Ao longo de 38 anos, o Jornal Correio passou por muitas mãos e mentes até cada edição chegar nas bancas, nas mesas de café da manhã, nas recepções e nas rodas de conversa. Parte delas ainda integra essa engrenagem, mas dezenas de outras se foram, não sem deixar o nome impresso na memória regional.
Uma dessas assinaturas é a do experiente repórter Nilson Santos, conhecido em Marabá como “Cara Feia”, apelido decorrente do slogan “o homem que não tem medo de cara feia”, adotado por ele quando integrou o time da saudosa Rádio Itacaiúnas AM e passou a apresentar o programa policial “Patrulha 850”.
Com quatro décadas de profissão, Nilson completou 61 anos no último 15 de janeiro, coincidentemente a data de aniversário do Jornal Correio, onde atuou como redator no final da década de 1980 e parte da década de 1990. Quando Nilson chegou em Marabá, em 1.986, o então Correio do Tocantins era uma criança que há pouco aprendera a caminhar e teve no repórter um dos apoios para crescer e alcançar a credibilidade pela qual é famoso.
Leia mais:Nilson nasceu em Belém, capital do Pará, onde começou a trabalhar com 16 anos no Jornal O Liberal. “Naquela época chamava de ‘foca’”, diz. Talvez um pouco esquecido, o termo nascido nas redações é empregado para denominar jornalistas em início de carreira e ainda inexperientes. De lá, mudou-se para Castanhal, distante 75 km, onde tornou-se radialista. Algum tempo depois nova mudança, desta vez de 600 quilômetros.
“Em 1986, quando eu já estava trabalhando na primeira rádio de Castanhal, recebi o convite pra fazer parte da recém-inaugurada Rádio Itacaiúnas (Marabá) pelo Aziz Mutran. Foi um convite bom, um momento oportuno. Eles estavam primando por bons profissionais”, conta.
Na emissora, a missão de Nilson era assumir o setor de Jornalismo, caminho que logo o levou ao jornalista Mascarenhas Carvalho, fundador do então Jornal Correio do Tocantins. “Ele estava precisando de um repórter policial e essa sempre foi a minha área, sempre gostei da área policial. Me convidou pra jantar, nós conversamos e eu passei também a integrar a equipe do Correio, na qual fiquei por muito tempo ao lado do saudoso Miguel Pereira, do Ademir Braz e de outros grandes profissionais… Domingos Cezar veio um pouco depois. A partir daí, passei também a fazer parte da história do Jornal Correio do Tocantins”, orgulha-se.
OFFLINE
Quando a internet até existia, mas não era popularizada – principalmente no Brasil e especificamente na Amazônia – a rotina das redações de jornal era bem diferente da atual. Não havia motores de busca, não havia dados públicos disponíveis facilmente e não havia o que mais acabaria interferindo no trabalho do repórter policial posteriormente: as redes sociais.
Imagine que se não há rede social também não há Whatsapp, portanto não há grupo virtual que dissemine na velocidade de um raio informações e imagens de um crime, de um acidente, de um incêndio ou de qualquer fato que possa ser jornalisticamente relevante. O aplicativo em questão é apenas um exemplo, talvez o mais popular, mas não o único.
Saber “onde” estava a notícia exigia esforço redobrado e era necessária uma vasta agenda contendo os contatos das fontes exaustivamente conquistadas. Marabá, naquela época, era uma cidade ‘crua’, conforme define o jornalista, e noticiar era um desafio. “A cidade não tava acostumada com aquela situação (notícias policiais). Tinha muita cautela em pautar as matérias, mas tinha que fazer noticiário de uma hora e o boletim de hora em hora”, explica, referindo-se à atuação na Rádio Itacaiúnas.
Nilson relembra como era trabalhar sem um smartphone na mão. “Hoje trabalha-se com mais facilidade do que antigamente. A gente tinha que correr atrás da notícia, tinha que ir em cima mesmo. Hoje a matéria chega até você e vai ter apenas a preocupação de que o repórter vá lá conferir de perto. Antigamente a gente andava com equipamento grande, maior trabalho pra ligar, pilha e tudo mais… hoje tá muito mais fácil fazer imprensa. O dinamismo é claro que não mudou, a dinâmica do jornalismo permanece, mas a forma, o formato, acho que melhorou e facilitou muito mais o trabalho”, define.
Ainda neste contexto, o repórter analisa a internet pintada como inimiga do jornalismo impresso. “Muita gente previu que tava chegando o momento de enterrar o jornal escrito e a gente percebe que não é bem assim, muitos estão sobrevivendo, grandes jornais de Belém estão aí, firmes e fortes, e aqui nós temos o Correio de Tocantins, embora tenha suprimido o Tocantins e ficado o Correio, dando continuidade. A gente vê que é um vício. A pessoa gosta de pegar, sentir o papel, tomar o café da manhã sentindo aquele cheiro de tinta pra poder se atualizar da notícia”, afirma.
MEMÓRIA
Testemunha ocular do desenvolvimento regional, Nilson Santos destaca o papel do jornal impresso em documentar este processo. Relembra que Mascarenhas Carvalho demonstrava grande preocupação em manter os arquivos do jornal. Durante a entrevista concedida nesta semana, na redação, observou que as edições seguem sendo encadernadas e armazenadas com cuidado, mesmo com facilidade de se manter um arquivo digital.
“É um diferencial. A história viva está aqui. Você quer lembrar de alguma coisa que aconteceu há cinco anos? Você vem e procura no arquivo do Jornal ou na Casa da Cultura, com certeza eles têm, então tem como reviver o passado. Corre-se o risco, caso não se tenha esse arquivo, de se perder a memória com o tempo”, acredita.
PROFISSÃO REPÓRTER
Nilson Santos lembra que nem sempre o caminho traçado na profissão foi de flores e a maior dificuldade enfrentada pelo repórter policial é justamente o meio no qual está inserido e onde busca as informações. O perigo, inclusive, não parte apenas de quem vive à margem da sociedade – do criminoso em si -, mas até daqueles que têm como obrigação a proteção da legalidade.
“Sofri ameaças de morte, sofri agressões. Uma vez na Praia do Geladinho por alguns policiais. Foi aberto um inquérito no 4º BPM (Batalhão de Polícia Militar), a Associação de Imprensa se solidarizou, cobrou punição, mas ninguém conseguiu identificar os policiais que me agrediram. Até uma máquina (câmera fotográfica) do Correio foi quebrada… foi uma onda. Teve aquela turma do ‘deixa disso’ que apaziguou, mas a gente sofreu algumas represálias durante esse tempo”, recorda.
Passada mais de década, Nilson defende que o perigo permanece, principalmente para quem trabalha com registro policial. “A gente tem que ter muita cautela ainda e percebe que a sociedade como um todo está um pouco mais violenta. As pessoas, parece, perderam o senso de humanidade, de solidariedade. Apesar de toda essa evolução que nós temos, esse perigo continua aí e vez em quando a gente vê noticiado: ‘mataram o radialista’. Mataram esses dias, invadiram um estúdio pra matar radialista dentro do estúdio”, declara, referindo-se ao crime registrado na noite de sábado (23), que vitimou o radialista Eneias Rodrigues Soares nos estúdios da Ativa Anari FM, em Vale do Anari (RO).(Patrick Roberto/Luciana Marschall)