Correio de Carajás

Debatendo solidão, Melissandra lança videoclipe no Dia da Visibilidade Trans

Divulgação

Em um ato artisticamente político e evidenciando a violência – não apenas física – que afeta diariamente pessoas que não se enquadram na cisgeneridade, Melissandra lançou nesta sexta-feira, 29 de janeiro, Dia da Visibilidade Trans, o videoclipe da faixa “Decepção”, que integra o primeiro álbum de estúdio da travesti, batizado de “Matinta” e lançado no último semestre.

Esta é a segunda canção do trabalho a ganhar representação audiovisual, depois da faixa “Emocionahdô”. Parte das cenas foi gravada pela Casa 651 em São Luís, no Maranhão, e o restante pela Boiuna Filmes, em Marabá, no sudeste do Pará. A produtora também é a responsável pelo lançamento e assina a edição.

Melissandra é a mente por trás do roteiro, direção de vídeo e direção geral do vídeo que dá (ainda mais) vida à “Decepção”.  “A música flerta com R&B e Blues e é muito inspirada em Frozen, da Madonna. A estética do videoclipe também abarca uma passagem no tempo, mesclando uma vibe oitentista com uma contemporânea. Representa essa passagem do passado, presente e futuro”, explica a artista.

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As cenas, acrescenta, narram paralelos fictícios que abordam o isolamento afetivo das travestis e pessoas trans no Brasil. “É sobre a nossa saúde mental, que é abalada constantemente com a negação e invisibilização, com a deslegitimação dos nossos direitos, do nosso nome. Várias cenas do clipe mostram esse sentimento de solidão e esse sentimento de desespero, de tristeza profunda e inconstância com as questões sociais ligadas à transfobia”.

O videoclipe é estrelado pela própria Melissandra personificando três alter egos dela. “As cenas representam a Melissa do passado, num surto, num momento de solidão intensa. O presente são as cenas do camarim que mostram a Merissandra, após as gravações do clipe de “Emocionahdô”, pensativa e interna por estar sozinha também. E aí há as cenas do futuro, que são as cenas na floresta, são as cenas da Matinta Pereira, bruxa, que através da sua encantaria e magia consegue acalmar e acalentar os corações das outras personagens, dos outros paralelos”, analisa.

Melissandra usa como referência para a maior mensagem do videoclipe o trecho “todos precisam de amor”, que insiste em rememorar a importância do olhar carinhoso um aos outros. “Independente de ser cis, de ser trans, de ser LGBT ou não, todos precisam de amor porque o afeto e o amor curam. O amor é revolucionário. É uma das doses que a humanidade mais precisa pra poder se dispor a uma mudança e a uma desconstrução que aceite corpos dissidentes e marginais dentro das óticas de poder. É um clipe político”, defende.

VISIBILIDADE

Conforme relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Brasil registrou 175 assassinatos de pessoas transexuais no ano passado e todas as vítimas foram mulheres trans/travestis. Melissandra destaca que há 13 anos o país figura no primeiro lugar dentre os quais mais matam pessoas não cisgêneras.

“As mortes acontecem de ‘N’ formas. Acredito que a negação também é uma forma de você fazer alguém morrer, de alguém sentir uma dor imensa e profunda que invalide a sua identidade. O isolamento afetivo e a nossa saúde mental são pautas de vida, pautas de dignidade que devem ser discutidas em coletivo, não são pautas exclusivas e restritas para a população transgênere, ou seja, não somente nós temos que conversar sobre isso, mas toda a sociedade porque é uma mazela social que acaba abrindo de forma latente buracos, cicatrizes e feridas na sociedade e que demoram anos e anos para serem reconstruídas, através das reparações históricas”, observa.

De acordo com ela, a escolha da data para o lançamento do videoclipe se deu justamente para sensibilizar a população acerca da importância de se amar pessoas trans e de se mantê-las no ciclo social.

“A importância de não se alijar corpos marginais. Travestis e transexuais merecem ocupar todos os espaços que uma pessoa cisgênera ou heterossexual, qualquer um pode ocupar, afinal, nós vivemos numa sociedade igualitária e democrática, que prega todos esses sentimentos de inserção e de não exclusão, pelo menos na Constituição a gente ainda tem isso garantido”, finaliza. (Luciana Marschall)