O nosso encontro de hoje será carregado de antropologia, história, design e a nova arqueologia urbana que vem sendo escrita na cidade de Parauapebas. Nesse primeiro momento, te convido a conhecer a história do senhor José Augusto, designer, português, que vem desenvolvendo um brilhante trabalho em parceria com a Cooperativa Cultural Mulheres de Barros em uma conexão Brasil-Portugal.
José recebeu a Cultura Livre em um bate papo leve, sereno e pra lá de gostoso em uma manhã de sábado no próprio Centro Cultural das Mulheres de Barro. Como mencionado anteriormente, referente à nova antropologia visual que vem sendo escrita na cidade, contextualizamos nesse primeiro momento o trabalho realizado pelo designer português e no segundo momento falaremos em um outro encontro das intervenções artísticas do grafiteiro e artista visual Thiago Tigo.
Tivemos uma vivência de sete horas na intervenção artística que aconteceu dentro da programação do Ocupa CDC. Tigo, quando está com os demais grafiteiros faz parte do coletivo RALE. Já em seu trabalho individual, ele assina peças que trabalham as questões da natureza, realidade amazônica, arqueologia e questões antropológicas. Isso sem esquecer de mencionar o uso de pigmentos naturais da região para construção de sua pintura. Só que esse papo fica pra depois, em uma coluna dedicada especialmente ao trabalho do cara.
Leia mais:Voltamos ao Senhor José, nosso designer. Acompanhe:
Quem é o senhor José Augusto, o artesão e designer?
Eu desde pequeno já era artista, meu pai era profissional, minha irmã era pintora, e fui desenvolvendo aos poucos a minha aptidão natural. A azulejaria começou há uns anos porque eu trabalhei em uma cerâmica em Portugal. Sou português, esqueci-me de dizer, tenho 65 anos e sou de perto de Lisboa, da cidade de Torres Vedras, uma zona de muita cerâmica. Inclusive, a cerca de 30 km de Torres, tem um Caldas da Rainha que é um grande polo de cerâmica, não só de Portugal, mas a nível europeu. Uma referência na cerâmica e na azulejaria também, com vários cursos que tive por lá também.
Por que a atividade de azulejaria?
Porque é uma atividade que está sempre a inovar, nós nunca fazemos trabalhos iguais, para quem não gosta de rotina, a azulejaria é uma coisa boa porque são criações que não se repetem muito. Me dediquei como hobby, tinha minha vida profissional.
A sua formação profissional era?
Eu fui durante muitos anos técnico da Portugal Telecom, no setor de energias, sistemas básicos de telefônica, e depois licenciei na informática, mas sempre segui paralelamente com o hobby da cerâmica e neste caso da azulejaria.
No Brasil e nessa região, para a juventude, eu penso que é muito interessante para um jovem que revela aptidões naturais e que nas nossas oficinas percebemos, diante do que se vem aprender com cerâmica e muitas vezes há revelações.
Revelações estas que devem ser acarinhadas, tomadas porque neste momento – no nível de trabalho que estou a desenvolver nas Mulheres de Barro – não existe no Brasil e arriscaria talvez a dizer em todo o mundo, porque eu faço parte pelo menos de cinco associações de cerâmica a nível mundial. Esse projeto aqui não tem igual! Isso já é um fator bem determinante na cidade de Parauapebas.
Conte-nos um pouco mais sobre o azulejo português e as suas influências.
O azulejo é uma criação árabe e com essa influência a península ibérica, Portugal foi ocupada pelos árabes, sofreu influência árabe na construção e concretamente na parte da azulejaria. Você pode ver que o árabe não faz figuras, por parte das características da sua cultura que não permite isso, mas faz letras, faz design geométricos, faz muitas coisas.
Os portugueses e os espanhóis absorveram um pouco as técnicas dos árabes e transformaram isso no que nós conhecemos como o azulejo português que não é só português. Se bem que eu sou português e estou aqui puxando a brasa para a minha sardinha, mas não é. Os espanhóis também têm um bom azulejo. No Século XVII e fins do Século XVI formaram as escolas que ainda hoje algumas estão presentes nas cidades, é o caso de umas três ou quatro em Portugal que remontam a esse tempo.
E o Brasil?
O Brasil teve uma grande influência no azulejo por conta dos portugueses que evidentemente chegaram por aqui no período da colonização. Os grandes fazendeiros, políticos, enfim, na época áurea aqui do Brasil. Não só os portugueses, mas os próprios brasileiros deram segmento a história do azulejo aqui no Brasil.
Um fato interessante na história brasileira é o restauro na azulejaria portuguesa presenta na cidade de Salvador, na Bahia. Tem um patrimônio muito grande e talvez nos estados, para além de Belém, São Luís… Mas na Bahia, (Salvador) foi a primeira cidade que conheci quando cheguei ao Brasil. E através de pessoas amigas que conheciam o meu trabalho pude ajudar na parte de restauro e depois a convite vim a primeira vez ao Brasil e por aqui eu fiquei e fui ficando.
Então é assim que o senhor chega ao Brasil?
Sim, foi assim.
Conhece São Luís a capital do Maranhão?
Sim, estive numa escola de cerâmica, porém só em caráter de visita mesmo. No momento em que visitei não tinha grande conhecimento com as pessoas do local. Sei que existe um grande patrimônio na cidade, mas ainda não estudei a fundo o contexto da azulejaria portuguesa e a relação com a cidade. Meu contato foi mais com a Bahia mesmo.
E como chega a região de Carajás?
Olha, eu tinha uma vontade grande de vir ao Brasil, como eu trabalhava em uma empresa de telecomunicações, que era a minha atividade principal, e como estava chegando perto da minha aposentadoria eu fiz um compromisso com a empresa e chegamos a um acordo e eu então decidi vir ao Brasil para morar.
Conheci minha primeira esposa em Portugal, ela é luso-brasileira, casamos lá e ela como era daqui, com família no Brasil, viemos para cá. A ideia não era vir concretamente para Parauapebas, a princípio era só até Salvador, na Bahia.
A vida tem dessas coisas e acabei chegando por aqui. É importante o trabalho que estamos a fazer neste momento, tanto com as Mulheres de Barro quanto na parte que eu estou a trabalhar com azulejaria.
Pode nos explicar melhor este trabalho desenvolvido junto das Mulheres de Barros, com oficinas que já aconteceram tanto em Parauapebas como em Canãa dos Carajás?
Tivemos uma oficina em Canãa dos Carajás de azulejaria, que nós aqui chamamos de plaquinhas, porque se tem essa ideia de que o azulejo é uma coisa que compramos para colocar no banheiro, na cozinha ou em outra parte da casa.
Então, este trabalho, pelo menos aqui, é a designação que dão, uma palavra muito utilizada no Brasil são as plaquinhas. A plaquinha pode ser tanto quadrada, quanto retangular, qualquer formato. Como o azulejo que tem um formato qualquer. O que está em jogo é a técnica para fabricação, pintura e assadura (cozimento) desse mesmo azulejo.
Conheces a cidade de Marabá?
Sim, conheço. Eu me separei da minha primeira esposa e neste momento estou com uma pessoa que era policial lá em Marabá e então eu conheço bem essa região pelas viagens realizadas entre as duas cidades.
Esse trabalho que está a desenvolver, além de primar pela técnica e processo de produção das plaquinhas e contextualizar o azulejo português como você nos descreve no início, tens uma preocupação com as questões culturais locais, tais como os elementos da natureza, arqueologia e as questões indígenas presentes na região?
Isso faz parte um pouco do patrimônio histórico e arqueológico da região de Carajás.
O projeto que ainda estamos, esse projeto, tentou valorizar as descobertas arqueológicas e o que as Mulheres de Barro tentam fazer e conseguem à princípio é identificar os grafismos e as peças antigas descobertas pela arqueologia e transpô-las para a data atual.
Atualizá-las digamos, não descaracterizando a sua forma original. Pelo contrário. É questão da azulejaria, surgiu na minha vida. Também trabalhei muito com cerâmica, é minha facilidade nos grafismos que faço em qualquer peça.
E não é só grafismo, nós estamos muito limitados em termos de cores, porque trabalhamos muito com pigmentos naturais próprios da região. Agregando valor as peças produzidas e então não é só o grafismo, mas é concessão da cor, dos contrastes que vão ser criados nas pinturas.
E esses contrastes nós estamos um pouco limitados pela questão dos óxidos que são dois principais – oxido de ferro e oxido de manganês. Depois temos outras cores que são argilas coloridas que podem ter uma variação muito grande.
Quase todos os barros ao chegarem a temperatura de 500 graus passam a chegar a cor normal do barro – vermelho, laranjado, amarelo, mais escuros.
Isso tem a ver com parte Arqueológica e Antropomórfica dos achados arqueológicos da região?
A parte arqueológica especificamente com os grafismos antropomórficos (figurativos) e depois da um relevo a gravura, porque basicamente as peças são gravadas em profundidade com materiais duros, quando a argila está num ponto chamado ponto de couro. É um estado em que a argila está não tão seca e nem tão úmida. Neste momento são feitos os grafismos nas peças e depois são preenchidos com o manganês, na cor escura para realçar um pouco a figura. Só depois irá assar a peça.
Seu trabalho tem uma preocupação social, de fomento a cultura local, geração de renda. Recebe algum apoio ou pensa em outros desdobramentos deste trabalho?
O projeto inicial é um projeto da Vale, apoiado pela Vale mais a Secretaria de Educação e município. O projeto esse que está a acabar daqui três anos, penso eu, já estamos há cerca de dois, existia a construção disto desde o princípio até agora.
Mas a história das Mulheres de Barro é um pouco mais antiga. Tivemos oficinas e ainda continuamos a ter, especialmente para jovens e também tem a parte de adultos, mas em pequena escala.
Esses cursos são patrocinados, evidentemente, as pessoas não são cobradas por isso, as pessoas vêm e fazem o curso livremente. Para o desenvolvimento não só cultural, mas, a parte econômica da questão, e com a técnica que temos aqui, que é muito boa e vamos ter mais coisas ainda que vamos desenvolver no futuro.
Eu penso que quem realizar um curso aqui de cerâmica vai seguir com capacidade e técnica para desenvolver uma pequena indústria. A técnica nós já ensinamos, agora a criatividade das pessoas é o que é mais importante de tudo.
Eu tenho o meu trabalho, a minha criação, mas a outra pessoa tem a mesma técnica que eu e cria coisas completamente diferentes. Depende do conceito que essa pessoa tem, do meio social em que ela está inserida. Falando em meio social foi muito bom a juventude, no contexto social, os jovens virem aqui para as Mulheres de Barro, para as oficinas, ocupando seus tempos livres. Eles estão aqui e não fazem bagunça na rua e nem são aliciados por coisas ruins. É um ponto positivo.
E com relação aos adultos?
Em relação aos adultos vieram professores também, já com conhecimentos maiores sobre design e técnicas de pintura. Tudo isso é válido aqui quando nós estamos a trabalhar peças de barro. Barros coloridos, pinturas, limitações de algumas cores que temos, pois não são muitas, mas que mesmo assim temos a brilhar muito por aqui. No futuro poderá até haver a descoberta de cores aqui na região. Nós iremos aproveitar para isso.
Quando se fala em cerâmica no Estado do Pará a primeira coisa que vem à mente é a cerâmica Marajoara. Como trabalhar essa questão da importância da cultura Marajoara sem esquecer da realidade antropológica e social da região de Carajás?
Eu conheço pouco da história da cerâmica marajoara, já vi algumas peças, deu a sensação que são peças gravadas e pintadas não com cerâmicas, mas com tintas d’água, penso eu. Da experiência que eu tenho, da minha visão como ceramistas há muitos anos, ela não é uma cerâmica pura, eu acho a nossa cerâmica com muito mais identidade e não tem nada a ver com a Marajoara.
São formas completamente diferentes, são conceitos diferentes. Digamos que muita gente goste de uma e outros gostem da outra cerâmica. No meu conceito, cerâmica deve ser feita com materiais cerâmicos. Quando nós fazemos um vaso cerâmico qualquer, pegamos ele ou compramos e levamos para casa e depois pintamos com tinta d’água…
Sem querer descaracterizar o trabalho, eu acho um pouco mais vulgar. A nossa é feita com muito mais identidade, em um processo que é do fogo do princípio ao fim. A Marajoara você cozinha a peça e depois pinta.
Essa é a ideia que eu tenho, posso estar errado. Eu vi Marajoara em aeroportos, exposições. Ela não é muito diversa, são gravações constantes. Não há inovação. A nossa que estamos a desenvolver tem o propósito de estar o tempo todo criando uma peça nova. Muita gente que vem aqui e que não conhece fica assuntada com tamanha beleza do trabalho realizado.
*****
Os trabalhos de Thiago Tigo e do coletivo RALE, somado às atividades das Mulheres de Barros com a atuação do Senhor José Augusto, enquanto educador e designer, é a nova arqueologia na região de Carajás. Pessoas escrevendo as suas relações com a sociedade, com a natureza e a utilização dos espaços para contar e imprimir mensagens.
Te vejo em nosso próximo encontro!
O nosso encontro de hoje será carregado de antropologia, história, design e a nova arqueologia urbana que vem sendo escrita na cidade de Parauapebas. Nesse primeiro momento, te convido a conhecer a história do senhor José Augusto, designer, português, que vem desenvolvendo um brilhante trabalho em parceria com a Cooperativa Cultural Mulheres de Barros em uma conexão Brasil-Portugal.
José recebeu a Cultura Livre em um bate papo leve, sereno e pra lá de gostoso em uma manhã de sábado no próprio Centro Cultural das Mulheres de Barro. Como mencionado anteriormente, referente à nova antropologia visual que vem sendo escrita na cidade, contextualizamos nesse primeiro momento o trabalho realizado pelo designer português e no segundo momento falaremos em um outro encontro das intervenções artísticas do grafiteiro e artista visual Thiago Tigo.
Tivemos uma vivência de sete horas na intervenção artística que aconteceu dentro da programação do Ocupa CDC. Tigo, quando está com os demais grafiteiros faz parte do coletivo RALE. Já em seu trabalho individual, ele assina peças que trabalham as questões da natureza, realidade amazônica, arqueologia e questões antropológicas. Isso sem esquecer de mencionar o uso de pigmentos naturais da região para construção de sua pintura. Só que esse papo fica pra depois, em uma coluna dedicada especialmente ao trabalho do cara.
Voltamos ao Senhor José, nosso designer. Acompanhe:
Quem é o senhor José Augusto, o artesão e designer?
Eu desde pequeno já era artista, meu pai era profissional, minha irmã era pintora, e fui desenvolvendo aos poucos a minha aptidão natural. A azulejaria começou há uns anos porque eu trabalhei em uma cerâmica em Portugal. Sou português, esqueci-me de dizer, tenho 65 anos e sou de perto de Lisboa, da cidade de Torres Vedras, uma zona de muita cerâmica. Inclusive, a cerca de 30 km de Torres, tem um Caldas da Rainha que é um grande polo de cerâmica, não só de Portugal, mas a nível europeu. Uma referência na cerâmica e na azulejaria também, com vários cursos que tive por lá também.
Por que a atividade de azulejaria?
Porque é uma atividade que está sempre a inovar, nós nunca fazemos trabalhos iguais, para quem não gosta de rotina, a azulejaria é uma coisa boa porque são criações que não se repetem muito. Me dediquei como hobby, tinha minha vida profissional.
A sua formação profissional era?
Eu fui durante muitos anos técnico da Portugal Telecom, no setor de energias, sistemas básicos de telefônica, e depois licenciei na informática, mas sempre segui paralelamente com o hobby da cerâmica e neste caso da azulejaria.
No Brasil e nessa região, para a juventude, eu penso que é muito interessante para um jovem que revela aptidões naturais e que nas nossas oficinas percebemos, diante do que se vem aprender com cerâmica e muitas vezes há revelações.
Revelações estas que devem ser acarinhadas, tomadas porque neste momento – no nível de trabalho que estou a desenvolver nas Mulheres de Barro – não existe no Brasil e arriscaria talvez a dizer em todo o mundo, porque eu faço parte pelo menos de cinco associações de cerâmica a nível mundial. Esse projeto aqui não tem igual! Isso já é um fator bem determinante na cidade de Parauapebas.
Conte-nos um pouco mais sobre o azulejo português e as suas influências.
O azulejo é uma criação árabe e com essa influência a península ibérica, Portugal foi ocupada pelos árabes, sofreu influência árabe na construção e concretamente na parte da azulejaria. Você pode ver que o árabe não faz figuras, por parte das características da sua cultura que não permite isso, mas faz letras, faz design geométricos, faz muitas coisas.
Os portugueses e os espanhóis absorveram um pouco as técnicas dos árabes e transformaram isso no que nós conhecemos como o azulejo português que não é só português. Se bem que eu sou português e estou aqui puxando a brasa para a minha sardinha, mas não é. Os espanhóis também têm um bom azulejo. No Século XVII e fins do Século XVI formaram as escolas que ainda hoje algumas estão presentes nas cidades, é o caso de umas três ou quatro em Portugal que remontam a esse tempo.
E o Brasil?
O Brasil teve uma grande influência no azulejo por conta dos portugueses que evidentemente chegaram por aqui no período da colonização. Os grandes fazendeiros, políticos, enfim, na época áurea aqui do Brasil. Não só os portugueses, mas os próprios brasileiros deram segmento a história do azulejo aqui no Brasil.
Um fato interessante na história brasileira é o restauro na azulejaria portuguesa presenta na cidade de Salvador, na Bahia. Tem um patrimônio muito grande e talvez nos estados, para além de Belém, São Luís… Mas na Bahia, (Salvador) foi a primeira cidade que conheci quando cheguei ao Brasil. E através de pessoas amigas que conheciam o meu trabalho pude ajudar na parte de restauro e depois a convite vim a primeira vez ao Brasil e por aqui eu fiquei e fui ficando.
Então é assim que o senhor chega ao Brasil?
Sim, foi assim.
Conhece São Luís a capital do Maranhão?
Sim, estive numa escola de cerâmica, porém só em caráter de visita mesmo. No momento em que visitei não tinha grande conhecimento com as pessoas do local. Sei que existe um grande patrimônio na cidade, mas ainda não estudei a fundo o contexto da azulejaria portuguesa e a relação com a cidade. Meu contato foi mais com a Bahia mesmo.
E como chega a região de Carajás?
Olha, eu tinha uma vontade grande de vir ao Brasil, como eu trabalhava em uma empresa de telecomunicações, que era a minha atividade principal, e como estava chegando perto da minha aposentadoria eu fiz um compromisso com a empresa e chegamos a um acordo e eu então decidi vir ao Brasil para morar.
Conheci minha primeira esposa em Portugal, ela é luso-brasileira, casamos lá e ela como era daqui, com família no Brasil, viemos para cá. A ideia não era vir concretamente para Parauapebas, a princípio era só até Salvador, na Bahia.
A vida tem dessas coisas e acabei chegando por aqui. É importante o trabalho que estamos a fazer neste momento, tanto com as Mulheres de Barro quanto na parte que eu estou a trabalhar com azulejaria.
Pode nos explicar melhor este trabalho desenvolvido junto das Mulheres de Barros, com oficinas que já aconteceram tanto em Parauapebas como em Canãa dos Carajás?
Tivemos uma oficina em Canãa dos Carajás de azulejaria, que nós aqui chamamos de plaquinhas, porque se tem essa ideia de que o azulejo é uma coisa que compramos para colocar no banheiro, na cozinha ou em outra parte da casa.
Então, este trabalho, pelo menos aqui, é a designação que dão, uma palavra muito utilizada no Brasil são as plaquinhas. A plaquinha pode ser tanto quadrada, quanto retangular, qualquer formato. Como o azulejo que tem um formato qualquer. O que está em jogo é a técnica para fabricação, pintura e assadura (cozimento) desse mesmo azulejo.
Conheces a cidade de Marabá?
Sim, conheço. Eu me separei da minha primeira esposa e neste momento estou com uma pessoa que era policial lá em Marabá e então eu conheço bem essa região pelas viagens realizadas entre as duas cidades.
Esse trabalho que está a desenvolver, além de primar pela técnica e processo de produção das plaquinhas e contextualizar o azulejo português como você nos descreve no início, tens uma preocupação com as questões culturais locais, tais como os elementos da natureza, arqueologia e as questões indígenas presentes na região?
Isso faz parte um pouco do patrimônio histórico e arqueológico da região de Carajás.
O projeto que ainda estamos, esse projeto, tentou valorizar as descobertas arqueológicas e o que as Mulheres de Barro tentam fazer e conseguem à princípio é identificar os grafismos e as peças antigas descobertas pela arqueologia e transpô-las para a data atual.
Atualizá-las digamos, não descaracterizando a sua forma original. Pelo contrário. É questão da azulejaria, surgiu na minha vida. Também trabalhei muito com cerâmica, é minha facilidade nos grafismos que faço em qualquer peça.
E não é só grafismo, nós estamos muito limitados em termos de cores, porque trabalhamos muito com pigmentos naturais próprios da região. Agregando valor as peças produzidas e então não é só o grafismo, mas é concessão da cor, dos contrastes que vão ser criados nas pinturas.
E esses contrastes nós estamos um pouco limitados pela questão dos óxidos que são dois principais – oxido de ferro e oxido de manganês. Depois temos outras cores que são argilas coloridas que podem ter uma variação muito grande.
Quase todos os barros ao chegarem a temperatura de 500 graus passam a chegar a cor normal do barro – vermelho, laranjado, amarelo, mais escuros.
Isso tem a ver com parte Arqueológica e Antropomórfica dos achados arqueológicos da região?
A parte arqueológica especificamente com os grafismos antropomórficos (figurativos) e depois da um relevo a gravura, porque basicamente as peças são gravadas em profundidade com materiais duros, quando a argila está num ponto chamado ponto de couro. É um estado em que a argila está não tão seca e nem tão úmida. Neste momento são feitos os grafismos nas peças e depois são preenchidos com o manganês, na cor escura para realçar um pouco a figura. Só depois irá assar a peça.
Seu trabalho tem uma preocupação social, de fomento a cultura local, geração de renda. Recebe algum apoio ou pensa em outros desdobramentos deste trabalho?
O projeto inicial é um projeto da Vale, apoiado pela Vale mais a Secretaria de Educação e município. O projeto esse que está a acabar daqui três anos, penso eu, já estamos há cerca de dois, existia a construção disto desde o princípio até agora.
Mas a história das Mulheres de Barro é um pouco mais antiga. Tivemos oficinas e ainda continuamos a ter, especialmente para jovens e também tem a parte de adultos, mas em pequena escala.
Esses cursos são patrocinados, evidentemente, as pessoas não são cobradas por isso, as pessoas vêm e fazem o curso livremente. Para o desenvolvimento não só cultural, mas, a parte econômica da questão, e com a técnica que temos aqui, que é muito boa e vamos ter mais coisas ainda que vamos desenvolver no futuro.
Eu penso que quem realizar um curso aqui de cerâmica vai seguir com capacidade e técnica para desenvolver uma pequena indústria. A técnica nós já ensinamos, agora a criatividade das pessoas é o que é mais importante de tudo.
Eu tenho o meu trabalho, a minha criação, mas a outra pessoa tem a mesma técnica que eu e cria coisas completamente diferentes. Depende do conceito que essa pessoa tem, do meio social em que ela está inserida. Falando em meio social foi muito bom a juventude, no contexto social, os jovens virem aqui para as Mulheres de Barro, para as oficinas, ocupando seus tempos livres. Eles estão aqui e não fazem bagunça na rua e nem são aliciados por coisas ruins. É um ponto positivo.
E com relação aos adultos?
Em relação aos adultos vieram professores também, já com conhecimentos maiores sobre design e técnicas de pintura. Tudo isso é válido aqui quando nós estamos a trabalhar peças de barro. Barros coloridos, pinturas, limitações de algumas cores que temos, pois não são muitas, mas que mesmo assim temos a brilhar muito por aqui. No futuro poderá até haver a descoberta de cores aqui na região. Nós iremos aproveitar para isso.
Quando se fala em cerâmica no Estado do Pará a primeira coisa que vem à mente é a cerâmica Marajoara. Como trabalhar essa questão da importância da cultura Marajoara sem esquecer da realidade antropológica e social da região de Carajás?
Eu conheço pouco da história da cerâmica marajoara, já vi algumas peças, deu a sensação que são peças gravadas e pintadas não com cerâmicas, mas com tintas d’água, penso eu. Da experiência que eu tenho, da minha visão como ceramistas há muitos anos, ela não é uma cerâmica pura, eu acho a nossa cerâmica com muito mais identidade e não tem nada a ver com a Marajoara.
São formas completamente diferentes, são conceitos diferentes. Digamos que muita gente goste de uma e outros gostem da outra cerâmica. No meu conceito, cerâmica deve ser feita com materiais cerâmicos. Quando nós fazemos um vaso cerâmico qualquer, pegamos ele ou compramos e levamos para casa e depois pintamos com tinta d’água…
Sem querer descaracterizar o trabalho, eu acho um pouco mais vulgar. A nossa é feita com muito mais identidade, em um processo que é do fogo do princípio ao fim. A Marajoara você cozinha a peça e depois pinta.
Essa é a ideia que eu tenho, posso estar errado. Eu vi Marajoara em aeroportos, exposições. Ela não é muito diversa, são gravações constantes. Não há inovação. A nossa que estamos a desenvolver tem o propósito de estar o tempo todo criando uma peça nova. Muita gente que vem aqui e que não conhece fica assuntada com tamanha beleza do trabalho realizado.
*****
Os trabalhos de Thiago Tigo e do coletivo RALE, somado às atividades das Mulheres de Barros com a atuação do Senhor José Augusto, enquanto educador e designer, é a nova arqueologia na região de Carajás. Pessoas escrevendo as suas relações com a sociedade, com a natureza e a utilização dos espaços para contar e imprimir mensagens.
Te vejo em nosso próximo encontro!