Correio de Carajás

Crimes sexuais caem em Marabá e ações de prevenção ganham força

Mobilização nacional realizada em novembro reforça combate à violência contra a mulher

Ações institucionais e sociais fortalecem o combate à violência contra a mulher em Marabá (Imagem gerada por IA)
Por: Milla Andrade

Em meio aos 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher, iniciados em novembro em todo o país, Marabá tem um alento ao contabilizar dados que mostram uma redução de crimes sexuais contra elas e reforçam a importância de denunciar.

Dados levantados pelo Correio de Carajás junto à Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) indicam mudanças significativas entre janeiro e novembro de 2024 e o mesmo período de 2025. Uma das reduções mais expressivas está nos casos de estupro registrados na cidade, que caíram de 30 para 10.

A delegada titular da unidade especializada, Bianca Vieira, atribui a queda à atuação preventiva das instituições e ao fortalecimento da rede de proteção. “Creio que é resultado de ações preventivas que têm sido feitas não só pela delegacia da mulher, mas como por toda a rede de proteção”.

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Bianca afirma que a informação tem sido decisiva para estimular denúncias e orientar vítimas. Para ela, as mulheres hoje sabem quem devem procurar para denunciar e reconhecem que serão atendidas por outras mulheres, o que traz mais abertura e tranquilidade para relatar os casos.

Mesmo assim, afirma, a subnotificação segue sendo um obstáculo. “Ninguém quer ir numa delegacia para noticiar que foi vítima de um estupro. Então temos esses dois lados, da informação que chega e faz com que muitas vítimas nos procurem, mas também da subnotificação, por medo, vergonha, ou sentir culpa por aquela situação”, explica.

Houve redução, também, dos casos de importunação sexual. Foram registrados 21 em 2024 e 14 neste ano. A delegada alerta que grande parte desses crimes ocorrem no ambiente de trabalho, onde diversas vítimas sequer percebem que sofreram uma violência. Ela reforça que qualquer mulher pode procurar presencialmente a delegacia, mas o registro de ocorrência também pode ser feito pela Delegacia Virtual da Polícia Civil.

Se por um lado os ataques físicos diminuíram, por outro os crimes digitais, especialmente a divulgação de cenas de sexo ou estupro, aumentaram de oito para 13 ocorrências em 2025. De acordo com a delegada, nesses casos, os agressores acreditam estarem protegidos atrás de redes sociais, o que não é verdade.

ACOLHIMENTO E EMPATIA COMO PILARES

No período em que se discute amplamente acolhimento e empatia, Bianca aponta que ainda há desafios importantes. “A mulher está numa situação de vulnerabilidade em relação ao agressor. Nós precisamos muito trabalhar o fortalecimento daquela mulher para que ela consiga chegar até aqui e tenha força de registrar uma denúncia contra ele”.

Ela descreve o cuidado necessário no atendimento às vítimas. “A vítima de gênero chega fragilizada. Às vezes ela tem várias coisas para contar que não são criminais e nós temos que saber filtrar o que é importante para a investigação. É muito de uma sensibilidade, porque ela precisa do direito penal e de outros cuidados sociais”.

Bianca reforça que o apoio familiar e social é determinante. “É muito importante que a vítima de crimes sexuais tenha apoio no sentido de que ela não se sinta culpabilizada pelo que aconteceu. Nenhuma justificativa fundamenta a mulher passar por um crime sexual”.

             Bianca Vieira, delegada da Deam, destaca importância do acolhimento às vítimas                               (Foto: Evangelista Rocha)

Há dois anos na Delegacia da Mulher, ela compartilha a vivência de casos marcantes, além de situações com grande complexidade emocional. Enfatiza, ainda, que o ciclo da violência faz com que muitas mulheres retornem ao agressor não por escolha, mas por dependência emocional e social. “O agressor não é 24 horas agressivo. Em 10% do tempo ele vai agredir ela, então é muito difícil pensar que a pessoa que deveria protegê-la também é a que agride”.

A FORÇA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

A programação pelos 21 dias de ativismo mobiliza órgãos públicos, sociedade civil e movimentos feministas. Em 2025, também marca os 20 anos do Disque 180, canal nacional que acolhe denúncias de violência e aciona redes locais de proteção.

Entre as lideranças que atuam na linha de frente do enfrentamento à violência está Heidiany Moreno. Ativista no combate à violência obstétrica, ela também é presidente do movimento social Instrelas, professora e bancária.

Para Heidiany, o período é essencial para dar visibilidade às múltiplas formas de agressão. “É uma data na qual se tirou para fazer o trabalho nas redes e corpo a corpo”, compartilha.

Assim como a delegada, ela destaca que algumas violências ainda permanecem silenciadas por medo ou vergonha. “Nós temos altos índices de violência: assédio moral, assédio sexual, feminicídio, violência obstétrica, e inúmeras outras violências. Então são 21 dias para falar sobre todas essas formas de violência”, avalia.

Heidiany reforça a importância do Disque 180, serviço que recebe denúncias de qualquer lugar do país e encaminha cada caso para a rede de proteção. “É um número que pode ser acionado para qualquer forma de violência, ele está interligado à rede de combate à violência contra a mulher”.

Segundo ela, denunciar todas as formas de violência, especialmente a obstétrica, é fundamental para que políticas públicas sejam criadas. “É com a denúncia que conseguimos juntar os dados, que são elementos para criar políticas públicas”, encerra.

Heidiany destaca que Marabá possui uma rede integrada de acolhimento, com atendimento psicológico, casa de apoio e suporte social. Em cidades menores, porém, a ausência de serviços dificulta a busca por ajuda, o que os movimentos sociais tentam mudar por meio de articulação política.

Heidiany Moreno é pioneira no enfrentamento à violência obstétrica em Marabá
(Foto: Evangelista Rocha)

Ela também cita ferramentas recentes, como o WhatsApp Iara, usado no Pará para denúncias anônimas de violência doméstica, e reforça que a luta precisa ocorrer durante todo o ano. Embora novembro concentre ações, os trabalhos continuam de forma permanente nos conselhos e organismos de políticas públicas.

A atuação de Heidiany no combate à violência obstétrica nasceu de uma experiência pessoal. Ela sofreu violência obstétrica no parto da segunda filha e transformou o trauma em pesquisa acadêmica e militância. “Eu fui suturada sem anestesia. A partir de então, comecei a fazer denúncias sobre o que era a violência obstétrica, porque as mulheres não sabiam utilizar o termo em Marabá”, relata.

Com o aumento das denúncias, surgiu o Instituto Estrelas. Hoje, o grupo atua no enfrentamento à violência obstétrica, na mortalidade materna e neonatal, e representa a região em espaços nacionais e internacionais.

Heidiany explica ainda a relevância de políticas públicas como centros de parto normal, capacitação profissional e suporte financeiro para romper ciclos de violência. Para ela, o avanço depende de diálogo com gestores e parlamentares e de planejamento de longo prazo para Marabá.

CAMINHOS PARA ROMPER O CICLO DA VIOLÊNCIA

Tanto Bianca quanto Heidiany reforçam que o combate à violência depende do registro de cada caso. A delegada resume que acolhimento e escuta são essenciais para que a vítima tenha força para romper o ciclo. A ativista completa asseverando que denunciar salva vidas e produz dados capazes de transformar políticas públicas.

Ambas levantam a bandeira de uma luta comum: não a qualquer tipo de violência contra a mulher.

A mobilização dos 21 dias de ativismo tem o intuito de reforçar que nenhuma mulher deve enfrentar a violência sozinha, e que o trabalho integrado entre instituições, movimentos sociais e lideranças femininas se torna um alicerce.

A luta diária é sustentada por acolhimento e coragem. Segue guiada pela certeza de que cada denúncia registrada é um passo concreto rumo à garantia de direitos e à construção de uma cidade mais segura para todos, especialmente para as mulheres.