Assim como os garimpeiros buscam o metal reluzente, a autora pela transformação da história do garimpo em dança e documentário precisava encontrar nas profundezas do imaginário íntimo algo semelhante à alegria do garimpeiro ao se deparar com uma lavra repleta de ouro.
Essa busca incessante da autora, a gaúcha radicada em São Paulo, Carolina Sudati, fez surgir o projeto “Perfeita e a corrida do ouro”. Segundo ela, “é uma imersão no corpo e na memória do garimpo – da sobrevivência ao cuidado ambiental”. A obra é contemplada com a Bolsa de Residência Artística nas Estações de Cidadania pela Funarte e conta também com o apoio da Prefeitura de Jacundá.
No auge dos seus 40 anos, a artista Carolina, cuja assinatura artística é “Translúcida/Bruta”, saiu de São Paulo há três meses com a missão de tirar do papel o projeto dançante-documentário para contar a história do ciclo extrativismo-mineral das regiões sul e sudeste do Pará desde o início do século 19.
Leia mais:Dos rios Tocantins e Itacaiunas ao maior garimpo a céu aberto do mundo, a Serra Pelada. “No Tocantins, os garimpeiros faziam uso do escafandro para mergulhar e extrair os minerais, como ouro e diamante. Já em Serra Pelada, temos outras ferramentas que disparam os movimentos. O escafandro entra na dança, assim como as picaretas, pás e outros objetos”.
Para chegar a Jacundá, a dançarina conta que sua mãe lhe enviou o edital sobre o cadastramento de projetos culturais na Fundação Nacional das Artes. “Para a escrita do projeto criei um raio de Serra Pelada até um local habilitado, olhei para o mapa e vi que o município de Jacundá dispunha de uma Praça Ceu. Ainda precisava de uma carta de adesão que devia chegar em tempo recorde. Tinha esperança, mesmo percebendo o quadro cultural que o Brasil encontra-se.”. Assim, ela chegou até o nome de Aldson Reis, que em tempo hábil, junto ao Conselho Gestor do Centro de Esportes Unificados, deu carta branca.
#Partiu Jacundá
Bagagem arrumada, passagem aérea em mãos, “partiu Jacundá”. Durante três meses a artista esteve nesse processo de imersão no corpo e na memória do garimpo, com o desafio de observar o paralelo entre a sobrevivência e o cuidado ambiental.
O projeto, que inicialmente tinha o âmbito de pesquisa, cresceu devido à amplitude poética da comunidade local, à riqueza das histórias e à contemporaneidade do tema, visto que o contexto que colocou a antiga Jacundá embaixo d’água merece atenção.
“A pesquisa parte da transposição de narrativas e desejos em objetos *vestíveis* que disparam movimentos corporais. As memórias do garimpo e dos temas que os cercam, desde a Velha Jacundá até a Serra Pelada foram os ingredientes para os corpos dos participantes que entregaram-se com uma beleza ímpar ao processo vivenciado”.
Para ela, a integração local proporcionou diversos ganhos ao projeto, incluindo a colaboração dos artesãos, onde cita o especialista em couro, Lucas, da Selaria Mineira 2, e Isaias Luiz, serralheiro. “A generosidade dos colaboradores e o acolhimento do projeto pelas secretarias do município tornou o processo possível em um âmbito de troca muito rico”.
A apresentação da dança aconteceu nos dias 15 e 16 deste mês, no Galpão da Feira Municipal. Lá, “a performance da fantasia e o real se misturam, integrando movimento e projeção, através da qual são trazidos depoimentos de diferentes colaboradores, especialmente relatos e imaginários de Carlão Publicidade e de Leoeze Nunes Martins”.
Outro importante colaborador, segundo ela, foi Raimundo Rodrigues dos Santos, o Raimundão, morador da antiga Jacundá e que já exerceu atividade no legislativo municipal.
Para dar conta de transpor para a dança o conteúdo pesquisado somaram-se à artista um time transgeracional que mergulhou no processo envolvendo o estudo do tema e o levantamento de seus próprios desafios pessoais. Este time é formado por Clara Barbosa, Dayane Santana, Eslany Fernandes, Ingrid Loo’h, Janielly de Souza Rodrigues, Jakeline Procópio de Souza, Janildo Moura Rodrigues, João Pedro Brito Lima, Kayllane Pedroso Rodrigues, Kairys, Mylena Souza, Silvaney da Gincana e Thaiky Lorrane. Estes co-criadores uniram-se aos artistas associados que têm acompanhado Carolina na sua trajetória e que também vieram de São Paulo para esta ação. Leo Ceolin, com o qual compartilha a investigação conceitual do projeto, Jose Bárrickelo na intervenção sonora e Mayra Azzi com a produção de imagens.
A troca ficou ainda mais potente com a participação dos artistas locais Adriano Show, Elwys Barbosa e do coreógrafo Roberto Campos e a Quadrilha Junina Tradição, colaborando para iluminar os relatos e imaginários deste processo.
A última ação desta etapa do projeto “Perfeita e a Corrida do Ouro” será a exibição de um filme-documentário, que acontece no dia 3 de março, às 19h, no Museu Histórico de Jacundá, e ainda no dia 4 de março, às 19h, na Sessão de Cinema da Praça CEU. Ambos os eventos são gratuitos e livre para todos os públicos. (Antonio Barroso)