Atualização 5 de março de 2020 por Redação
“Eu estraguei a minha família”. A sentença é constantemente repetida por vítimas de abuso sexual no consultório da psicóloga Janaína Botelho, especialista que atende crianças e adolescentes no Centro de Referência de Assistência Social (Creas), em Parauapebas. A culpa é traço das vítimas de um crime sobre o qual não é possível traçar o perfil de quem o pratica, mas que têm em algo em comum: na maioria dos casos as vítimas têm relação de afeto com o criminoso.
Foram noticiados no Correio de Carajás, de janeiro até o início de março, seis casos que resultaram em prisão dos acusados. Dentre as vítimas, bebês de apenas 14 dias a adolescentes que são alunas, vizinhas, enteadas e até mesmo filhas dos agressores. Também não há uma idade específica que caracterize quem pratica os abusos. Dentre os presos há jovens e idosos e alguns deles ainda filmam a prática.
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Embora o maior número de agressores seja de homens, a psicóloga alerta que há casos de mulheres que também cometem este crime e que crianças do sexo masculino também são alvos. Uma das formas do criminoso agir é oferecendo dinheiro, chocolate, refrigerante e biscoito em troca do silêncio, como foi relatado em uma das matérias relatando a prisão de um homem acusado de abusar de crianças vizinhas.
Janaína Botelho destaca que as violências são marcadas por uma relação de poder de um superior contra um mais frágil. Usando força física ou artifícios psicológicos, como aliciamento, a intimidação e a sedução. O abuso costuma ocorrer na maioria das vezes dentro de um ambiente de fácil acesso à criança, onde já há um determinado nível de intimidade entre ela e o agressor.

PREVENÇÃO
Por ocorrer dentro de casa, com poucas ou nenhuma testemunha e permeado pela relação de afeto, o crime é difícil de ser detectado, mas a psicóloga defende que o melhor é fazer a prevenção, orientando às crianças sobre formas de abuso.
Uma das maneiras que Janaína encontrou para isso são os livros infantis, a exemplo do Pipo e Fifi, que aborda conceitos sobre o corpo, sentimentos, convivência e trocas afetivas, ensinando a diferenciar toques de amor de toques abusivos. Mudanças nas atitudes podem ser um sinal de quem passou por algum crime, como problemas na escola, voltar a fazer xixi na cama ou chorar muito.
“A escola é um local para detectar porque quando ela se identifica com alguma professora, ela fala. Quando é muito pequenininho, às vezes, não entende que passou por um abuso. As adolescentes, na maioria, quando começam a ter uma boa relação com a gente, elas falam”, conta a especialista.
A psicóloga diz ainda que muitas vezes a mãe já sabe o que está acontecendo. “A gente vai orientar essa mãe. A criança não necessariamente ela chega a falar, tem crianças que querem falar através do desenho, e a gente consegue perceber. É um conjunto, você já conversou com a criança, ela já tem um vínculo com você, em um ambiente propício, a gente pede para ela fazer um desenho da família, o lugar que mais convive, a escola. Lembro de um caso, em um projeto que trabalhei, que uma menina começou a desenhar a mãe, o irmão, quando ela foi desenhar o pai, disse que não queria desenhar ele e apagou. Como a criança vai apagar o pai? Aconteceu alguma coisa”, destaca.
Este indício, entretanto, precisa ser analisado com bastante cautela e associado a outros fatores para determinar se houve abuso sexual ou se trata de outro problema familiar, alerta. “Ou ele é um agressor que bate na mãe ou um pai que fala palavras tóxicas demais. Mas é a partir destes indícios que chamamos a família para conversar”.
Sobre a metodologia, Janaína conta que o trabalho feito no Creas é de acompanhamento. “A gente chama as pessoas, faz visitas, tem atividade em grupo, mas tem casos que os envolvidos não aceitam e não acreditam na criança, ficando do lado do pai ou do padrasto”. Conforme ela, em casos detectados, é feito plano de acompanhamento com uma média de três meses de duração.
“A gente avalia se faz mais três meses ou não. Mas a família tem que saber que esse plano existe, tem que saber que tem todo um trabalho e participar dele. Lembro de um caso, de uma menina que mudou completamente, uma adolescente, ela chegou aqui destruída, mas voltou a ser alegre, amorosa”, relembra, sobre a necessidade de tratamento às vítimas.
Sinais que podem caracterizar uma situação de abuso:
- Hipererotização: o corpo se torna uma via de comunicação. Ela toca no corpo, usa-o como mecanismo de sedução.
- Isolamento: a criança perde autoestima e se torna insegura. Não quer mais brincar com os amigos nem sair de casa.
- Regressão no desenvolvimento: tanto cognitiva, quanto fisiológica. A criança volta a usar chupeta e a precisar de fralda, por exemplo.
- Existência de segredos: eles costumam ser indícios de chantagens que podem estar sendo feitas pelo abusador.
- Oscilações de humor.
- Perda de interesse nos estudos.
- Distúrbios alimentares.
- Conhecimento sexual impróprio para a idade.
(Theíza Cristhine)