Correio de Carajás

Descobridor de minério em Carajás volta a Marabá e chora no museu

“A grande história é mudada por pequenas coisas”, disse o geólogo ao relembrar detalhes de como conseguiu entrar em Carajás há 56 anos e ao vislumbrar sua foto estampando uma imensa parede no Museu Municipal de Marabá

Em entrevista ao CORREIO, o geólogo Breno Santos relembra a saga para descobrir minério de ferro de alto teor em Marabá

Aos 83 anos de idade, o geólogo Breno Augusto dos Santos voltou a Marabá, uma cidade bem diferente daquela que ele pisou pela primeira vez há 56 anos, como um caçador de tesouro no meio da floresta para uma empresa americana. E ele achou mesmo. Aquela descoberta mudou sua vida para sempre. E os destinos de Marabá e região também.

O minério encontrado foi enviado para laboratórios especializados e, quando veio o resultado, a intuição do jovem geólogo foi confirmada: tratava-se de minério de ferro de alto teor, o mais puro existente na crosta terrestre. Era o começo da história da província mineral de Carajás, no sul do Pará, um dos principais capítulos da história geológica mundial.

A mais recente passagem de Breno Santos por Marabá aconteceu na última sexta-feira, dia 29 de agosto, quando ele veio visitar o Museu Municipal Francisco Coelho na companhia de quatro filhas (Sandra, Tânia, Márcia e Paula) e foi recebido com grande pompa por funcionários da instituição e da Fundação Casa da Cultura de Marabá, que organizou uma festa, coincidentemente com duas de suas canções favoritas: My Way e Carinhoso. Foi o primeiro de algumas paradas para chorar. Dele e das filhas.

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E não era pra menos. Todos buscaram tietar o visitante ilustre e mostrar os detalhes do museu, que tem suas digitais em vários ambientes da exposição.

Antes de passar por Marabá, porém, Breno e as filhas foram a Parauapebas e ao núcleo de Carajás Breno e se emocionaram com tudo o que viram e sentiram lá e aqui.

Ele ainda tomou tempo para uma entrevista exclusiva ao CORREIO, em que mostrou estar com uma memória privilegiada, falando com a voz mansa e grave de sempre.

Na sala em que sua foto toma toda a parede, Breno Santos faz questão de posar com as filhas Sandra, Tânia, Márcia e Paula

CORREIO DE CARAJÁS: Demitido da Icomi, seu ex-professor Tolbert lhe convidou para vir chefiar as expedições em Carajás. Embora tivesse um aeroporto modesto, Marabá não poderia servir de base para vocês durante as buscas por minério?

 

Breno Santos – Marabá sempre foi nossa base porque não existia Parauapebas. Altamira estava longe, São Félix do Xingu não existia na época. Então, Marabá foi a base de apoio do trabalho da United States Steel, foi a base de apoio da Amazônia Mineração e até da Docegeo, que foi uma empresa de geologia criada pela Vale que descobriu toda a jazida de cobre da região. Devido a um problema de autorização no Castanhal do Cinzento para poder pousar, vimos que todas as estruturas interessantes estavam mais para leste, longe de tudo. E também surgiram aquelas clareiras. Hoje falar em clareira não tem sentido nenhum porque é tudo clareira, mas naquela época era tudo floresta. Achar uma clareira, daquele tamanho, no meio da floresta, chamou a atenção pela grande anomalia botânica na região que era chamada Araguaia-Xingu, não era chamada de Carajás ainda.

Daí, tentamos vir pra cá, e qual foi a solução absurda que nós tivemos, colocar a base na aldeia dos Xiikrin do Cateté. Já pensou hoje, uma empresa americana colocando um acampamento numa aldeia indígena na Amazônia? Nós fomos lá de avião e os índios aceitaram. Um padre francês que havia em Marabá aceitou e o funcionário da SPI (Serviço de Proteção ao Índio) também. Só que um daqueles indígenas, que falava pouco português, nos disse que ele trabalhava na construção de uma pista rio abaixo, no Itacaiunas, que era o Castanhal do Cinzento. Daí nós fomos pra lá, e quando pousei reclamei pro capataz que a pista estava muito ruim. “Os pilotos não reclamam?” e ele respondeu “não doutor, essa pista ficou pronta semana passada e esse é o primeiro avião que está pousando aqui”.

Nós inauguramos a pista sem saber. Soubemos o nome do proprietário e a primeira vez que nós estivemos aqui, era um sábado, e não encontramos o Demóstenes Azevedo Filho (Desmostinho), que estava na praia. Era mês de julho e não ficava ninguém na cidade, todo mundo ia à praia.

E daí, na segunda vez veio o Tolbert, eu fiquei no Xingu, e o Demóstenes disse que ninguém ia entrar lá e se tentassem ele ia mandar dar tiro. E aí o Tolbert me manda, depois que o cara ameaçou dar tiro ele me mandou pra cá. Eu levei o Demostinho a um território neutro, acho que foi na pensão da Hilda Mutran, que ficava na praça, e levei ele (Demóstenes) para tomar uma cervejinha e quebrar o clima. E ele me respondeu: ‘não dá, sinto muito. Mas, não quero que a companhia entre lá porque vai criar problema com o meu pessoal”. Foi aí que joguei a última cartada. “É uma pena porque lá na Icomi eu tinha um grande amigo que a gente jogava futebol no final da tarde, engenheiro aqui de Marabá que o pai dele foi prefeito”. Ele me perguntou “quem é?”. Eu disse “o Luís Ortiz Vergolino”.

Foi então que ele olhou e disse “amigo de meu amigo é meu amigo. Amanhã iremos lá no castanhal para vocês entrarem”. Então, essa coincidência que permitiu que a United States Steel entrasse em Carajás. A grande história é mudada por pequenas coisas e isso não fica na história.

CORREIO DE CARAJÁS: Já li e ouvi dizerem muitas vezes que a descoberta de minério de ferro na Serra Arqueada aconteceu por acaso. Foi por acaso mesmo ou um tiro certeiro no meio da selva com seu martelo mágico?

Breno Santos: Houve o seguinte: nós estávamos com um problema no Xingu de mudar o acampamento. Mudar a equipe e os equipamentos era fácil, o monomotor vinha e de vez em quando ia em Altamira abastecer, fazia um triângulo, e voltava pro Seringal da Ilha de São Francisco e vinha pra cá. Só que havia ordem de trazer um helicóptero e o piloto não tinha experiência nenhuma. E eu questionei o Tolbert “como vou coordenar uma operação de helicóptero na Amazônia se eu nunca andei de helicóptero?”

E ele disse “o que você vai fazer aqui nunca ninguém fez no mundo e a companhia está pagando você pra aprender, ou seja, se vire. Como tinha medo de voar, eu comecei a pensar em uma rota que fosse conhecida, porque se a gente caísse na mata ninguém ia encontrar. Falei com o piloto, perguntei se podia levar gasolina no bagageiro, ele disse que sim. Então subimos o Rio Xingu e fomos até São Félix, abastecíamos lá. Descia no Pedral do Fresco e abastecia, descia no Pedral do Carapanã e abastecia e bem no meio tinha uma serra, onde havia uma clareira, e a gente já tinha essa curiosidade de saber por que existia a clareira.

Então, seria usada essa clareira, que não sabia o que era, para pousar e abastecer o helicóptero. De lá a gente pegava para o Cateté e depois seguia para o Castanhal Cinzento. Quando pousamos nessa clareira, pensei que fosse tudo manganês e na realidade era minério de ferro. Aí veio aquele sonho. O grande presente que a vida me deu foi poder sonhar, naquele momento, que as outras clareiras também pudessem ser minério de ferro. Um sonho absurdo. Como é que tudo aquilo estava esperando alguém chegar e nunca havia sido descoberto naquela época? E na realidade era uma grande jazida de ferro naquela região.

Em cada sala, ele e as filhas ouviam atentamente as explicações e, também, contribuía com informações

CORREIO DE CARAJÁS: Quem estava com o senhor naquele dia histórico?  Como era o nome do piloto?

Breno Santos – O piloto que estava comigo no histórico dia era José de Aguiar. Ele era mais velho que a média da equipe, ao redor dos trinta anos, pois já havia passado dos cinquenta. Como eu ainda era muito jovem, com 27 anos, ele amigavelmente me chamava de “chefinho”. Deve ter sido um dos pilotos pioneiros de helicóptero no Brasil, pois antes de trabalhar na Helitec, e depois na Votec, havia sido piloto do governo de São Paulo, nos tempos do Carvalho Pinto. Foi responsável pelo apoio de muitos trabalhos pioneiros de Carajás.

 

CORREIO DE CARAJÁS: Como é que foi o episódio em que um avião em que você e o Tolbert estavam, ficou parado em Marabá e ninguém pôde descer para não ser visto pela concorrência?

Breno Santos: Era meio 007. O Tolbert era meio misterioso e ele arrumou um avião que trabalhava para a Petrobras, em Barreirinhas, no Maranhão. Esse avião venceu a ordem de revisão e foi para Belém, mas o Tolbert era amigo do geofísico do avião e conseguiu, por debaixo dos panos, que a aeronave, dentro do limite de horas que tinha, viesse fazer um sobrevoo aqui e no Amapá. O objetivo era procurar uma camada magnética associada ao manganês para procurar outras jazidas. Ele veio camuflado, de óculos escuros, não saiu de dentro do avião aqui em Marabá, porque ninguém podia descobrir que ele estava fazendo aquele sobrevoo. Mas era fantasia dele, todo mundo sabia.

Geólogos da FCCM acompanharam toda a visita do lendário Breno Santos em cada espaço do Museu Municipal

CORREIO DE CARAJÁS: Já fazia um tempo que você não vinha a esta região. O que se passa em seu coração toda vez que visita Carajás, Parauapebas e Marabá, onde suas raízes de trabalho e descobertas estão fincadas?

Breno Santos: Eu sou o único mortal que teve a chance de conviver por 56 anos com Carajás. Muitas vezes no picadeiro, a maior parte do tempo na arquibancada. Algumas coisas participei, outras assisti. Mas, nenhum mortal teve a chance de acompanhar Carajás por 56 anos. Então, cada ponto de Carajás tenho história em alguma época da minha vida. Quando sai da Vale minha mulher falou “e Carajás, como é que fica? Vai acabar”. E não acabou.

CORREIO DE CARAJÁS: É verdade que você gostaria que quando falecer, suas cinzas sejam jogadas sobre as minas de Carajás?

Breno Santos: É verdade. Combinei com um piloto em 2007, mas ele infelizmente já morreu. Hoje, as cinzas da minha mulher estão no meu quarto. Ela faleceu há quase quatro anos. Está no meu testamento que elas serão jogadas entre a Serra Norte e a Serra Sul, na Floresta de Carajás, que é tombada e ninguém vai mexer. Não tem minério. Meu desejo é ficar eternamente aqui em Carajás. E se possível ao som de Carinhoso e My Way.

Breno Santos e o jornalista Agenor Garcia se reencontram duas décadas depois da última entrevista que fizeram

CORREIO DE CARAJÁS: Você falou informalmente sobre o seu martelinho, aquele que usou para confirmar a existência de mineiro em Carajás. Ele deve ficar mesmo entre Marabá e Parauapebas?

 

Breno Santos: Hoje, Marabá está à frente dessa disputa porque está mais organizado e com mais estrutura, com esse Museu e com a Fundação Casa da Cultura. Por enquanto está na frente. Parauapebas tem a vantagem pela localização, de ser realmente o município que Carajás pertence. Se Parauapebas se antecipar e fizer, vai para lá. Senão, vem pra cá. Vai ficar na região. Na minha casa não vai ficar, e nem com os meus filhos.

CORREIO DE CARAJÁS: O senhor fez questão de retornar agora com as suas quatro filhas. Por que esse “comboio familiar”?

Breno Santos: Elas sempre me chamavam. “Pai, quando vamos em Carajás?”. Três filhas já haviam estado aqui em 1982, mas estava no início da implantação do projeto. Ficamos em um acampamento na N1. Uma não conhecia, e daí o Raimundo Nonato Vieira, popular Raimundo Cabeludo, viu uma entrevista que dei, se entusiasmou e me convidou para retornar a Parauapebas. Achei que era a última oportunidade de vir para a região e pensei ‘se eu não levar as meninas agora não levo mais’. A Vale autorizou, colocou uma equipe à disposição para levar ao Salobo, na N1, N4, no Bioparque Vale, e programamos de voltar por Marabá para que elas conhecessem esta cidade também. Então, estou naquele limite de tempo que nunca sei quando venho por aqui. Era a última chance de trazê-las aqui.

 

(Ulisses Pompeu e Ana Mangas)