O Dia do Amigo e Internacional da Amizade, nesta quarta-feira (20), serve para celebrar aquelas pessoas que dão suporte emocional e compartilham momentos importantes das nossas vidas. Segundo o educador e professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Hugo Monteiro Ferreira, é um dia também para problematizar a amizade e lembrar da importância de relacionamentos saudáveis.
“Amizade é o nosso grande lastro existencial e psicológico. Se falta lastro […], falta um piso, um chão para que eu me sinta mais seguro para atravessar desafios”, disse Ferreira.
A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), realizada pelo IBGE com alunos do 9º ano do ensino fundamental em 2019 e divulgada em julho de 2022, aponta que 3,7% dos entrevistados no Recife dizem não ter um sequer amigo próximo. Em 2012, esse percentual era de 3,1%.
Leia mais:No recorte por sexo, 6,8% dos garotos relataram não ter amigos próximos na pesquisa mais recente. Entre as garotas, o percentual é de 0,6%.
Também especialista na área da saúde mental e emocional de crianças, adolescentes e jovens, Ferreira explicou que o grupo abordado na pesquisa faz parte do que chama de “geração do quarto”, tema que transformou em livro.
Essa é uma geração que se comunica muito por redes sociais virtuais. “A geração do quarto constrói laços de amizade, mas laços sob ameaça. Que tipo de ameaça? O medo da frustração, da perda, da ruptura de expectativa criada. Então, existe amizade, mas existe uma amizade muito circunstanciada”, avaliou o educador.
Para o livro, o educador ouviu 3.115 jovens entre 11 e 18 anos. “Mesmo essa galerinha que vem desde a educação infantil e aqueles grupos que se formam no ensino médio, o que eu percebo é que nem sempre essas relações são saudáveis”, afirmou Ferreira.
Uma amizade saudável, segundo o educador, é composta por algumas bases, sendo a reciprocidade do afeto e aceitação da pessoa como ela pontos fundamentais.
“Amizade talvez seja o maior sentimento em termos de relações sociais que a gente pode construir. Amigos são fundamentais, porque sem eles não posso sobreviver, mas sem submissão. Os amigos querem que eu seja quem eu posso ser. Amigo que quer que você seja o que ele gostaria que você fosse, já não é seu amigo“, declarou o Ferreira.
Afeto nas escolas
Psicólogo e pedagogo do programa Bem-estar na Educação, da Secretaria de Educação do Recife, George Vieira apontou que, independentemente de idade, é preciso ter atenção aos vínculos afetivos e como eles estão sendo formados.
“Hoje, os vínculos são muito mediados pelas tecnologias digitais, informação e comunicação. Não são vínculos necessariamente verdadeiros quando a gente passa a apenas se identificar e criar uma vinculação com aquilo que a gente pensa que é a pessoa e não com aquilo que de fato é”, apontou.
O programa em que Viera atua busca trabalhar, entre outros aspectos, um olhar cuidadoso sobre questões pessoais que podem causar mal-estar, além de fornecer ferramentas para isso. Para ele, os vínculos afetivos adequados são essenciais para a compreensão de que conflitos existem normalmente nas relações humanas, mas não precisam ser danosos ou violentos.
“A amizade contribui decisivamente para um ambiente escolar melhor para todos. A gente sabe que o ambiente escolar termina representando para criança e adolescente uma extensão da sua casa”, apontou Vieira.
Para isso, educadores precisam compreender as dificuldades e contexto social dos alunos para compreendê-lo melhor. “É importante o trabalho educativo nas escolas, até para que a escola seja vista pelo estudante como um refúgio das suas dores cotidianas”, avaliou o psicólogo.
“A promoção da amizade entre estudantes, entre estudantes e professores é importante para criar um clima harmonioso, mas não idílico. Não é acreditar que a escola é o paraíso na terra,”, disse Vieira.
A amizade, ressaltou o psicólogo e pedagogo, precisa ser compreendida como uma vinculação com as pessoas. E, como seres sociais, as pessoas buscam sempre se ligar às outras de alguma forma.
“Essa vinculação pode até se fragilizar ao longo dos anos. Eu hoje pouco consigo me relacionar com amigos da infância, mas isso é muito mais porque a gente vai perdendo contato. A vinculação afetiva permanece em nossa mente, como uma saudade”, apontou.
Pesquisa do IBGE
As estatísticas apresentadas na Pense ainda são consideradas experimentais e o compilado com os últimos três levantamentos foi divulgado em julho de 2022. A gerente de planejamento e gestão do IBGE em Pernambuco, Fernanda Estelita, explicou que isso significa dizer que ela está passando por um processo de consolidação.
“Não quer dizer que não é uma estatística válida. Ela é válida, mas ainda não tem uma história construída para que a gente possa ter uma estrutura consolidada. Ela está sob avaliação, recebendo orientação, críticas e sugestões. Está em fase de desenvolvimento”, disse Fernanda.
Um aspecto inovador do levantamento é que são os alunos do 9º ano que respondem a pesquisa diretamente em equipamentos eletrônicos, como um celular. Muitos questionários aplicados antes eram feitos com os pais, não estudantes.
“Ele [aluno] responde direto no equipamento e não precisa olhar no meu rosto. Com isso, ele se sente muito mais à vontade para falar a verdade”, afirmou Fernanda.
Os questionários foram aplicados em salas de aulas com vários estudantes, com todos respondendo ao mesmo tempo. “É uma pesquisa que me encanta, porque a gente fala direto com a pessoa. […] A gente pega um público que não está acostumado a ser ouvido pela sociedade, pelo público. São alunos que tem a partir de 13, 14 anos”, disse a gerente.
O estudo também abordou questões como gravidez na adolescência, consumo de álcool, saúde mental, entre outros temas.
(Fonte:G1)