Correio de Carajás

Crônica Ouriço Cheio: Quando fui aluno de depilação (forçado)

Eu já tinha, mais ou menos, 13 anos. Gostava de fazer pequenos serviços para os outros e passar o final de semana com um trocadinho no bolso, posar de endinheirado na hora do recreio, no Pequeno Príncipe, ou ainda impressionar a menina da Folha 21.

O medo de dona Rose, a vizinha da Quadra 21 da Folha 17, era o Carnaval. Tratava-a por “senhora”, porque eu ainda era um rabisco de homem. Menino de calção frouxo, sem cueca e pinta ainda emplumando. Ela tinha uns 25. Pedia-me companhia, ajuda num mandado e preencher o desamor.

Apesar de tão moça, era a segunda vez que se juntava. Antes com uma sobrancelhista, depois com um cabeleireiro que sumia na sexta-feira de Carnaval e só voltava a dar as caras por lá na 1ª quinta-feira da Quaresma. Cara lambida, desconfiado. Passava até uma semana caladinho na dele, com medo.

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Mas como relacionamento amoroso (e dependente) se refaz, reencontravam a felicidade possível até o próximo Carnaval ou festa de arromba na cidade. Eu tinha ciúme clandestino da depiladora alva, um espectador da dolência. Ela, de fato, era bonita, e tratava dona Rose como uma rainha.

Meu pai (maledicente) praguejava que eu findaria um qualira de bairro. Ter cegueira por se enfiar no gabinete de beleza? Lugar de invertidos, dadivosas e alcoviteiros! Mas nunca me trataram com outras destinações.

Eu varria e apanhava os cabelos na lajota branca, colocava num saco e mantinha o ambiente sempre limpo. Ia comprar merenda, cigarro a retalho, chicletes (Bola Ploc de laranja) para Roberta Pekeman – uma bicha generosa nas gorjetas e amável. E brechava as seções de depilações das mulheres mais bonitas que chegavam no salão…Qualira, eu? Tá, bonito!

Era melhor que os trocados de menino de recado que recebia no final do dia ou da semana. E aquelas brechadas eram o motivo também por que eu aguentava calado as chacotas dos pivetes a gritar “Bonequinha de Salão” quando eu cruzava a esquina. Coiós, sem motivo de ser, até das meninas. Muitas delas, vi, não tinham lá essas higienes entre as virilhas.

Pois bem. No Carnaval de 1984 ou 1985, quando o homem da moça sumiu de costume, aconteceu dela ficar novamente sozinha. Choramingando. Uns viajaram para o Interior e as monas, abonadas, rumavam foram desfilar suas fantasias na escola de samba da Vanda Américo, a “Somos Nós”.

Desmelinguia-se os quatro dias na festança da Velha Marabá e não queriam saber de voltar à Folha 17 por aquele período. Eu pastorava, mudo, seu afogo. Casamento prende lá ninguém? Ainda mais um ex-viado. Pé e noutro quando fevereiro coça.

Não havia espanto. Meu pai raparigava mais ainda no Carnaval. Uma época de ninguém ser de ninguém. Mamãe colava os filhos pra sair com ele, artimanha vã. Fosse papai na mercearia do Cassiano (até hoje ele mantém comércio no mesmo endereço), comprar cigarros, eu deveria acompanhar o véi. Mas ele sempre, sempre escapulia.

Então, a dona do salão resolveu que iria para uma festa na Vila Militar Castelo Branco. Em trajes resumidos, tinha corpanzil pra vitrine.

Fez de mim seu depilador.

Mel quente de jandaíra, não se dava com cera. Primeiro aparei com a tesourinha, apesar do perigo. Depois, orientou-me passar o bastão fervendo e assungar.

Contorcia-se com os puxavancos. Sopre! Abane! Tenha misericórdia! Uivava. Fez contorno, retorno e uma jura de se vingar do talzinho. Agora, era minha vez!

Meus olhos, os lábios dela…

Espelhinho retangular, bordas laranjas, prego na parede. Está bom! Muito ótimo! Inchado, mas desincha. Levantou-se, beijou-me as covinhas e gratidão. Droga!

– Você não tem mais tamanho pra andar sem cueca, menino…

(Ulisses Pompeu)

* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira