“Os anos não eram de gentilezas na década de 1970 por Marabá. Todo mundo se pelava de medo de militar. Não passava na calçada do quartel nem ousava chamar o mais recruta dos imberbes, que não fosse de “senhor”.
Quando o rapazinho fez 18, chegou o tempo da farda. Mesmo que se chorasse menino, teve de ir. Era o jeito, ladainha da mãe, de virar macho. Inchar os músculos, aprender a trocar uma lâmpada, saber pintar uma parede, ter uma profissão.
Raspar o cabelo e virar desejo das empregadas da rua quando aparecia de coturnos, quepe e pano passado. Naquele tempo, chamavam de “abacate do governo” e esse status os tornava mais viris, mais desejados e mais “bossais” também.
Leia mais:Escapava da obrigação quem tinha pai influente ou dava um jeito de se alistar no oco da Taquara do fiofó do desterrado. Bem longe, tão cafundó, onde houvesse lá um Tiro de Guerra e juras mentirosas à Bandeira e à Terra amada. Desamor.
Mas os anos não eram de gentilezas na década de 1970 aqui por Marabá.
Todo mundo se pelava de medo de militar por aqui. Não passava na calçada de um quartel nem ousava chamar o mais recruta dos imberbes, que não fosse de “senhor”. Dias que se escondiam dos jipes verdes e os brutos de família usavam uma capanga preta e, nela, um “berro”.
Eu ficava olhando… Quase todo oficial usava óculos Ray-Ban, falava grosseiro e aos gritos. Aparava um bigode imoral e espalhava um cheiro de sabonete Senador pelos corredores e esquinas da cidade. Bem barbeado, cabelo na brilhantina Glostora, fivela brilhando no cinto, pente fino Flamengo, “quetes” tinindo e gandola engomada sem vinco.
Lá em casa, todo mundo escapou do quartel do Oito, como era chamado naqueles tempo o 52º Batalhão de Infantaria de Selva. Tio Manoel Martins, criado por mamãe, foi o primeiro a arrancar um motivo para não rapar a cabeça a zero. Vazou para um colégio interno em Pernambuco e se safou. Zé Wilson e Juarez, meus primos criados por mamãe, também escorregaram e não serviram.
Eu, nessa época, peguei o beco e #partiu, mesmo caminho de meu tio Manoel. Me apresentei em uma Junta Militar de Belém de Maria-PE, onde todos éramos dispensados. E, apesar de gostar de esportes, do mato e disputa, nunca me empolguei com a ideia de recrutar. E nunca me arrependi disso. Fui desbravador, que é muito mais bacana.
Um amigo meu, o Jota Carlos, depois de ter passado no vestibular e não ter ganhado um fusca do pai nem raspado o cabelo no zero, resolveu mesmo assim ser soldado. Seu maior sonho se concretizou quando foi marchar, por cinco anos, no 7 de Setembro da Avenida Antônio Maia. Seu avô já tinha morrido, nem viu. Seu pai havia sumido pra as bandas de outros afetos no Piauí. E sua mãe via nele, puro instinto, uma chance de ajudar na casa de seis crianças, ela e uma avó.
Mas não alimentou trique trique. Quando foi aprender a ser sargento, a questão lá em sua casa era saber quem herdaria o pedaço de fígado gordo (quando havia) que lhe pertencia. Um concílio. O homem do cavalo (que tinha asas de madeira) fazia fiado no batente da casa por causa de sua vovó. No quartel, longe de seus irmãos, ele não carecia ser mais uma boca na mesa contada.
E era assim, um bife pra cada um. Servido no pé do fogão pela mamãe ou pela avó. Sem possibilidade de repetir. Também a Coca-Cola família de alguns domingos. Um copo cheio, daqueles de geleia, pra cada bicho de orelha. Quem bebesse ligeiro, miava depois. A briga era dividir uma piabanha assada na folha de banana!
Hoje, aposentado, Jota Carlos vive uma vida de saudades de um tempo que não volta. Mas a Operação Boina continua viva em sua memória, quando comeu cobra assada na floresta e tantas outras “iguarias” improvisadas pelos superiores.
* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira