Moradores na cidade de Buriticupu, no Maranhão, vivem um dilema: como trabalhar, se divertir e produzir em uma cidade que pode ser “engolida” por crateras e não existir em um futuro próximo? O questionamento pode parecer exagerado, mas é real.
💡 Contexto: Buriticupu vive cercada por grandes crateras — as voçorocas — há pelo menos 30 anos. Com o avanço dos precipícios, há possibilidade de que, nos próximos anos, já não exista mais espaço para a ocupação dos butiricupuenses. São 26 precipícios e, sem obras de contenção, alguns chegam a 600 metros de extensão e 80 de profundidade.
O receio dos moradores é legítimo e possível, segundo os pesquisadores, mas pouco provável, especialmente se alguma ação de contenção for realizada a tempo.
Leia mais:“Do ponto de vista da dinâmica da natureza, é possível que toda aquela área alta, que abriga hoje Buriticupu, aplainada, erodida, e se torne um vale ou uma área plana mais rebaixada e, diante dessa dinâmica natural, seria possível sim que a cidade fosse arrasada por erosão, dentro, claro, de um tempo geológico”, explicou Marcelino Farias, chefe do departamento de Geociência da Universidade Federal do Maranhão, que possui pesquisas sobre as voçorocas de Buriticupu.
“Entretanto, a cidade vai se adaptando e, ainda que não tenha obras significativas, as pessoas vão se movimentando, a cidade vai mudando seus limites, mudando de lugar, e se adaptando a essas ameaças”, acrescentou.
Nas últimas três décadas, cerca de 70 casas já foram engolidas e há pelo menos 180 em áreas consideradas de risco. Algumas delas estão localizadas no Residencial Eco Buriticupu, onde mora a Kailanny Pinheiro, de 21 anos.
Há três anos, uma enorme voçoroca começou a crescer perto de uma das ruas do residencial e, gradualmente, foi engolindo moradias. Para Kailanny, a casa dela pode ser a próxima, em breve.
“Toda chuva ela [voçoroca] cresce um pouco. Todo inverno é uma preocupação. (…) Eu tenho medo [de perder a casa], a gente tem muitas lembranças aqui. A minha sobrinha nasceu e cresceu aqui. A gente tem lembranças, apego, carinho, tem memória”, conta a estudante, que também nasceu em Buriticupu.
Segundo os moradores, o problema das voçorocas já dura décadas, e está ligado com o nascimento da cidade de Buriticupu, quando a ocupação da região, na década de 1980, foi feita sem planejamento e com muita extração irregular de pedras e madeira.
O solo desprotegido foi provocando, lentamente, o início das crateras, que não pararam de crescer durante os períodos de chuva. Atualmente, são 26 voçorocas ao redor da cidade, sem perspectiva de solução.
“Nós não sabemos o que fazer, por onde começar. Os gestores sempre vão passar de um para o outro essa responsabilidade. Os geólogos já vieram aqui e o que eles falam é que restaurar o Buriticupu é quase impossível, pois precisaria de grana demais para preencher as voçorocas. Seria caro demais e inviável. Seria o dinheiro de construir outra cidade”, explicou Isaías Neres, presidente da Associação de Moradores das Áreas Atingidas pelas Erosões de Buriticupu.
“Eles recomendam que seja pelo menos contida essas voçorocas, através de um trabalho de contenção e depois plantio de algum tipo de vegetação. A mais adequada é a do bambu”, concluiu.
Voçoroca no quintal
Francisco Cavalcante tem 71 anos, e mora há 17 anos com uma voçoroca nos fundos de sua casa, na Vila Santos Dumont. Ele se mantém no local porque vive de pequenas plantações e não tem condições de se mudar.
“Quando cheguei aqui, o buraco era pequeno e tinha várias pessoas morando perto. Depois muitos foram indo embora. Gosto de plantar e não tenho terra para trabalhar, então estou aqui, na beirada do buraco“, contou Francisco, que tem dois filhos e já derrubou outras duas casas devido ao avanço da voçoroca.
Mortes e acidentes pelas voçorocas
As crateras também causaram sete mortes no total. Nas estatísticas, está o falecimento de Márcio Costa Araújo, que caiu em uma voçoroca mal sinalizada e que serve de bueiro, em tempos de chuva.
Em outubro de 2022, Márcio estava de moto em uma rua, a caminho da casa da mãe, quando tentou atravessar uma enxurrada, mas acabou sendo levado pela água até a voçoroca.
“Ele sempre me ajudou. Não tem um dia que eu não me lembro dele, todos os dias, o meu filho. Ele tinha sonhos. (…). Eu sempre dizia pra ele, meu filho e eu, que as coisas melhoraram, e nós não viemos comprar um trator para trabalhar”, declara a mãe de Márcio, Maria Antônia.
PM quase morre ao cair em voçoroca
Em outro caso, em maio de 2023, o policial militar aposentado José Ribamar Silveira caiu numa das crateras enquanto manobrava uma caminhonete. A queda foi de uma altura de, aproximadamente, 80 metros. Ele não chegou a falecer, mas teve várias fraturas.
“Eu já moro aqui há mais de 20 anos, mas não andava por aquela região. Nunca pensei uma coisa daquela. Eu vinha tranquilamente na estrada lá, nem sabia que tinha voçoroca ali perto”, disse o ex-policial, que teve uma fratura exposta no tornozelo e passou vários dias internado.
“Foi um grande milagre que aconteceu, eu cair de uma altura de 80 metros e ficar com vida e consciente”, acrescentou.
O que é uma voçoroca e como ela se forma?
As voçorocas são o nome científico do fenômeno erosivo que atinge o lençol freático e Buriticupu tem uma das maiores concentrações do fenômeno no país. (entenda mais na ilustração mais abaixo)
Buriticupu fica no topo de uma região com cerca de 200 metros de altitude, cercada de vales. O solo da região tem presença predominante de areia, silte e argila, com pouca porosidade. E, com o avanço do desmatamento, o solo fica ainda mais suscetível ao surgimento das crateras.
O que dizem as autoridades
Em março do ano passado, a Defesa Civil Nacional esteve em Buriticupu avaliando a situação. Na época, foi decretado estado de calamidade pública. O Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional se comprometeu em ajudar a resolver o problema.
No entanto, segundo os moradores, houve algumas ações paliativas apenas em algumas áreas críticas, como próximo de rodovias. Em outras regiões, como no Residencial Eco Buriti, as voçorocas seguem avançando e engolindo casas.
Também somente após os acidentes e a repercussão nas redes sociais sobre o tamanho das crateras, em 2023, algumas sinalizações foram colocadas próximas de algumas voçorocas. Mas, a maioria também continua sem placas ou indicações para a população sobre a proximidade com os abismos.
Em relação às demais demandas e contenção das voçorocas, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional informou que a prefeitura solicitou o repasse de R$ 40.888.460,25, e que o processo está em fase final de avaliação.
Em nota, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) disse que, no dia 8 de fevereiro deste ano, foi publicado o convênio para ações de recuperação em Buriticupu, no valor de R$ 11.220.347,48, dos quais a primeira parcela, no valor de R$ 3.366.104,24, já foi repassada em 27 de março para a reconstrução de 89 Unidades Habitacionais no município, em razão das voçorocas. O processo, porém, ainda estaria em fase de execução.
A Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec) disse que, em março de 2023, houve o repasse de R$ 687 mil para aquisição de materiais de assistência humanitária para as famílias desabrigadas, desalojadas e afetadas pelo avanço erosivo das voçorocas.
“Nos dias 08, 09 e 10 de maio de 2023, foi realizada visita técnica em Buriticupu para orientar os gestores do município sobre as ações necessárias. Em razão disso, o município apresentou à Secretaria um Plano de Trabalho para recuperação de vias e estabilização de processos erosivos, dividido em duas metas: a) estudos e projetos da obra e b) obras emergenciais de drenagem. O valor solicitado foi de R$ 40.888.460,25. Atualmente, o processo encontra-se na área técnica em fase final de avaliação”, diz a nota.
Por fim, a Defesa Civil Nacional afirma que está debatendo uma estratégia de gestão do desastre juntamente com o município desde a visita em campo, em maio de 2023.
O g1 entrou em contato com a Prefeitura de Buriticupu e o prefeito da cidade, João Carlos, pedindo explicações sobre a falta de obras, de sinalização e o uso dos recursos enviados pelo governo federal para conter as voçorocas. No entanto, não houve retorno.
Em abril, a Prefeitura de Buriticupu havia informado apenas que os recursos foram destinados à assistência emergencial e para construção de 89 casas populares para as famílias afetadas pelas crateras. Disse ainda que a obra já foi licitada e que aguarda recursos federais para obras emergenciais de drenagem das crateras.
(Fonte:G1/Rafael Cardoso)