá você nunca verá o arroz com feijão em um mesmo prato. Se é feijão, é só feijão; e se é arroz, é no risoto. (Ulisses Pompeu)