Em 2008, quando a palavra mais falada em Marabá era Alpa (agora virou fumaça), o governo do Estado promovia desapropriações de 26 áreas num território denominado Gleba Quindangues, às margens da Rodovia Transamazônica, a 10 quilômetros do centro urbano em direção a Itupiranga.
O governo definiu a planta de valores, pagou o que achava devido a partir de perícias, mas 22 proprietários recorreram à Justiça por entender que houve sub-valorização. Juntas, todas as 26 áreas, na época, teriam sido avaliadas em cerca de R$ 60 milhões.
Aos poucos, os autores das 26 áreas ações foram ganhando na Justiça o direito a uma indenização que consideravam justa e o volume de recursos que o Estado tinha de pagar – ou pelo menos recorreu a instâncias superiores – ultrapassava a cifra de R$ 120 milhões por uma área total em torno de 1.100 hectares.
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A mineradora ganhou a área de graça, gastou uns trocadinhos para iniciar a terraplanagem, abandonou tudo e deixou Marabá com uma multidão de problemas sociais por causa das falsas promessas de emprego.
As obras do projeto, orçado em US$ 3,7 bilhões, começaram efetivamente em junho de 2011, mas nunca seriam concluídas. A propaganda da Vale era de que a Alpa teria capacidade de produzir 2,5 milhões de toneladas de aço por ano, sendo 1 milhão de chapas grossas para exportação e 1,5 milhão de bobinas a quente para o mercado interno.
A ligação entre a Estrada de Ferro Carajás e a planta da Alpa seria feita por um ramal ferroviário de 13 quilômetros que a Vale gastaria, à época, US$ 125 milhões.
Havia promessa de geração de 16.000 empregos na fase de implantação e, na operação, seriam mais 5.300 empregos diretos e outros 16.000 indiretos.
A partir de 2012 começou a cair a ficha de que o projeto da Vale era um engodo e não se concretizaria. Diante de um cenário em que a Vale não mostrou interesse em construir nada na área de 200 alqueires, este ano, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) orientou o governo a devolver as áreas aos antigos proprietários, mesmo que já tivessem recebido valores por ela. Ficarão com as terras de volta e não precisarão devolver a grana que já receberam.
A reportagem do CORREIO ouviu seis desses antigos proprietários, os quais não imaginavam que receberiam as áreas de volta. Todos passaram informações, mas nenhum deles permitiu uso de seu nome porque ainda não receberam a terra definitivamente e a Vale ainda está “sentada” sobre ela. Todavia, revelou que percorreu toda a área e ficou triste em ver um cenário de terra arrasada, com muitas erosões provocadas pela movimentação de terra que a Vale causou. “Nunca imaginei que encontraria algo tão dilacerado. A coordenação do programa do Roberto Cabrini, da TV Record, me procurou semana passada para uma entrevista, mas eu recusei por causa desse momento de transição”, alegou um dos que receberão suas terras de volta.
Outro beneficiado, empresário em Marabá, revelou que nem todos os 26 beneficiados foram citados pela PGE, mas que todos os que foram chamados aceitaram receber a terra de volta e desistir de demandas judiciais por elas. “A Vale está no meio dessas negociações, mas só querem tratar tudo de forma extra-judicial”, informou.
Para devolver a área aos antigos proprietários, a Vale está sendo obrigada a fazer a recuperação de erosões, taludes, problemas de queda d’água, reflorestamento nas áreas do projeto, manutenção dos sistemas de drenagem, construção de canteiros, recuperação de nascentes, tudo isso antes da homologação de um acordo na justiça.
As obras iniciaram em outubro do ano passado e estão previstas para serem finalizadas em 20 de dezembro deste ano, pela empresa LLcucena Infraestrutura. A Vale não divulga o valor do contrato, mas é milionário. Tudo isso pra se ver livre da área que não lhe terá nenhuma serventia.
Nos anos seguintes, a Vale tentou implantar outros projetos no local, pressionada pelo governo do Estado.
Em 2016, a Vale encontrou a argelina Cevital, que prometeu investir mais de R$ 4 bilhões para um novo projeto para produção de 2,7 milhões de toneladas de aço, em bobinas de aço, “biletts”, “blooms”, aço em pó e trilhos. Depois, a própria empresa argelina anunciou a desistência do negócio.
Em 2019, novas tratativas e anúncio de investimento com a empresa chinesa CCCC para construção de uma “Alpinha”, com ralos que envolveria investimento em torno de US$ 300 milhões. Também furou.
Aí, foi o jeito dizer “eu desisto” e entregar o terreno de volta ao Estado, que por sua vez está fazendo o mesmo aos proprietários antigos.
SAIBA MAIS
A área desapropriada pelo governo do Estado e entregue à Vale ficou sem função social por muitos anos, tendo sofrido invasões em três ocasiões diferentes com fins de habitação popular. Em todas elas, a mineradora conseguiu liminar na justiça para desocupação.
De 2007 a 2010, a população de Marabá aumentou em 37 mil pessoas, alta de 20%. O problema é que a Alpa dependia de outro superempreendimento, o da Hidrovia Araguaia-Tocantins, para escoar os produtos. A hidrovia esbarrou em 43 km do Pedral do Lourenção e naufragou. Para que seja navegável no trecho, o rio precisa ver detonadas as rochas que formam o Pedral do Lourenção. Orçada em mais de R$ 500 milhões, a obra chegou a ser incluída no PAC, mas foi retirada após suspeitas na licitação.
Um grupo de vereadores de Marabá defende que a área seja devolvida sim, mas ao governo, para que seja instalada ali o Distrito Industrial III, já que os dois anteriores já estão sem espaço para novos empreendimentos.
VERSÃO DA VALE
A reportagem do CORREIO DE CARAJÁS procurou a Assessoria de Imprensa da Vale na manhã desta quarta-feira (11) e solicitou um posicionamento da empresa sobre o assunto, elencando vários questionamentos. Por sua vez, a empresa “respondeu” quase com uma frase: “A Vale realiza serviços de vigilância, manutenção e conservação na área referida.
Em relação ao lixo acumulado na Rodovia Transamazônica, próximo ao terreno, a conservação do local não é de responsabilidade da companhia.”
A empresa se negou a falar sobre a devolução das 26 áreas, conforme o Portal Correio de Carajás fez questionamento.
(Ulisses Pompeu)