Correio de Carajás

Crise climática: correntes do Atlântico podem colapsar em dois anos

Um dos mais importantes sistemas de circulação oceânica do planeta pode ruir entre 2025 e 2095, alterando em 15ºC a temperatura. Para cientistas, fenômeno é resultado da emissão de gases de efeito estufa

A troca de massas de água no Oceano Atlântico é fundamental para a manutenção do clima na Terra - (crédito: Henrik Egede-Lassen / Zoomedia)

Vital para o clima da Terra, um sistema de correntes oceânicas pode entrar em colapso em meados do século, com implicações catastróficas, alerta um estudo publicado, nesta terça-feira (25/07), na revista Nature Communications. A chamada Circulação Meridional de Capotamento do Atlântico (Amoc) é responsável pela redistribuição de calor dos trópicos para as regiões setentrionais do Oceano Atlântico, e uma eventual falência desse esquema poderia levar a alterações de até 15ºC em poucos anos. Para o Brasil e outros países do Hemisfério Sul, as alterações previstas reduziriam drasticamente as chuvas. No Norte, o cenário é de tempestades, baixíssimas temperaturas e aumento do nível do mar.

Os pesquisadores, da Universidade da Dinamarca, usaram registros da temperatura da superfície marinha na região do Atlântico Norte Subpolar, medida desde 1870, para calcular a estabilidade da Amoc. Embora o estudo não aponte a causa do enfraquecimento do sistema, os autores admitem que o aquecimento global puxado pela emissão de gases de efeito estufa esteja por trás da perturbação.

Em 2021, outro estudo publicado na revista Nature apontou que, com o oceano cada vez mais quente e um aumento médio de 1,1ºC na temperatura atmosférica desde o início do século 20, a Amoc já se encontra no ponto crítico, quando não há mais o que fazer para evitar um colapso. Nos últimos 1,6 mil anos, o sistema vem enfraquecendo, alertaram os cientistas.

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O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC) apontou, em seu relatório mais recente, que é improvável que isso ocorra até o fim do século. Mas, para a equipe dinamarquesa, pode-se esperar o colapso entre 2025 e 2095, com um intervalo de confiança de 95%. “É provável que aconteça em 34 anos, em 2057”, adverte o artigo, destacando que a Floresta Amazônica e as geleiras polares ficariam seriamente comprometidas.

Mensuração complexa
A última vez que a Amoc colapsou e se restaurou foi no período glacial mais recente, encerrado há cerca de 12 mil anos. Registros paleoclimáticos indicam que a falência no sistema de correntes levou a flutuações médias de temperatura no Hemisfério Norte entre 10ºC e 15ºC em uma década. Porém, a força dessa troca de águas no oceano só começou a ser monitorada em 2004. Por isso, os pesquisadores dinamarqueses usaram um método estatístico avançado que calculou a estabilidade do sistema com base nas temperaturas da superfície do mar nos últimos 150 anos.

Segundo Susanne Ditlevsen, pesquisadora da Universidade de Copenhague e um dos autores do estudo, a temperatura da superfície é como uma “impressão digital” da força da Amoc. “Com ferramentas estatísticas novas e aprimoradas, fizemos cálculos que fornecem uma estimativa mais robusta de quando é mais provável que ocorra um colapso da Circulação Termoalina (a troca das massas oceânicas), algo que não podíamos fazer antes”, explica a professora do Departamento de Matemática, em nota.

A falta de mensuração direta da força da Amoc levantou críticas sobre a metodologia do estudo. “A dificuldade está na escolha dos dados observacionais usados para alimentar o modelo matemático”, observa Levke Caesar, pesquisador do Instituto de Física Ambiental da Universidade de Bremen, na Alemanha. “A Amoc é um sistema complexo de correntes oceânicas superficiais e profundas (cerca de dois a três quilômetros de profundidade) que simplesmente não podem ser medidas diretamente”, diz.

Caesar destaca que instrumentos de medição foram instalados em vários locais do Atlântico desde o início dos anos 2000, medindo a força do fluxo do sistema em diferentes latitudes. “Mas as séries temporais resultantes são muito curtas para fazer afirmações sobre a estabilidade da Amoc. Portanto, os autores do estudo usam outros dados observacionais dos quais o estado do sistema pode ser derivado indireta ou aproximadamente. Embora esses dados sugiram que a Amoc tenha enfraquecido nos últimos 70 anos, eles ainda não foram suficientemente aperfeiçoados e testados para fazer declarações confiáveis sobre o futuro do sistema”, alerta.

Efeito disseminado
Contudo, o pesquisador do Departamento de Oceanografia lembra que outros estudos também chegaram à conclusão de que a Amoc está enfraquecendo. “Devemos levar essa mensagem a sério para estudar mais profundamente o sistema e reduzir nossas emissões de gases de efeito estufa, que são a principal causa da mudança climática antropogênica.”

Caesar destaca que o colapso do sistema afetaria todo o planeta. “A Amoc não afeta somente a Europa e os Estados Unidos, mas também a região equatorial, e parece ter uma influência particular na probabilidade e na quantidade de precipitação em partes da Ásia e da África. Inúmeras pessoas seriam afetadas por uma Amoc mais fraca. No geral, porém, ainda há necessidade de pesquisas adicionais para melhor quantificar os impactos.”

O principal autor do estudo, Peter Ditlevsen, reconhece que os cálculos não se referem diretamente à força do sistema de correntes, mas garante que a temperatura da superfície do mar representa com fidelidade a robustez da Amoc. “Estamos confiantes em nossos cálculos e, se estivermos certos, temos de nos preocupar agora.”

(Correio Braziliense)