Correio de Carajás

CRÔNICA OURIÇO CHEIO: O vereador que gostava de futebol e de subúrbio

“Em nome do bom futebol escolhia as promessas. Olhava os jogadores de cima abaixo. Sempre se encantava com os zagueiros: viris, voz grossa e uma firmeza na hora de chutar a bola que não se encantava por laterais e nem atacantes”.

Era dia de sessão ordinária (mas havia ordem naquele tempo?). A experiência do Parlamento lhe permitia chegar atrasado ao Plenário. Pela brecha do basculante espiava-o no mictório. Uma lapa de negro, troncudo. Mãos grossas, pescoço largo e tríceps exagerado. Uma tora. Virou office-boy do homem, um faz-além-de-tudo-e-um-pouco-mais. O edil viu o negão jogando na zaga do Bangu. Back. Também cubava-o empurrando barco para o Pirucaba aos sábados e à Praia do Tucunaré aos domingos. Rolos de coqueiro. Inventava de comprar peixe frito para os amigos, resmungava da memória. Lorota.

Apesar de abarrotado dos músculos, era homem bom. Boníssimo, puro das malícias. Entendia, claro. Mas miséria tanta, restou aceitar o ofício no gabinete e dar também de anjo da guarda do vereador, que era um chiliquento, desmaiava aos fins de tarde após a politicagem. Estresse de araque para ser carregado nos braços pelo novo funcionário. Era uma lady.

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Fora as frescuras e fraquezas forjadas, a cobiça era espiar os subordinados mijando. Luxúria enviesada. De propósito, a cadeira giratória e o birô ficavam de costas para a cortina longa e encarnada. Da cor do carpete e das unhas dos mindinhos dos pés do edil (ninguém sabia). Por trás do pano, o basculante que dava para o banheiro do gabinete. Adorava reter a chave. Não permitia qualquer um. Só os sobresaídos.

Os miúdos, se tivessem manias de macho (coçar, atoleimar-se com ancas femininas, etc), poderiam entrar e chover. Qualiras, não. Tinha horror das moçoilas de seu naipe. Voyeur, regozijava-se com olhadelas. Ia ao céu, balançava-se. Enlouquecia ao ruído torrencial da urina no poço. Touro. Mas, apesar de quase ovular, não suportava ser agarrado por homens. Traumas. Ojerizava a suadeira e a barba por fazer.

Minto. Havia outro prazer do vereador. Eram os pajeadores que lhe depilavam o corpinho. Mirrado, quase quebradiço. Um louva-deus. Adorava as pinceladas de mel quente (pelante) e o instante do emplastro fazer a coivara. Sssssssss, aaaaaai! Puro prazer… Não via a hora de encabeludar de novo, quinze em quinze dias. O contorno, retorno, pernas, braços, barba e dorso. Ficava depenada.

Havia os prediletos, mas formava escretes. Aceitava inclusive que fossem matrimoniados. Só não admitia ser traído por outras pacas. Catava, um a um, nos campinhos de areia na periferia. Sábado à tarde e domingo de manhã se metia num carro da Câmara e ia acompanhar partidas de futebol na periferia ou na zona rural. Porque vereador pela laia do prefeito, oferecia a taça dos torneios. A competição levava seu nome e isso dava popularidade e… voto.

Em nome do bom futebol escolhia as promessas. Olhava os jogadores de cima abaixo. Sempre se encantava com os zagueiros: viris, voz grossa e uma firmeza na hora de chutar a bola que não se encantava por laterais e nem atacantes. No máximo um volante aqui e outro ali. Quem não levasse jeito (de jeito nenhum) seria aproveitado no gabinete do mandato. Por uns trocados, mundos e fundos. Há 12 anos estava na vereança, nem pensava na Assembleia. O subúrbio lhe cabia melhor. (Ulisses Pompeu)

* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira