Correio de Carajás

CRÔNICA OURIÇO CHEIO: O primo que partiu sem deixar rebento

“A cidade ficou de luto por seu filho ilustre. Eu ainda não trabalhava no Jornal Correio, mas aqui se deu ampla reportagem para a tragédia do Pompeu mais famoso da cidade”.

A gente cresceu aprendendo a brincar e comer todo mundo junto (em família). E primos não faltavam naquela Velha Marabá. Do lado do pai e da mãe. Alguns chegaram mesmo a ser criados por mamãe. Mas hoje falo de um em especial. Era diferenciado. Bonito, bom de bola, educado e, acima de tudo, inteligente.

Júnior Glediston Pompeu da Rocha, três anos mais velho que eu, era referência para todos nós e meu pai não perdia oportunidade para fazer comparações, daquelas que nem sempre a gente gostava. Júnior cresceu jogando no Granito, nosso campo de futebol mais próximo, mas brilhou no Zinho Oliveira, em times amadores, antes de seguir para o Clube do Remo, em Belém, como atacante. Lá, foi campeão por três anos consecutivos.

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No início da década de 1990 conseguiu transferência para um time da Itália. Antes de sua primeira viagem internacional, porém, veio a Marabá para despedir-se da família. Aproveitou para dar uma esticada à fazenda de seu pai. Decidiu, não se sabe por que, acompanhar a derrubada de algumas árvores na floresta. Uma árvore caiu em cima dele e lhe tirou a vida.

Foi a primeira grande perda para seu pai, que viria a ter outro filho morto de forma trágica alguns anos depois. A cidade ficou de luto por seu filho ilustre. Eu ainda não trabalhava no Jornal Correio, mas aqui se deu ampla reportagem para a tragédia do Pompeu mais famoso da cidade.

Foi só alguns anos depois do falecimento de Júnior Glediston que fiquei sabendo de uma treta interna na família, porque ele e minha irmã do meio, Ana Glediston Pompeu, haviam tido um affair e foram repreendidos pelos familiares, que alegavam que primos namorarem era pecado e, caso resolvessem casar um dia, os filhos nasceriam aleijados.

Mas quem nunca, né…

Amor de infância, de verão… Todo mundo sempre tem uma boa história para contar, ainda mais quando o namorado era alguém da própria família… o primo! Havia um misto de excitação, incerteza, drama, proibição e muito tabu. Eu mesmo tirei uma lasquinha (escondido) com uma prima. Foi coisa de férias, mas foi engraçado e me marcou, também.  O romance entre primos pode ser, muito mais do que um affair passageiro.

Mas Ana foi embora para Pernambuco estudar antes que a coisa esquentasse. Júnior foi para Belém jogar futebol e estudou o quanto pôde. Namorou lá, aqui, mas morreu por volta dos 25 sem deixar filhos. Enquanto o pai era vivo, sua sepultura recebia sempre tratamento diferenciado no Cemitério da Saudade. Minha irmã jura de pés juntos que nunca chegaram a namorar de fato, mas há controvérsias, segundo as mais velhas.

Com um quê de proibido, o romance entre parentes é mesmo digno de Romeu e Julieta. Tudo que é proibido parece ser mais gostoso. Se não é a família que não arreda pé por achar que primos foram feitos para serem apenas parentes e, no máximo, amigos, por outro lado o empecilho para a relação pode ser a ciência. O medo, sempre foi, se chegassem a ter filhos.

Um amigo, em Marabá, que juntou os panos com a prima, teve dois filhos e viram os problemas aparecerem até a terceira geração. Os filhos abandonaram a escola na sexta série com reconhecida dificuldade cognitiva (repetiram várias vezes algumas séries). Casaram também e dois filhos destes nasceram com má formação genética e outro com surdez.

Hoje, a ciência se divide sobre o tal relacionamento consanguíneo. Eu ainda tenho minhas dúvidas, porque na infância nos encheram de medo. Quem quiser provar…vá lá.

(Ulisses Pompeu)

* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica às quintas-feiras