Eu cheguei ao internato Educandário Nordestino Adventista aos 15 anos de idade, após acumular em Marabá uma reprovação na terceira série, uma expulsão de O Pequeno Príncipe na 7ª série e de dar dor de cabeça para minha mãe.
Aquele lugar, encravado no sertão de Pernambuco, era belíssimo, parecia uma pequena cidade de filme de época e havia muita coisa ali que eu gostava: quadras esportivas, piscina, uma mata encantada para me esconder quando quisesse ficar sozinho e muitas meninas bonitas, vindas de várias partes do País.
Eu tinha um déficit de aprendizagem que precisava ser recuperado urgentemente, e só percebi após as primeiras semanas de aula. Enquanto estava encantado com tudo aquilo, e muito mais perdido que imaginava – levando notas vermelhas em várias matérias – fui salvo por um professor magro, de bigode e que me encantava nas aulas de inglês.
Leia mais:Milton Torres era um mineiro autodidata, que aprendeu inglês e até grego praticamente sozinho. Além de ser inteligente, ele cativava os alunos porque se misturava com eles. Ele foi responsável pela mudança de rumo em minha vida e só soube disso no início deste ano, quando anunciou sua aposentadoria em uma rede social.
Ainda em meu primeiro ano no ENA, Milton percebeu que eu gostava de inglês e me fez um desafio: Eu deveria pesquisar e lhe apresentar uma palavra que ele não soubesse, em inglês, diariamente, e ele faria o mesmo. Aceitei de cara, passei a pesquisar, me interessar de fato pelos estudos – até mesmo de outras disciplinas – e nunca esqueci a primeira palavra que encontrei no dicionário e que ele não sabia o significado, de fato (ou pelo menos fez de conta que não sabia). Era grapefruit, que é toranja, uma fruta que até hoje não conheço pessoalmente.
Em 1990 perdi contato com Milton Torres. Mas passei a acompanhá-lo depois por informações terceirizadas de minha irmã, Nazaré Pompeu. Soube que tinha ido morar no Alasca, depois foi fazer mestrado, doutorado nos Estado Unidos e, por último, pós-doutorado e dava aulas no Unasp, em São Paulo.
O advento das redes sociais me colocou novamente no caminho dele. Passei a acompanhar seu trabalho, suas pesquisas acadêmicas, os livros que escreveu, o crescimento dos filhos, até sua aposentadoria recente, ao lado da esposa Tânia.
Cursei Letras, assim como ele. Procurei fazer a diferença na vida de meus alunos, como ele fazia. Recebi vários comentários nesse sentido e, toda vez que reencontro um aluno que diz como fui importante em sua trajetória, me lembro de Milton Torres, o homem que moldou minha vida para sempre. Mesmo sem saber. (Ulisses Pompeu)