Correio de Carajás

De Clein Ferreira para o querido Joan Botelho

(Sobre heróis e marinheiros)

Enquanto ainda tentava me encontrar ali pelo Instituto Federal do Maranhão, um sujeito baixinho de cara simpática passava pelo corredor onde eu e meus colegas estávamos e entrava na nossa sala para ministrar a aula de história. Era o primeiro ano do ensino médio: escola nova, colegas novos e aquela insegurança de toda nova experiência – principalmente para um adolescente.

Todos seguimos o professor baixinho e sentamos em nossos lugares, ansiosos por aquela primeira aula. “Qual será a metodologia dele?”, “qual será a sua personalidade?”: a gente se perguntava.

Aquela tensão inicial da primeira aula foi rapidamente quebrada com a presença cômica do professor baixinho, que se apresentou como Joan Botelho, um sujeito que já tinha suas boas décadas de carreira, além de ser um motense – torcedor do Moto Club de São Luís – de coração.

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Era um apaixonado pela cultura maranhense: seus poetas, seus artistas populares, como João do Vale e seu “Carcará“, a quem sempre lembrava.

O que mais chamou nossa atenção, no entanto, foi quando ele nos apresentou seus métodos de ensino. Já destacava de início: “Aqui não se decora nada!” – não era assim que ele ensinava a História. “Vamos aprender a questionar; não nos importam só os fatos, mas também suas causas e consequências”; sempre me pego pensando nessa frase dele.

Tudo se relaciona, afinal.

Logo ele começou a nos apresentar questões que iam permear suas aulas. Nos questionou sobre a ideia de um “herói” e provocava: “e os marinheiros que levavam os navios na Guerra de Troia não importavam também?”, brincava, citando o poema épico de Homero.

Fã apaixonado de Cazuza e Chico Buarque, sempre levava às aulas – e às provas – músicas dos artistas e dizia que deveriam receber títulos de historiadores, já que suas letras nos ensinavam a história, tanto quanto qualquer livro didático – e do assunto ele já entendia! Seu livro sobre a história do Maranhão já se tornou material essencial a qualquer um que se interesse pelo tema.

Lembro de ouvir, pela primeira vez, “Cotidiano” de Chico em uma de suas aulas. Aquela música parecia sintetizar tudo que ele nos ensinara: a vida daquele trabalhador comum, que segue seus dias numa rotina interminável até encontrar seu fim em “Construção”, quando “morre na contramão atrapalhando o tráfego”: mais um marinheiro.

Durante as aulas, Joan nos contava que em sua época de estudante foi um militante contra a Ditadura de 64 e sofreu forte repressão dos ditadores – afinal, apenas ser um estudante de História já era muita “subversão” aos opressores.

Da história dele, fez a história de outros: lembro-me de uma das tradicionais gincanas de fim de ano do Instituto Federal; dessa vez era Joan o organizador e o tema, obviamente, a Ditadura. Como que para materializar os horrores da época, ele nos levou um relato de um homem que foi torturado das maneiras mais vis pelos militares e morava, agora, em São Luís: um marinheiro.

Apesar de tudo, Joan era visto por alguns com maus olhos. Fui descobrir, tempos depois, que ele era um tal marxista – e a palavra assustava os desavisados.

Sua própria história, no entanto, não seguiu como desejávamos. Naquele 15 de abril de 2021 todos os seus alunos e admiradores receberam, apreensivos, a notícia que Joan falecera em decorrência da covid-19 depois de ficar internado por alguns dias.

Ele, no entanto, nunca será esquecido. Professores que instigam, provocam e, assim, mudam a vida de seus alunos, têm seu legado eternizado. A história, afinal, não é feita somente de heróis, mas também de nós, os marinheiros.

 

Com carinho, Clein Ferreira