Eu desisti de um grupo de WhatsApp que conecta alguns moradores do bairro onde moro, no Belo Horizonte. Porque as prosas enveredaram por um rumo revoltante, que não tenho interesse em ir.
Numa desses zaps, duas mulheres pediram, “na brincadeira”, que o goleiro Bruno resolvesse a existência da ministra da Mulher, Damares Alves.
Fazer o mesmo ou semelhante ao que foi feito com Eliza Samúdio pelo arqueiro e seus parceiros. Dar um jeito de ela nunca ter existido. Sumi-la da vida para deixar de incomodar. Aparentemente, aquele comentário, entre os mais de 60 membros do grupo, parece ter revoltado só a mim.
Leia mais:Não sai logo, minto. Ainda restei uns meses no WhatsApp de lá. Sou desses internautas voyeur, dificilmente fico achando ou deixando de achar sobre tudo. Nem jogo milho pra conversa atravessada.
Decidi deixar de existir ali, quando começou uma discussão sobre comida para empregada doméstica e comida para patrão e patroa. Ou que a empregada estava engordando de tanto comer coisa boa às escondidas.
Achava que isso era assunto superado, coisa do costume de 1973. Tempo em que as cunhãs, trazidas meninotas dos castanhais da região, de Itupiranga ou de outra comunidade mais pobre economicamente, recebiam uma rede pra dormir na cozinha ou tinham a “mordomia” de ter um quarto de dormir no fim da cozinha ou na área de serviço. Mas não…
Fui lá e me deletei por aceitar a minha incompetência para fazer o contraponto. E reconhecer que há uma geração que não aceita exercitar outra possibilidade de olhar o mundo. Já fui mais assim, tento ser menos.
Curioso é que no mesmo bairro, onde algumas pessoas são repletas de certezas e intolerâncias, vejo pelo menos há dois meses, um Sandero da Prefeitura. Pernoita e amanhece no meio da rua, em frente a uma residência…
Sinto, sinto muito por gente que constrange o outro. E vezes, fico envergonhado do vexame do constrangedor. Feito o grupo que invadiu a Câmara Municipal de Marabá há três anos, atirou ovos em algumas pessoas e saiu de lá como se nada tivesse acontecido.
O fato de divergir de Lula ou Bolsonaro não dá o direito de atingi-los com o dedo nas ventas ou azucriná-los ao pé do ouvido. A reação pode não ser de um papa Francisco.
E se eles são ladrões ou fazem apologia à violência, ao estupro e à tortura, a Justiça é o caminho. O voto também.
Estou preferindo conviver com outro tipo de gente. Pode ser discordante, nunca houve problema nisso. Mas não carece de punhal, tocaia no aeroporto, invasão da casa alheia ou bomba no corpo.
A polarização tomou de conta, de vez, de nossa sociedade. O brasileiro escolheu um lado e milita por ele, mesmo que isso valha o sangue. Mesmo convivendo com uma pandemia, não ficamos unidos a despeito dela.
Pelo contrário, as opiniões divergentes sobre como enfrentar os desafios que o maldito vírus nos impõe tratou de nos separar ainda mais. Quem usa este ou aquele remédio desdenha da ciência e das demais pessoas, que são reticentes quanto ao uso.
Sair do grupo de Whatsapp não é tão difícil. O complexo é conseguir conviver com o turbilhão de informações contraditórias de um lado e do outro e não ter para onde ir. Não dá para isolar-se. O jeito é ouvir a opinião dos dois lados e não emitir nenhum tipo de opinião.
O resto? Bem, o resto é bomba.
Daqui a pouco, quando tudo isso passar, seja lá qual for o presidente da República, ele (ou ela) terá de desenhar janelas pra restauração das amizades, das conversas interrompidas e dos amores desfeitos. (Ulisses Pompeu)
* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira