Correio de Carajás

Como um capitão perdeu sua fortuna ao ser enganado e comprar “sereia”

O explorador americano Samuel Barrett Eades comprou de marinheiros holandeses o que ele acreditava ser uma "múmia de peixe com humano", mas acabou afogado por dívidas

'Sereia' feita de papel machê da coleção de Moses Kimball que já incluiu a Sereia Feejee (Foto: Domínio Público)

A “sereia” mais cara do mundo foi uma farsa comprada no século 19 pelo capitão americano Samuel Barrett Eades, que acreditou fielmente na autenticidade da “múmia” e trocou toda sua fortuna para tê-la. A curiosa história foi divulgada pelo World Guinness Records em 26 de maio.

A sereia de Fiji, como ficou conhecida, tinha uma aparência monstruosa, muito diferente da bela personagem “Ariel”, retratada pela Disney no longa animado “A Pequena Sereia” (1989). A versão live-action do filme, protagonizada pela atriz americana Halle Bailey, movimentou bilheterias mundo afora e estreou no Brasil no dia 25 de maio.

A “sereia mumificada” também foi um sucesso e tanto no século 19, mas pela bizarrice. Acredita-se que o “fóssil” tenha sido criado costurando o torso e a cabeça de um jovem macaco na metade traseira de um peixe. A montagem foi suficiente para convencer Eades da existência de tritões.

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“Hoje em dia é difícil acreditar que Eades estava disposto a arriscar tudo na sereia, mas naquela época a existência de sereianos ainda estava em debate”, conta a especialista em sereias na cultura, Sarah Peverley, professora da Universidade de Liverpool, na Inglaterra, e consultora do Guinness, em comunicado.

As “sereias”, como a que o capitão do mar adquiriu, eram feitas no Japão de arame, papel machê, pele de peixe seca e mandíbulas de símio como objetos devocionais representando um espírito japonês conhecido como ningyo, que significa “peixe humano”.

Ilustração da sereia Feejee de PT Barnum de 1842 — Foto: Wikimedia Commons
Ilustração da sereia Feejee de PT Barnum de 1842 — Foto: Wikimedia Commons

Conforme explica Peverley, do século 17 até meados do século 19, o Japão tinha uma rígida política isolacionista, conhecida como Sakoku, que limitava o comércio e o contato com nações estrangeiras. Isso fez que os marinheiros europeus não soubessem nada sobre as “sereias”.

“Objetos como a sereia não eram compreendidos pelos forasteiros, então quando caíram nas mãos de marinheiros como Eades, eles os trocaram por grandes somas de dinheiro e foram tirados do contexto”, afirma a professora.

Foi assim que a sereia de Fiji se tornou uma grande atração em espetáculos. Ao ver o objeto em 1822, em uma exibição na Batávia (atual Jacarta, Indonésia), Eades acreditou se tratar de uma sereia de verdade.

História de pescador vira golpe

 

O marinheiro vendeu um oitavo das ações do navio mercante The Pickering, que ele tinha, junto da carga da embarcação, por 6 mil dólares espanhóis. Então, comprou a “sereia” de alguns marinheiros holandeses, que a haviam adquirido de um pescador japonês.

O valor gasto com o artefato foi de 5 mil dólares espanhóis, o que equivaleria a cerca de US$ 126,6 mil (R$639,8 mil). Eades usou o dinheiro que sobrou da venda do navio para garantir sua passagem de volta para a Inglaterra.

Durante o retorno, o americano parou na Cidade do Cabo, na África do Sul, para exibir a “sereia”. Ela foi alvo de muita especulação após a notícia dela no local chegar à imprensa. Mais tarde, multidões nas ruas pagavam para vê-la durante uma exibição de vários meses em Londres, na Inglaterra.

Mas a glória do marinheiro durou pouco. Stephen Ellery, dono dos outros sete oitavos do The Pickering, entrou com uma ação legal contra Eades por vender o navio e a carga. Ele perdeu o caso e foi forçado a passar o resto de sua vida no mar para saldar sua dívida.

A “múmia de sereia” acabou sendo condenada como falsa por cientistas. Apesar disso, ela virou uma curiosidade, tendo sido levada pela Grã-Bretanha e possivelmente pela Europa por vários anos. Posteriormente, o artefato foi vendido pelo filho de Eades a Moses Kimball do Museu de Boston, nos EUA, que o levou ao famoso showman americano P.T. Barnum.

O vigarista Barnum, retratado pelo olhar romântico da Disney em 2017 no filme “O Rei do Show”, criou uma falsa história de fundo para a sereia, alegando que ela foi capturada em Fiji, no Pacífico Sul, o que a levou a ser conhecida como sereia de Fiji.

showman fez bom uso da mídia – e de um falso cientista – para gerar muito interesse do público. Hoje restam apenas desenhos da “sereia”. Acredita-se que ela pode ter sido destruída em um dos incêndios que consumiram as coleções do empresário nas décadas de 1860 e 1880.

“A sereia de Eades captura o quão espirituais, imaginativos, curiosos, otimistas e totalmente crédulos os humanos podem ser”, comenta Sarah Peverley. “É trágico que ele [Eades] tenha perdido tudo, mas P.T Barnum fez fortuna com ela”.

(Fonte: Galileu)