Ele nasceu em Marabá, no ano de 1995. Há quem pense que não tenha ainda história para contar, mas o jovem Gustavo Ramos da Silva – pode chamá-lo de Senhor Ramos – leva na bagagem as delícias de viver uma infância nômade por sete casas no núcleo Cidade Nova e tem escrito sua história nas redes sociais.
Aos 24 anos de idade, Senhor Ramos não é o mais famoso digital influencer de Marabá, mas tem conteúdo criativo e é autêntico. Curiosamente, no Instagram, seu perfil pessoal não é o mais acessado, mas o de Malcolm, um cão salsicha em que Ramos grava, edita e dubla os vídeos do animal – mas há gato também.
Grande parte de seus seguidores é composta por jovens de 14 a 24 anos e os vídeos dele chegam à marca de 50 mil visualizações. Ao ser questionado se se considera da classe média, ele ri e diz que sim, mas da classe média baixa”.
Leia mais:Voltando no tempo, a primeira lembrança que ele tem da infância é onde morou em uma casa no bairro Laranjeiras, núcleo Cidade Nova, com o pai e a mãe. Recorda que era levado para a escola (maternal e jardim) em uma cadeirinha acoplada no guidão de uma bicicleta.
Naquela fase, recorda, sua mãe, uma professora, costumava preparar ovos mexidos e banana frita para o café da manhã, antes de ele ir para a escola. Recentemente, ela fez a mesma comida para ele. “Isso me fez retornar àquele período tão feliz. Há muito tempo eu não sabia o que era comer algo que trouxesse satisfação”, narra.
Quando sua mãe se separou do pai, ele foi morar com ela na Cidade Nova, em uma casa simples localizada na Avenida Frei Raimundo Lambezart, perto do Sesi. “Nós moramos naquela casa, pelo menos, uns cinco anos. Pegou uma fatia bem importante da minha infância, por isso as minhas maiores recordações e memórias são de lá”, diz.
Ele e a mãe sempre moraram de aluguel e, por isso, mudaram tanto de endereço, se desligando afetivamente da rua e dos amigos. Na Frei Raimundo, fiz amizade com a vizinhança, principalmente com os meninos mais novos, com quem eu brincava na rua. A gente tinha tempo para futebol, carrinho, boneco, herói, e ao meu lado havia o Rodrigo, que gostava de Michael Jackson, nome que nunca havia chegado aos meus ouvidos antes”, confessa.
Senhor Ramos conta, também, que sua mãe o proibia de sair em certas ocasiões, mas ele desobedecia e fugia de casa montado numa BMX para a frente do Sesi. “Não tinha lei de trânsito para mim. Eu era um ‘louco’ mesmo. Já me machuquei várias vezes, batia nas árvores, quase fui atropelado, enfim, coisas de criança que não tinha muita noção, mas eu gostava”, relembra.
Também na fase de criança, ele e sua mãe iam cedo para a praia do Rio Itacaiunas. “Ela fazia um sanduíche naquelas sanduicheiras de fogão. Tenho uma lembrança muito boa do cheiro daquele sanduíche, da água e do Tucunaré”.
CINEMA NA LEOLAR?
Gustavo sonhava com um cinema em Marabá na sua infância, mas não havia. O Cine Marrocos já havia fechado há muitos anos e o Cine A e Moviecom não estavam nem no mapa da cidade. “Para mim era uma coisa inalcançável, fantástica. Até eu viajar para São Paulo, onde frequentei o cinema pela primeira vez, para assistir ao filme ‘007 – Um Novo Dia Para Morrer’. Foi a primeira vez que eu tive acesso a uma tela escura, um áudio muito massa. Foi uma experiência muito gostosa”, recorda.
Apaixonado pelo cinema, ele queria que os seus colegas e a vizinhança se defrontassem com a mesma realidade por ele vivenciada em São Paulo. “Por muito tempo nós vivemos com o mito de que o Leo (Leonildo Borges Rocha) colocaria um cinema dentro da Leolar da Cidade Nova e aquilo nos enchia de esperança. Aí ele (Leo) abria um andar novo e nós pensávamos: ‘Olha, vai ser ali o cinema!’. Hoje, parando para pensar, não tinha razão de um cinema ser inaugurado dentro de uma grande loja, do nada. Mas foi uma ilusão boa e para nós fazia sentido”, sorri.
Quando criança, ele conta que as músicas internacionais eram os atrativos que chamavam seus ouvidos aguçados “para a boa música”. É porque ele não gostava das canções regionais, como o brega, o tecnobrega, o melody e o próprio fenômeno calypso. “Eu tinha, confesso, certo preconceito (com os ritmos paraenses). Mas com o tempo nós vamos amadurecendo e percebendo a importância da cultura local, dos traços regionais, e hoje eu arrisco até dançar esse som que integra uma cultura riquíssima do nosso Estado”, revela.
Gustavo quebrou de vez o preconceito com a música local e se diz fascinado com os ritmos paraenses. A música “Te Encontro em Marabá”, de Roberto Villar, é, para ele, o mais marcante e apaixonante som da música regional. “Foi a música que me despertou de vez e me encorajou a assumir meu amor pelo brega. Eu gosto muito de brega, principalmente por essas memórias de infância, quando era o ritmo que tocava”, comenta.
Sobre sua relação com a internet, que o consagrou com o clipe “Classe Média Sofre”, o qual foi ao ar no ano de 2013 pelo YouTube e, principalmente, pelo Facebook, ele conta que teve acesso à internet discada já em 2005, quando tinha dez anos de idade.
Antes de se lançar na ferramenta digital, produzia clipes na sua escola, o Colégio Monte Castelo, onde cantava sobre o cotidiano escolar e relata que sua primeira obra viral foi um RAP baseado no artista Gabriel, o Pensador. A música, rimando os nomes de colegas e professores, repercutiu através do bluetooth, uma das mais utilizadas em tempos de celulares “de botão”.
Mas ele não queria que a música ficasse apenas entre os colegas de escola. Ele pensava mais alto. Foi quando decidiu produzir um novo material, dessa vez dedicado ao município, falando sobre a realidade da juventude e da classe média marabaense. “Antes, eu pensei bastante em produzir essa música. Eu queria falar de Marabá, mas queria mais ainda fazer algo que ninguém se propôs a fazer. A intenção era que fosse uma música crítica, mas que também tivesse uma pegada humorística. Então, surgiu “Classe Média Sofre”, inspirada no Cauê Moura (youtuber), versão marabaense. Eu deixo muito claro para não ter confusão (com direitos autorais)”, narra Gustavo.
O jovem, que está namorando, pretende abrir um negócio na cidade e constituir família. “Eu nunca imaginei que Marabá poderia ser um lugar turisticamente interessante, mas aí de uns tempos para cá, comecei a perceber o oposto. Marabá tem muito potencial sim”, avalia ele, que tem contrato com a Grande Amigo Petshop.