Correio de Carajás

De Marabá para o mundo: a saga de um brasileiro na Legião Estrangeira

Por: Patrick Roberto
✏️ Atualizado em 04/08/2025 11h27

Deixar a terra natal em busca de um sonho em outros países é uma narrativa comum a muitos brasileiros, mas poucas jornadas se comparam à de Renato Jadão de Azevedo. Em 1991, aos 21 anos, ele trocou Marabá, no Pará, não por uma promessa de prosperidade na Europa, mas por um ideal específico e perigoso: o desejo de ser militar na linha de frente, em campos de batalha. Encontrou essa oportunidade na Legião Estrangeira Francesa, uma das mais célebres e rigorosas tropas de elite do mundo, à qual dedicou 27 anos de sua vida.

Em uma entrevista à rádio Correio FM, durante a sua passagem por Marabá para visitar a família, Renato – hoje consultor na iniciativa privada – desvelou as múltiplas facetas de sua extraordinária carreira e compartilhou sua visão contundente sobre a geopolítica, a crise imigratória e a situação econômica da Europa.

“Eu não queria ser somente militar, eu não queria só treinar, eu queria jogar”, explicou Renato sobre sua motivação em servir fora do país. No Brasil, de tradição pacífica, a carreira militar não ofereceria a ação que ele buscava.

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Foi através de leituras sobre tropas especiais que a Legião Estrangeira surgiu como uma possibilidade real. Com a ajuda financeira do pai para a passagem aérea, ele partiu para a França e se apresentou para um processo seletivo dos mais rigorosos, com uma concorrência de dez candidatos por vaga e duração de um mês.

Aprovado, ele mergulhou em uma formação de quatro meses que o moldaria. A instituição, que pertence à França, opera sob a divisa em latim “Legio Patria Nostra” (A Legião é a nossa Pátria), criando uma identidade própria que transcende nacionalidades. Composta por voluntários de 150 países, a comunicação inicial é um desafio. “No começo você conversa por gestos”, lembra Renato, que chegou sem falar francês e levou quatro meses para conseguir se comunicar de forma eficaz. A própria Legião estrutura seus pelotões de formação com cerca de 20% de francófonos para facilitar a integração.

A progressão na carreira é baseada no mérito. Ao final do curso de formação, os melhores colocados têm o privilégio de escolher seus regimentos, e Renato foi lotado no prestigioso 2º Regimento Estrangeiro de Infantaria.

Testemunha da história

A vida operacional começou quase imediatamente. Em janeiro de 1992, recém-chegado ao regimento, ele foi enviado para a Operação Scutia em Djibouti, um país no Chifre da África em plena guerra civil. Era o início de uma longa sucessão de missões que o colocariam no epicentro de alguns dos eventos mais marcantes do pós-Guerra Fria.

Um dos momentos mais impactantes de sua carreira foi a participação na Operação Turquoise, em Ruanda, no ano de 1994. A missão ocorreu durante o genocídio que resultou na morte de quase um milhão de pessoas da etnia Tutsi, massacradas a facão. A experiência deixou marcas profundas.

“Na Legião Estrangeira eu tive a possibilidade de ver o que o homem é capaz de fazer. Do mais bonito ao mais feio”, reflete. “Eu posso assegurar para você que o homem é capaz de fazer coisas que vocês não podem nem imaginar”. Ele relata ter presenciado tanto a crueldade abjeta quanto atos sublimes de solidariedade e sacrifício, pessoas dando a vida por outras sem qualquer laço familiar.

Sua trajetória também o levou à antiga Iugoslávia em 1995, durante os violentos conflitos que se seguiram à sua desintegração. Ao todo, foram mais de 12 operações de guerra reais, cumprindo o objetivo que o levou a deixar o Brasil.

A Legião Estrangeira

Fundada em 10 de março de 1831 pelo Rei Luís Filipe I, a Legião Estrangeira foi criada como uma unidade para voluntários estrangeiros dispostos a lutar pelos interesses da França, principalmente em suas colônias. Desde sua origem, destacou-se pela disciplina férrea e pela capacidade de forjar uma tropa coesa a partir de homens de diferentes culturas, raças e religiões.

Historicamente, a Legião oferecia uma “segunda chance”, permitindo que os recrutas adotassem um novo nome e deixassem o passado para trás. Hoje, embora a tradição do anonimato parcial permaneça, os controles são mais rígidos. A Legião é uma força de desdobramento rápido, frequentemente enviada para as missões mais perigosas, onde a infantaria convencional poderia hesitar.

Sua autonomia é notável: a Legião forma seus próprios especialistas, de cabos e sargentos a enfermeiros e mecânicos, garantindo a manutenção de sua cultura militar única, descrita por Renato como “muito mais dura, mais rígida, mais profissional que o Exército Francês”.

Uma visão crítica

Questionado por Patrick Roberto e pelo radialista Leverson Oliveira sobre como vê hoje a questão da migração e os problemas que a Europa vem enfrentando, Renato mostrou ter uma perspectiva cética e pessimista sobre o estado atual do continente. “A Europa está falida. A França, o país onde eu moro, está falida”, afirma, citando a dívida pública francesa que ultrapassa 130% do PIB.

 Ele argumenta que a Europa gasta mais do que produz e que mesmo a Alemanha, antes um pilar financeiro, foi “destruída financeiramente” pela crise energética decorrente da guerra na Ucrânia e do alinhamento com os Estados Unidos, que forçou a compra de gás e petróleo americanos a preços muito mais elevados.

Essa crise econômica, segundo ele, torna a Europa um destino pouco atraente para quem busca apenas trabalho braçal. “Se você vai lá só para ganhar dinheiro […] vai passar fome”, adverte. Ele explica que o sistema “socialista” europeu impõe cargas tributárias altíssimas sobre o trabalho — um salário de 1.200 euros para o empregado custa o dobro para o empregador —, o que sufoca pequenas e médias empresas e alimenta o desemprego.

De outro lado, ele pondera, que para ter sucesso, é preciso ter uma especialidade. “Se você é bom, eles te dão oportunidade”, ressalta. No entanto, ele descreve um cenário de profundo choque cultural causado pela imigração. Renato argumenta que a questão não é de racismo, mas de uma reação a imigrantes que não se integram, criticam o país que os acolheu e, em casos extremos, cometem crimes violentos. Ele cita o exemplo de um Réveillon na Alemanha, após a abertura para refugiados sírios, onde ocorreram mais de 2.500 agressões sexuais contra mulheres alemãs, um escândalo que, segundo ele, contribuiu para a queda da ministra Angela Merkel.

Ele observa que mesmo países tradicionalmente humanistas, como a Suécia, estão agora expulsando imigrantes que não se adaptaram e que tentam impor leis e costumes próprios, como a Sharia. “Está um grande problema […] eles têm que se adaptar, mas não sabem como”, diz ele sobre o desafio que os juristas europeus enfrentam para conciliar os valores ocidentais com uma imigração que ele descreve como “bruta”.

A saga do marabaense Renato Jadão de Azevedo é mais do que uma história de aventura militar. É o relato de um observador direto das contradições do mundo contemporâneo.