Mil novecentos e oitenta e um. Eu e meu amigo Jaime Apolo (já falecido) percorríamos as vielas que nos levavam da Folha 28 à Folha 27; passávamos por caminhos estreitos cercados por casas simples com calendários de campanha eleitoral grudados nas paredes, até chegar à casinha de madeira intitulada “Escola João Anastácio de Queiroz”. A dona, diretora e professora era a “Tia Itanaen”, minha primeira professora. Ela tinha fama de má e costumava andar com uma palmatória (ao google crianças!).
Mas ela gostava de mim. Não sei por que, mas gostava. Até mesmo quando ralhava comigo, eu conseguia enxergar um semblante doce por trás da fisionomia severa. Era como se eu pudesse ver-lhe a alma.
Eu tinha só 6 anos de idade. Primeira escola da minha vida, mal sabia o que podia e o que não podia fazer em sala de aula. Lembro-me que assoviei no meio da aula e levei um pescotapa do meu amigo Jaime. “Ei, doido, não pode assoviar na sala, não”.
Leia mais:Na mesma hora, “Tia Itanaen” retrucou: “Não bate no Francisco!”. Ela me chamava assim, pelo meu primeiro nome.
Lembro-me de ter discutido rispidamente com uma colega e em dado momento ela me xingou: “Fresco!”. Na minha mente de criança, mas com certas mensagens atravessadas daqui e dali no inconsciente, fiquei extremamente ofendido e fui correndo “contar tudo pra tia”, que era a instância superior, era o nosso STF.
E agora, o que poderia fazer nossa tia? Ela se virou para a menina e mandou: “Você sabe pelo menos o que é fresco? Fresca é uma carne no açougue”. E ficou por isso mesmo.
Itanaen era apaixonada por desfile de “7 de Setembro”. Foi inclusive uma das fundadoras da Banda Marcial de Marabá. Aliás, ela fez tudo quanto pôde para que eu tocasse na banda, mas nunca levei jeito pra coisa. Ela cuidou muito de mim. Imagino que dos outros alunos também, porque parecia estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
Foram três anos de aventuras, de travessuras, de descobertas, sempre sob a sombra da “Tia Itanaen”.
Depois, mudei de escola, me afastei, cresci, fiquei adolescente e o último contato que tive com a “Tia Itanaen”, ela estava com a saúde muito debilitada, mal conseguia reconhecer as pessoas.
Minha mãe me pegou pelo braço, me fez entrar no quarto onde ela estava deitada e disse: “Você nem sabe quem é esse rapaz aqui”.
E ela respondeu de pronto: “Sei sim! É o Francisco!”. Naquele momento não achei nada demais, mas hoje consigo compreender o quanto o ofício de lecionar é mais que uma profissão; é um jeito de ser no mundo, um imperativo categórico.
Maria de Jesus Alves Soares. Esse era nome dela. Mas, para mim, será, para sempre, Tia Itanaen! (Chagas Filho)