Correio de Carajás

Derrame recorde de dinheiro no Asfalto na Cidade

É a mais impressionante farra de asfalto já registrada no Pará, em um ano eleitoral. No último dia 17, o dinheiro torrado pelo governador Simão Jatene no programa Asfalto na Cidade atingiu mais de R$ 253 milhões, ultrapassando tudo o que ele consumiu nos anos de 2015, 2016 e 2017, somados. E a certeza de impunidade é tão grande que 72% dessa montanha de dinheiro foi despejada nas cidades paraenses já no período eleitoral: até 4 de julho, os gastos no Asfalto na Cidade estavam em pouco mais de R$ 70 milhões.

Isso significa um aumento superior a 260% no dinheiro torrado pelo programa de julho para cá e um gasto de cerca de R$ 60 milhões por mês, nesse período. Ou seja: a cada mês desta campanha eleitoral, o governador despejou em asfalto, em mais de 90 municípios paraenses, quase o mesmo que gastou em todo o no ano passado: R$ 67 milhões. E tudo nas barbas do Ministério Público.

Os números são do Siafem, o sistema de administração financeira de estados e municípios, que registra em tempo real todas as despesas do governo. Segundo eles, o dinheiro torrado pelo Asfalto na Cidade, até o último dia 17, cresceu 277% em relação ao ano passado. Também já equivale a mais da metade de tudo o que foi aplicado nesse programa, desde a criação dele, em 2012, e até 31 de dezembro do ano passado: R$ 467,7 milhões, em valores atualizados pelo IPCA-E de junho. Mais: os R$ 253 milhões consumidos nestes 10 meses já representam mais que o dobro do maior gasto anual do programa até aqui: pouco mais de R$ 100 milhões, em 2013.

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E a velocidade com que essa montanha de dinheiro continua a crescer, apesar do período eleitoral, chega até a assustar. Em 29 de setembro, os gastos do Asfalto na Cidade estavam em R$ 205 milhões, o que significa que tiveram um aumento de 23,5% em apenas 18 dias, dos quais apenas 11 úteis.

Ainda mais preocupante é a estimativa de que o dinheiro destinado ao Asfalto na Cidade ultrapasse R$ 300 milhões, até o final do ano. É o triplo do limite de gastos para a campanha eleitoral à Presidência da República, que é de R$ 105 milhões por candidato, já incluído o segundo turno. E representa, também, quase 10 vezes os R$ 33 milhões que estavam previstos para esse programa, no Orçamento Geral do Estado (OGE).

CHEQUE MORADIA

Ao que tudo indica, o Asfalto na Cidade desempenha, nestas eleições, quando o governador tenta eleger o seu sucessor, o mesmo papel do cheque moradia, em 2014. Na época, Jatene concorria à reeleição e realizou farta distribuição de cheques moradia, para turbinar a sua campanha e desequilibrar o jogo eleitoral. Por causa disso, acabou cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), por abuso de poder e compra de votos.

A sentença saiu em março do ano passado, mas Jatene recorreu da decisão ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília. Assim, pôde permanecer no cargo e deverá até concluir o mandato que obteve, segundo o TRE, de forma criminosa. No entanto, a condenação em segunda instância o deixou inelegível para as eleições deste ano, devido à Lei da Ficha Limpa.

MUNICÍPIOS

– Dos 19 maiores colégios eleitorais do Pará (aqueles com mais de 50 mil eleitores), apenas Altamira ainda não recebeu serviços do Asfalto da Cidade, neste ano eleitoral. Nos demais, a quantidade de recursos chega a impressionar. Em Castanhal, os R$ 4,719 milhões deste ano superam tudo o que lhe foi destinado entre os anos de 2014 e 2017, somados (R$ 3,026 milhões).

– Em Paragominas, nunca contemplado pelo Asfalto na Cidade, já foram gastos, agora, R$ 2,1 milhões.

– Em Marabá, os R$ 8,280 milhões deste ano deixam longe o que a cidade recebeu em todos os anos anteriores, somados (R$ 657 mil).

– Em Redenção, já foram gastos mais de R$ 7,533 milhões, contra os R$ 4,984 milhões de todos os anos anteriores.

– Em Santarém, os R$ 4,885 milhões deste ano deixam longe o que ela recebeu no ano passado: pouco mais de R$ 3 milhões.

– Mas o maior volume de recursos foi mesmo destinado a Belém e Ananindeua, os dois maiores colégios eleitorais do Estado, ambos administrados pelo PSDB, o partido do governador. Juntas, as duas cidades já receberam mais de R$ 40,5 milhões, ou 16% da totalidade de recursos do programa.

– Em Belém, comandada pelo tucano Zenaldo Coutinho, os mais de R$ 19,8 milhões despejados nestes 10 meses superam tudo o que a cidade recebeu no ano passado (R$ 17,155 milhões) e ultrapassam os R$ 18,5 milhões dos anos de 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016, somados.

SUSPEITAS DE CAIXA 2

O derrame de dinheiro no Asfalto na Cidade também está cercado por suspeitas de superfaturamento e caixa 2, para a compra de votos. Como você leu no DIÁRIO de 2 de setembro, o jornal teve acesso a uma tabela, em papel timbrado da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas do Estado do Pará (Sedop), que executa o programa. A tabela, que estaria em cima da mesa do titular da Sedop, Pedro Abílio Torres do Carmo e foi fotografada por uma fonte, relaciona obras do Asfalto na Cidade e tem uma coluna chamada “Plus”.

A palavra inglesa significa “mais” e é usada, em geral, para um adicional, um extra (um benefício que é ilegal em contratos do Poder Público). No canto inferior direito, o documento traz, escrito a caneta, as empresas supostamente beneficiadas pelo “Plus”: JM, Cabano e Rodoplan, além de uma quarta cujo nome está ilegível. No lado esquerdo, também escrito a caneta, há o nome “Leal” e, abaixo dele, os números “+750.000,00” e “1.000.000,00”.

Segundo o Portal da Transparência, as construtoras JM Terraplanagem e Construções Ltda, Rodoplan Serviços de Terraplenagem Ltda e Cabano Engenharia e Construções Ltda tiveram um aumento de quase 227% nos pagamentos que receberam da Sedop, entre o final do ano passado e o último 5 de setembro. Individualmente, o aumento foi de mais de 1.000%, para a JM; de 521%, para a Rodoplan; e de 81,53%, para a Cabano. Outra empresa, a Construtora Leal Jr Ltda, que seria a “Leal” citada no documento, recebeu da Sedop, até 5 de setembro, 105% a mais do que no ano passado.

FRAUDES

Segundo a fonte que encaminhou o documento ao Jornal, o desvio de verbas estaria ocorrendo através do superfaturamento das medições dos serviços e o caixa 2 decorrente estaria estimado em R$ 20 milhões. Uma das fraudes consistiria em orçar distâncias absurdas para o transporte da massa asfáltica usada nas obras: na tabela, elas vão de 354 a 520 quilômetros.

Essa distância máxima, registrada para as obras em Ulianópolis, supera os 390 km que separam Belém daquela cidade e quase empata com os 527 km entre Belém e Marabá, segundo uma tabela que está no site do Sindicato dos Taxistas da capital (STABEPA).

USO ELEITOREIRO

No último dia 18, o partido do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) pediu ao Núcleo de Improbidade Administrativa do Ministério Público Estadual (MP-PA) que investigue se o Asfalto na Cidade está sendo usado em benefício do presidente da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), deputado Márcio Miranda, que concorre ao Governo do Estado com o apoio do governador Simão Jatene.

O partido salienta o expressivo aumento dos gastos do programa neste ano eleitoral, “o que aponta indícios de irregularidade na aplicação dos recursos, bem como a destinação eleitoreira das obras”. No documento, o advogado Giussepp Mendes destaca que os recursos destinados a municípios comandados pelo PSDB e partidos aliados tiveram um aumento de até 100%, em relação ao ano passado. Já várias cidades administradas pelo MDB e aliados experimentaram redução de recursos e, em alguns casos, nada receberam.

PRESENÇA

O advogado ressalta, ainda, a “ostensiva participação” de Miranda na assinatura pública de convênios do Asfalto na Cidade, apesar de o programa não ter qualquer relação com a Alepa. “Fartos são os registros fotográficos destas participações, assim como da manifestação do mesmo (Miranda) em discursos acalorados, inclusive se apropriando dos benefícios que a ação está trazendo para a população dos municípios atendidos”, escreveu.

“Ora Excelência, não se pode admitir que, para a implementação do programa, seja utilizado critérios subjetivos, tais quais a existência ou não de finalidades políticas, lesionando o princípio da impessoalidade, desvirtuando a finalidade pública e claramente favorecendo seus aliados políticos em ano eleitoral, convergindo para improbidade administrativa, nos termos do art. 11 da Lei nº 8.429/92”, diz, ainda, o advogado. No documento, ele também pede que sejam investigados os “claros indícios” de superfaturamento dos serviços do programa. (Ana Célia Pinheiro/Diário do Pará)