Correio de Carajás

Criança com espectro autista ganha ação inédita em Marabá

É abusivo negar tratamento médico apenas por este não estar coberto na apólice contratada ou não constar no rol de procedimentos obrigatórios da agência reguladora dos planos de saúde. Assim entendeu a magistrada Andrea Aparecida de Almeida Lopes, respondendo pela 3ª Vara Cível e Empresarial de Marabá, ao determinar que a Unimed Fama autorize a cobertura de tratamento multidisciplinar a uma criança com autismo. Trata-se da primeira decisão expedida no município a esse respeito, segundo levantamento feito pela Reportagem do CORREIO.

O processo envolve um menor e sua mãe, Petronila Wanzeler Rodrigues, procurou o Ministério Público do Estado do Pará, que a representou em ação na Justiça.

O tratamento para o garoto abrange terapia psicológica, fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicopedagogia pelo método de Análise do Comportamento Aplicada (ABA, na sigla em inglês), indicado pelo médico que trata do paciente. De acordo com o processo, a criança foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA), necessitando de intervenção comportamental intensiva e, segundo a prescrição médica, de tratamento multidisciplinar com diversas terapias por tempo indeterminado.

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Na Justiça, a mãe da criança alegou que a ausência dessas terapias pode prejudicar o desenvolvimento global do filho, em especial as habilidades necessárias para a inclusão social. Já o plano de saúde negou a cobertura do tratamento solicitado, sob o argumento de que não consta na lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e que não possui evidências científicas que comprovem a eficácia.

Na decisão, a juíza penhora que cabe ao profissional da área indicar o tratamento adequado ao seu paciente, “não se admitindo interferência do convênio para este fim, sob pena de violar o próprio objeto contratado, qual seja, a proteção da vida e da saúde do segurado”. Ela condenou a administradora do plano a oferecer o tratamento, sob multa de R$ 5 mil por cada recusa.

Na avaliação da magistrada, em sua defesa, a operadora do plano de saúde limitou-se, em linhas gerais, a negar o atendimento da prescrição médica a seu segurado, sob o argumento de que a cobertura contratual não o contemplaria, com base nos termos do ajuste firmado, bem como nas resolutivas limitadoras da ANS (Agência Nacional de Saúde). “A pretensa justificativa não me persuadiu, nem minimamente, de forma que entendo que o comportamento da ré se distanciou da legalidade”.

Ainda segundo a decisão judicial, não se justifica a imposição de uma restrição de cobertura à prestação de atendimento a pessoas com problemas de saúde, mormente quando se considera que esta cobertura é a finalidade básica do contrato em evidência. Além do que, não é possível ignorar a natureza dos serviços contratados, que por serem diretamente ligados à existência da pessoa humana, não podem ser considerados como um outro produto qualquer.

“O risco inerente a esse contrato, assim como os demais no âmbito das relações de consumo, não pode ser transferido da empresa ao consumidor, que não pode sofrer com o estabelecimento de cláusulas imbuídas de iniquidade impondo-se lhe limitação de direitos, de maneira unilateral e com base unicamente nos interesses pecuniários de uma das partes, no caso a contratada. A meu ver, como espécie de ato negocial, nesse caso, ligado à proteção da vida e da saúde do contratado – o consumidor, disposições que colocam seus bens jurídicos mais caros em risco, além de serem abusivas, na forma do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, afrontam os deveres da boa-fé objetiva, pois, consideram apenas o sentido monetário do ajuste e primam pela constante busca do seu equilíbrio econômico financeiro a favor da Contratada, acabando por relegar a um patamar menor os escopos do contratante, justamente no que concerne à defesa de seus interesses mais sensíveis”.

Por fim, a juíza, em sua sentença, advertiu que não deve haver a limitação à quantidade de sessões de terapia pretendidas, como também não se deve restringir o tratamento prescrito pelo médico ao paciente segurado, a despeito de ser esse taxado por “experimental”. (Ulisses Pompeu)

Unimed declara que método não é eficaz

Nos autos do processo, a Unimed Fama pondera que “a indicação de sessões de psicoterapia pelo método de análise comportamental não se trata de uma terapia convencional, mas de um método especial, com nítidas características educacionais que, por isso, não haveria qualquer obrigatoriedade de a operadora de saúde custear o método educacional, por mais benéfico que seja para o desenvolvimento de suas habilidades”.

A administradora afirma, ainda, que “a metodologia não encontra evidências científicas que demonstrem sua eficácia, pois se trata de um procedimento experimental não coberto pelo contrato pactuado entre as partes”. Além disso, pontua que sessões de psicoterapia e fonoaudiologia, ambas pelo método convencional, seriam oferecidas em número limitado. Tratamentos experimentais estariam excluídos da cobertura.

Por fim, a Unimed enfatiza que, caso os fundamentos não fossem acolhidos pela magistrada, não poderia ser condenada a suportar a quantidade de sessões pleiteadas pela criança, que não respeitam as diretrizes de utilização impostas pela agência, tendo sustentado a inexistência de qualquer ato ilícito ou abusividade em sua conduta, posto que foi sempre observado o disposto no contrato. (Da Redação)

Conheça os principais benefícios da terapia ABA

De acordo com a Associação para a Ciência do Tratamento do Autismo dos Estados Unidos, terapia ABA é o único método eficaz, capaz de proporcionar melhora na qualidade de vida e até mesmo independência

Estão na casa dos milhões o número de pessoas com o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil. O último levantamento, realizado com base em números Internacionais, constatou cerca de 2 milhões de casos somente em 2015. De lá para cá, poucos estudos foram feitos para acompanhar o crescimento em casos de autismo, algo que deve mudar após a inclusão do TEA nos censos demográficos realizados pelo IBGE nos próximos anos.

Enquanto o Brasil não desenvolve programas específicos para estudo e tratamento do TEA, órgãos e instituições como, por exemplo, o IEAC (Instituto de Educação e Análise do Comportamento), têm buscado em países mais desenvolvidos alternativas de tratamentos e estudos. Um deles é a Análise do Comportamento Aplicada (ABA).

A ciência ainda não encontrou a cura para o TEA, mas, de acordo com a Associação para a Ciência do Tratamento do Autismo dos Estados Unidos, o ABA é considerado o único tratamento que possui evidência científica suficiente para ser considerada eficaz no tratamento do autismo, principalmente, se for iniciado nos primeiros anos de vida do paciente.

A terapia ABA é uma ciência baseada em estudos e testes, que tem como objetivo analisar o comportamento humano. O tratamento abrange o ensino intensivo e individualizado das habilidades essenciais para que crianças autistas possam conquistar a melhor qualidade de vida possível, a especialista Michelli Freitas, pedagoga e diretora do IEAC, explica: “As habilidades a serem ensinadas dependerão das características e necessidades particulares da criança, ou seja, do seu repertório.”

Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, pelo psicólogo e professor Ole Ivar Lovaas, em 1987, foi pioneira ao indicar intervenções baseadas em ABA como formas de tratamento ao TEA. Desde então, vários estudos têm mostrado que cerca de 80% dos casos de autismo que são submetidos a tratamentos baseados em análise do comportamento aplicada, apresentam boa ou excelente evolução.

A pedagoga MIchelli Freitas, especialista no programa ABA, ressalta que a terapia deve ser iniciada o quanto antes, assim, a avaliação inicial identificará os comportamentos que estão em déficit e os que estão em excesso, bem como o plano de intervenção individual que será elaborado e colocado em prática.

“Recomenda-se que a intervenção seja realizada diariamente, ao menos 2 horas por dia. Também é importante que sejam feitas estimulações contínuas com situações no dia a dia da criança. Quanto mais estimulada e ensinada ela for, melhores resultados serão obtidos com o tratamento.” (segs.com.br)