A hemorragia pós-parto (HPP) é a principal causa de mortalidade materna em todo o mundo. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que cerca de 70 mil mulheres morrem todos os anos devido ao sangramento excessivo que pode ocorrer até seis semanas após o procedimento. Um dos desafios dos médicos é detectar a ocorrência da HPP antes de se tornar uma emergência. Uma tecnologia vestível desenvolvida por pesquisadores da Washington University in St. Louis, nos Estados Unidos, poderá ajudar nesse processo, acusando a maior vulnerabilidade durante ou após o trabalho de parto.
O aparelho foi projetado para ser usado no pulso e monitorar continuamente uma diminuição no fluxo sanguíneo. Essa informação funciona como um indicador precoce de que um sangramento intenso está ocorrendo em alguma parte do corpo. A solução tecnológica utiliza o laser speckle flow index (LSFI) — índice de fluxo de manchas a laser, em tradução livre — para detectar a vasoconstrição periférica, um processo de contração dos vasos induzida por hemorragias, diminuindo o fluxo de sangue.
Uma pequena câmera acoplada no dispositivo mede os reflexos da luz laser na pele. Quando esse sistema é colocado sobre algo parado ou em movimento, surgem padrões de manchas que podem ser visualizados na tela do computador. “Quanto mais rápido as células sanguíneas se movem, mais rápido é o brilho. Podemos quantificar a extensão desse brilho para medir o fluxo sanguíneo”, exemplifica Christine O’Brien, líder da equipe de pesquisa.
Leia mais:Nos testes iniciais do dispositivo, os pesquisadores montaram um modelo oco para simular um vaso sanguíneo. Por meio dele, fluía um líquido que imitava o sangue. Ao alterar a taxa de fluxo do líquido, a equipe observou que o dispositivo foi altamente sensível às alterações nas condições fisiológicas. Em uma segunda etapa, eles conduziram um estudo de hemorragia e reanimação em um modelo animal suíno. Os resultados, publicados recentemente na revista Biomedical Optics Express, mostraram que, à medida que os animais perdiam sangue, o dispositivo detectava diminuições contínuas e quase imediatas no fluxo sanguíneo.
Além disso, na maioria das cobaias, o dispositivo mediu um aumento no fluxo sanguíneo durante a injeção intravenosa de solução salina, indicando que o volume adicionado ajudou a aumentar o fluxo sanguíneo. Segundo os autores, isso indica que o sensor de imagem pode ser usado para monitorar pacientes em busca de sinais precoces de hemorragia pós-parto e também rastrear sua resposta aos esforços de ressuscitação.
Testes
Professor de engenharia do Instituto Federal de Brasília (IFB), Yuri Cesar de Toledo acredita que a tecnologia deveria ser combinada com o índice de choque, que avalia a frequência cardíaca e a pressão arterial nos casos de hemorragia. “O novo método se mostrou mais eficiente que o índice de choque, o monitoramento da pressão arterial e o monitoramento da frequência cardíaca. Dentro desse contexto, seria interessante adicionar o método ao monitoramento com o índice de choque”, justifica.
Na avaliação de Filipe Tôrres, engenheiro biomédico pela Universidade de Brasília (UnB) e membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), apesar de o aparelho ser mais barato e simples de operar, são necessários mais testes com situações reais para validar o seu desempenho. “Para comparações, o dispositivo deve ser testado em pessoas saudáveis e em casos reais de gravidez. É preciso, também, levar em conta variáveis que possam alterar os resultados, como artefatos causados por movimento e a variedade de níveis de pigmentação da pele.”
Segundo O’Brien, há a expectativa do grupo de que o dispositivo seja utilizado para identificar outras doenças e verificar alterações de remédios no sangue. “Muitos medicamentos e agentes anestésicos afetam os vasos periféricos, e essa ferramenta pode ser usada também para medir como um paciente responde a certos tratamentos que podem afetar sua saúde vascular”, indica. “Além disso, essa tecnologia pode medir a frequência cardíaca e formas de onda pulsátil associadas ao ciclo cardíaco.”
Agora, os pesquisadores trabalham em novos protótipos que usam uma bateria de maior duração e um laser menor, mais estável e com menor potência para fornecer resultados mais rápidos. A equipe também planeja testar o dispositivo em mulheres grávidas de países com altas taxas de mortalidade devido à HPP. A previsão é de que o ensaio clínico ocorra nos próximos meses. “Pretendemos fazer estudos extensos em seres humanos e planejamos investigar os efeitos de medicamentos comuns administrados durante o trabalho de parto e na recuperação pós-parto para ajudar a orientar a interpretação dos dados do dispositivo”, adianta O’Brien.
* Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Detecção precoce
“A hemorragia materna ocorre, normalmente, por uma dificuldade de contração do útero após a saída do bebê e da placenta. Ela pode ser evitada prevenindo fatores de risco, como aumento do líquido amniótico, fluido que envolve o bebê durante a gravidez e bebê grande para a idade gestacional. A HPP é detectada por meio da adequada quantificação da perda sanguínea durante e após o parto, assim como a monitorização dos sinais vitais e da contração uterina no pós-parto imediato. Devido a alterações fisiológicas próprias da gestação, a mulher precisa perder muito sangue para ter alterações de seus sinais vitais, como pressão arterial e frequência cardíaca, o que, frequentemente, leva a uma demora no diagnóstico da hemorragia. Essa nova tecnologia pode identificar sinais precoces de hemorragia, antes que os sinais vitais se alterem, trazendo maior segurança para as pacientes.”
Jessica Othon, médica ginecologista da Maternidade do Hospital Santa Lúcia
Chip avalia efeito de antibióticos
Pesquisadores da Shandong University, na China, desenvolveram um microdispositivo capaz de realizar testes de sensibilidade a medicamentos para combater infecções na corrente sanguínea em cerca de três horas. Em uma prova de conceito, o chip foi utilizado para realizar testes de Suscetibilidade Antimicrobiana (AST), um exame tradicional para detectar a resistência aos antibióticos que leva de dois a três dias para ficar pronto. A equipe analisou o desempenho do dispositivo em amostras contendo Escherichia coli, testando o micro-organismo contra 18 antibióticos. Os resultados, publicados na revista Analytical Chemistry, mostraram que o chip conseguiu emitir respostas em menos de quatro horas. Além disso, apresentou concordância categórica de 93,3% com métodos clínicos padrão. Segundo os autores, isso significa que o dispositivo é confiável para ser utilizado em diagnósticos clínicos e fornece uma solução rápida para o pré-tratamento.
(Fonte: Correio Braziliense)