A tensão voltou ao Cáucaso neste domingo (27) após novos confrontos entre forças da Armênia e do Azerbaijão na região fronteiriça de Nagorno-Karabakh.
Com a escalada militar, os dois países declararam lei marcial — ou seja, ambos os governos preparam as populações para uma possível guerra. Estima-se que 18 pessoas morreram, incluindo dois civis.
Não está claro qual movimento foi o estopim para essa nova rodada de confrontos. O que se sabe é que Armênia e Azerbaijão vivem disputas territoriais mais antigas do que a criação da União Soviética, em 1922 — a URSS incorporou o território dos dois países nos quase 70 anos de existência.
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A maior dessas disputas envolve a autodeclarada República de Nagorno-Karabakh, também conhecida como Artsakh. A região abriga quase 150 mil pessoas em um território encravado nas fronteiras do Azerbaijao. Dessa população, segundo dados apresentados pelo governo armênio, 95% têm origem armênia.
De um lado, armênios argumentam que são a maioria étnica e, por autodeterminação dos povos, têm direito ao controle de Nagorno-Karabakh. Do outro, os azeris entendem que também têm aquela região como parte do território histórico do Azerbaijão.
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Entenda mais sobre as disputas entre Armênia e Azerbaijão por Nagorno-Karabakh abaixo.
Origens e conflitos
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A região onde hoje fica Nagorno-Karabakh era povoada tanto por armênios, majoritariamente cristãos, quanto azeris, que na maioria seguem o Islã. Embora o Império Russo no século XIX e no início do século XX tenha conseguido conter tensões étnicas no Cáucaso, não raro os dois grupos entravam em confronto.
Com a Revolução Russa de 1917 e a subsequente formação da União Soviética em 1922, o território por onde se estendiam os domínios de Moscou foram divididos em repúblicas e regiões autônomas. E, embora os armênios fossem maioria em Nagorno-Karabakh, o governo soviético decidiu, ainda nos anos 1920, incluir o território dentro das fronteiras da então República Socialista Soviética do Azerbaijão.
Em entrevista concedida ao G1 no ano passado, o pesquisador Jeffrey Eden, da Universidade Harvard (EUA), explicou que o controle bastante centralizado da União Soviética em Moscou evitou a eclosão de movimentos separatistas. Mesmo assim, os sentimentos nacionalistas permaneceram.
“Muita gente no Azerbaijão enxerga Nagorno-Karabakh como parte histórica da pátria azeri – assim como vários armênios veem da mesma forma“, ilustrou Eden.
Guerra nos últimos anos de URSS
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Em 1988, três anos antes da dissolução da União Soviética, eclodiu uma guerra entre azeris e armênios na disputa por Nagorno-Karabakh. Mais de 30 mil pessoas morreram, segundo estimativas.
Há diversas razões para o início dos confrontos, mas a menor interferência de Moscou em um período de reabertura capitaneada por Mikhail Gorbachev diminuiu a coesão imposta pelo governo central da URSS: os militares soviéticos não conseguiram conter os movimentos separatistas pró-Armênia em Nagorno-Karabakh, e a guerra começou.
O conflito só terminou em 1993, já depois da dissolução da União Soviética. Os confrontos tiveram fim com um cessar-fogo assinado no ano seguinte e mediado, principalmente, pela Rússia.
Ainda assim, em 2016, novos confrontos em Nagorno-Karabakh deixaram quatro mortos e reacenderam a tensão regional — acalmada desde o fim dos embates na década de 1990. E outros combates ocorridos em julho de 2020 mostraram que a paz mediada há quase 30 anos está em risco.
Repercussão global
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A Rússia liderou na década de 1990, junto com os Estados Unidos e com a França, o chamado Grupo de Minsk, destinado a resolver as tensões em Nagorno-Karabakh. A aliança conseguiu negociar uma paz entre Armênia e Azerbaijão, mas as demandas não foram completamente atendidas.
Isso porque, de um lado, Nagorno-Karabakh continuou sob controle territorial do Azerbaijão, que concordou em conceder certa autonomia. Por isso, mesmo a Armênia reconhece formalmente o território como pertencente às fronteiras azeris. Do outro, o Azerbaijão acusa o Grupo de Minsk de favorecer os interesses armênios.
Os novos confrontos têm sido preocupantes porque, provocado, o governo da Armênia já admite discutir a independência de Nagorno-Karabakh, anunciou o primeiro-ministro Nikol Pashinian neste domingo.
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A Rússia, nesse cenário, prefere se manter como a fiadora da paz entre os dois países. Tanto que pediu, neste domingo, o fim da escalada de tensões e um novo cessar-fogo.
“A Rússia, há muito o mediador preferido pelos governos de Armênia e Azerbaijão, tem muito a ganhar ao manter laços econômicos e estratégicos fortes com os dois países. Dificilmente vai arriscar danificar essas relações tomando partido no conflito“, explicou Jeffrey Eden, de Harvard.
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Trata-se de um conflito, na verdade, que interessa a poucos atores geopolíticos globais. Tanto EUA quanto Irã, inimigos políticos entre si, pediram o fim dos confrontos entre armênios e azeris. O Papa Francisco também se somou aos pedidos de paz no Cáucaso.
Apenas a Turquia, porém, destoou da comunidade internacional e se posicionou do lado do Azerbaijão, país com quem guarda laços étnicos. “A Armênia está brincando com fogo e colocando a paz regional em risco”, disse um porta-voz do governo turco.
Disputa chegou a municípios paulistas
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Em 2019, reportagem do G1 mostrou que dois municípios do estado de São Paulo receberam alertas do Ministério das Relações Exteriores por se declararem cidades-irmãs de cidades em Nagorno-Karabakh — inclusive, mencionando o nome do território como se fosse independente.
- Mairiporã – Stepanakert (ou Khankendi, na língua azeri ou azerbaijana);
- Pilar do Sul – Shushi (ou Shusha, em azeri).
Ambas as leis que determinavam o irmanamento foram revogadas depois do alerta do Itamaraty. Segundo o ministério, o governo do Azerbaijão pediu explicações ao Brasil porque as duas leis municipais aprovadas mencionavam a “autodeclarada República de Nagorno-Karabakh”.
Em nota divulgada em janeiro de 2019, o Itamaraty informou que considera as iniciativas das cidades “bem intencionadas”. No entanto, segundo o ministério, os projetos “não favorecem a construção de ambiente propício para a solução do conflito”.
(Fonte:G1)