Uma linha única por si só é frágil e possui uma estrutura mais fácil de arrebentar. No entanto, uma linha quando está entrelaçada a outras torna-se mais forte e, consequentemente, mais difícil de se partir. Não. Não estamos falando de costura. O assunto é saúde mental, e essa é uma metáfora utilizada pelo psicólogo e professor de da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Goiás, Pedro Igor Pereira, para explicar a necessidade de uma rede de apoio e da psicoterapia na prevenção do suicídio.
“Os dias eram sempre cinzas e iguais, começavam e terminavam da mesma forma, não existia uma única faísca que levasse o mínimo de luz para os meus olhos e então iluminasse meu coração. Eu já não conseguia enxergar motivos ou, se quer, vontade de continuar”, relata Júlia Arantes, sobrevivente do considerado mal do século: a depressão.
A jovem de apenas 27 anos é estudante de nutrição e, hoje, consegue enxergar propósitos e estabelecer metas que, antes, eram impossíveis e inimagináveis com a doença. Ela cita a condição como o maior obstáculo que já precisou enfrentar, considerando todas as três vezes que tentou desistir pois o peso da tristeza parecia árduo e solitário demais para continuar carregando.
Leia mais:Júlia faz parte de uma pequena parcela de remanescentes que tiveram uma segunda chance e podem dar seus testemunhos da volta por cima. A situação do Brasil vai à contramão de boa parte do mundo, que viram os números de suicídio caírem nas últimas décadas. De acordo com o DataSUS, nos últimos 20 anos os suicídios subiram de sete para 14 mil entre os brasileiros, configurando mais de um a cada hora. O número chega a superar mortes por acidentes de moto no mesmo período.
“Quando uma pessoa decide terminar com a sua vida, seus pensamentos, sentimentos e ações são muito restritivos, ou seja, ela pensa constantemente sobre o suicídio e é incapaz de perceber outras maneiras de enfrentar ou de sair do problema. Essas pessoas enfrentam rigidamente a distorção que o sofrimento emocional impõe. O suicídio é uma solução definitiva para um problema temporário”, explica Pedro Igor.
Perder o interesse por atividades que gostava antes, se isolar, se entristecer persistentemente, ficar agressivo ou irritadiço sem motivo, se sentir entediado constantemente, dormir muito ou ter vários episódios de insônia, variar excessivamente o humor, pensar com frequência em morte, achar que os outros ficarão melhor sem você, que é um problema e que nada e ninguém pode ajudar são sinais que precisam de atenção, pois indicam que algo está errado.
É aí que entra a psicoterapia. Como uma forma de prestar um papel fundamental no combate ao suicídio, através da adoção de medidas terapêuticas desenvolvidas a partir de ferramentas adequadas e aplicadas por profissionais de saúde mental. De acordo com o psicólogo, através da terapia se tem uma escuta qualificada que pode acolher e fomentar a fala e a expressão de emoções e sentimentos, fundamentais para enraizar o equilíbrio mental e a qualidade de vida necessária para a pessoa presente.
Este tipo de terapia vai muito além de tratar problemas psicológicos como a depressão e a ansiedade, por exemplo. Trata-se de um procedimento científico colaborativo usado para auxiliar as pessoas em várias situações por meio do reconhecimento e desenvolvimento do autoconhecimento e crescimento pessoal que são necessários para enfrentar tarefas do cotidiano e vida dos seres humanos.
Pedro Igor esclarece que a saúde mental se refere a um estado de bem-estar em que o indivíduo consegue usar suas próprias habilidades para lidar com obstáculos, ser produtivo e estar apto a contribuir para sua comunidade. Ser produtivo, nessa perspectiva, diz respeito não só a ser funcional no trabalho ou ocupação, mas também conseguir desempenhar os vários papéis que se tem na vida, com o de pai/mãe, esposo(a), filho(a), namorado(a), amigo(a), entre outros.
Logo, a saúde mental é uma parte integrante e essencial da saúde geral, sendo muito mais do que a ausência de transtornos mentais: “Não há bem-estar sem saúde mental, o que a torna algo inerente. Ela é extremamente importante para o ser humano, se configurando como uma preocupação vital dos indivíduos em promover, intervir, manter e restaurar o bem-estar cognitivo em todo o mundo”, elucida.
Família, amigos, cônjuges, animal de estimação e colegas de trabalho configuram uma rede de apoio, para além da psicoterapia e essas figuras podem auxiliar a vítima dessa doença silenciosa, no que ela estiver passando. Se fazer presente, mostrar que está disposto a ajudar, escutar, estar junto, ficar atento aos sinais que ela apresenta e, dependendo, até encaminhar a um profissional de saúde e emana é ser base e suporte para quem precisa. É muito mais do que simplesmente fazer campanha em um único dia ou mês do ano. (Thays Araujo)